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Terça-feira, 16/5/2017
Seis meses em 1945
Celso A. Uequed Pitol

A imagem de Josef Stalin, Franklin Delano Roosevelt e Winston Churchill reunidos no pátio do Palácio Livadia, na cidade de Yalta, numa tarde fria de fevereiro de 1945, é parte do quadro de honra da inconografia da Segunda Guerra Mundial. E não é sem razão: ali, no popular balneário soviético situado às margens do Mar Negro, os três líderes das potências aliadas, chamados “Três Grandes”, começaram a esboçar o desenho de um novo mundo, erguido sobre os escombros do nazi-fascismo impiedosamente derrotado. O desenho levaria seis meses para ficar pronto, e a marca disto seria a detonação, em agosto, da bomba atômica em Hiroshima. Era o fim da aliança entre soviéticos, americanos e britânicos – e o começo da Guerra Fria.

“Seis meses em 1945”, de Michael Dobbs, debruça-se sobre este período decisivo. Correspondente internacional do “Washington Post” no Leste Europeu durante anos, Dobbs enfoca os encontros (e desencontros) dos representantes das potências vencedoras, as negociações duríssimas, as disputas por território, poder e influência e o processo rápido de degradação das relações entre a dupla Churchill-Roosevelt (após a morte deste, Churchill-Harry Truman) e Josef Stalin, passando de aliados quase inseparáveis a rivais plenos em poucos dias. Além dos “Três Grandes”, Dobbs valoriza a atuação de diplomatas, generais e assessores, muitos dos quais desempenharam papel quase tão importante no desenrolar dos acontecimentos quanto seus líderes.

A envolvente narrativa de Dobbs não chega a trazer novidades, mas é muito bem amparada por uma farta documentação militar e pessoal que incluiu cartas e anotações pessoais. A partir delas foi possível reconstruir – e isto Dobbs faz com muita competência – muito das ações e pensamentos dos “Três Grandes”. Assim, assistimos a um Churchill com seus velhos preconceitos coloniais, angustiado ante a óbvia decadência do Império Britânico e recusando-se a aceitar o novo mundo que se descortinava diante de seus olhos; a um Roosevelt já doente e frágil, mas ainda firme em suas convicções de que uma paz justa entre os vencedores da guerra era possível; a um Truman, que sucedera a Roosevelt e se sentia constrangido em ficar ao lado de gigantes como Stalin e Churchill, armado com a sabedoria prática de comerciante do Missouri para negociar com homens mil vezes mais experientes; e um Stalin com moral elevada pela espetacular vitória de seus homens em Stalingrado e outras batalhas no front oriental.

* * * *

“Os três governantes (…) haviam concordado com uma foto do grupo no jardim do palácio antes do início da sessão plenária, marcada para as onze. As cadeiras de vime tinham sido colocadas no gramado banhado pelo sol de maneira que ficassem exatamente a um pé de distância uma da outra. Por estar presidindo a conferência, Truman sentou-se na cadeira do centro, a uma distância igual dos dois outros líderes. Stalin, resplandecente em seu casaco de generalíssimo de cor creme, instalou-se na cadeira à esquerda do presidente. Churchill, trajando sua farda de coronel, não gostou do arranjo das cadeiras. Virando o rosto para os fotógrafos, agarrou furtivamente a cadeira, que àquela altura estava atrás de si, e puxou-a para a esquerda. Agora, os líderes das duas democracias estavam visualmente – e simbolicamente – unidos, enquanto o ditador soviético estava isolado, a um pé de distância”.

Celso A. Uequed Pitol
Canoas, 16/5/2017

 
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