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Terça-feira, 31/1/2017
Em nome dos filhos
Luís Fernando Amâncio

É difícil nomear algo. Pior ainda quando se trata de nomear uma pessoa. E complica ainda mais se for uma pessoa com quem você vai conviver a vida toda. Mais difícil do que dar nome aos bois é dar nome aos filhos. Já imaginou, seu rebento querido, no auge da rebeldia, se virar para você e soltar a clássica frase, “eu não pedi pra nascer”, acrescida de um “muito menos ter essa m**** de nome”?

Gerar um outro ser e, ainda por cima, criar uma alcunha para ele, é brincar de deus. Mas a grande maioria não aprendeu com o Homem-Aranha, que “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”. Então, as pessoas saem por aí desferindo nomes no impulso, ao bel-prazer, sem pensar no futuro do cidadão que o ostentará por toda uma vida. Apenas nomeiam, porque acham que soa bem, porque viram o nome na tv, porque é o nome do pai misturado com o da mãe ou, simplesmente, PORQUE SIM.

Minha família sofre da “maldição do nome composto”. Talvez tenha começado na geração da minha mãe, quando filha mulher era quase sempre “Maria” e filho homem era “José”. Aí, quando vinha o segundo filho do mesmo gênero – e naquela época filho vinha de braçada –, já havendo um José ou uma Maria, era preciso diferenciar com um complemento. Além disso, os batismos ainda ricocheteavam em nomes de santos, num combo completo de benção.

Na minha geração, os pais já começaram a deixar de lado a beatice na hora de ir ao cartório. Só que um nome simples, sem complemento, continuou não servindo. Muitos dizem que tenho nome de galã de novela mexicana, por exemplo.

Hoje, a composição dupla de nomes continua. Os nomes ficaram mais enxutos, coisa da moda – Sofia, Alice, Miguel, Pedro, Arthur e por aí vai – mas raramente é um só. E para aplicar o nome composto há as mais variadas justificativas: o pai queria um nome, a mãe, outro; um nome é o da avó materna, o outro é o da avó paterna; o primeiro nome é de uma música e o outro é da cidade aonde ouvi essa música...

Mas a minha família e os nomes compostos são só uma tendência em meio ao turbilhão de escolhas questionáveis imortalizadas em certidões de nascimento. Quem não se lembra da febre do “K”? Quem se chama Kelly, Kaio, Kellen, Karolina, dentre outros, sabe do que estou falando.

Houve também o tempo das consoantes dobradas, dos ipsilons marotos roubando o lugar do “i”, e do “e” tornando o nome feminino “diferentão” – “’Mariana’” é comum, vou sapecar um “e” no fim e vai ficar bom, ‘Mariane’”.

Sem falar nos nomes gringos que ainda desembarcam por aqui. Quanta “versão brasileira: Herbert Richers” não fez a cabeça de papais e mamães? Washingtons, Kathlyns, Wellingtons, Charles e Rachels que o digam. E atores, atrizes e músicos também batizaram mais crianças do se pode imaginar. Se gritar “Michael Douglas” na rua, uns três vão virar. Sem falar nos exóticos “Waltdisney da Silva”, das “Whitney Houston dos Santos”, ou dos “Christopher Tiagos” da vida.

Enfim, quando a criatividade é grande, o céu – que no caso é o alfabeto – é o limite. Não estou aqui para julgar, tem gosto para tudo e o meu não é melhor do que o de ninguém. Mas se um dia eu quiser fazer algo de importante da vida, talvez eu crie uma ONG para estimular as pessoas a darem nomes a seus filhos com consciência. Não é dizer que tal nome é certo e o outro é errado. Mas é que às vezes, antes de tomar uma decisão, é preciso ouvir alguém dizer: “sério?”.

Afinal, adaptando a infeliz campanha publicitária do governo federal, gente boa também erra a mão na hora de dar nome aos outros.

Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte, 31/1/2017

 
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