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Terça-feira, 5/12/2017
Entrevista com o poeta mineiro Carlos Ávila
Jardel Dias Cavalcanti

Carlos Ávila (Belo Horizonte, MG, 1955). Poeta, ensaísta e jornalista. Estudou Letras na UFMG, porém não concluiu o curso – optando pelo jornalismo, que exerceu por mais de trinta anos (ainda trabalha como free-lancer na área). Sua estreia se deu com o livro de poemas Aqui & Agora, em 1981. Publicou, em seguida, entre outros, os livros de poesia Sinal de Menos, em 1989; Bissexto Sentido, em 1999; e Área de Risco, em 2012. Como ensaísta publicou Poesia Pensada, em 2004. Entre 1995 e 1998, foi editor do Suplemento Literário de Minas Gerais. Foi técnico do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais - IEPHA/MG e Assessor para Conteúdos da Rede Minas de Televisão. Foi também editor do caderno de cultura do jornal Hoje em Dia e colunista da revista eletrônica Dom Total. Tem poemas traduzidos para o inglês, espanhol e francês. Participou de mais de vinte antologias no país e no exterior. Tem poemas musicados por Gilberto Mendes e por Willy Corrêa de Oliveira. Em breve, Ávila estará lançando dois novos trabalhos: a plaquete tipográfico-artesanal Azul & verde e o volume de antidísticos “Anexo de ecos”.

JARDEL: Você vem de uma importante família mineira (filho de Affonso Ávila e Laís Corrêa de Araújo) que engloba poetas, pesquisadores e ensaístas, às vezes a mesma pessoa praticando todos esses três gêneros. Qual a medida da influência desse ambiente intelectual sobre sua decisão de ser poeta e sobre sua poesia?

CARLOS ÁVILA: Pois é, nasci num ambiente literário. Meus pais eram escritores. Sempre me lembro de minha casa repleta de livros (muitas bibliotecas de parede inteira!). Foi um privilegio contar com esse ambiente, com esse material e também com a interlocução com meus pais. Affonso, Laís e eu acabamos formando o que o querido e saudoso amigo Bóris Schnaiderman chamou de uma “tróica de poetas”.



JARDEL: Você começou sua formação acadêmica como estudante de Letras e terminou trabalhando como jornalista. Como o universo do jornalismo (que trabalha com a comunicação dentro de uma linguagem para lá de simplória) se reconciliou com as exigências da poesia?

CA: Não considero que o jornalismo (digo, o bom e verdadeiro jornalismo) trabalhe com uma linguagem “simplória”. Sim, com uma linguagem não acadêmica, que procura ser clara – concisa e precisa. Drummond, que foi jornalista, acreditava que “o jornalismo é escola de aperfeiçoamento para o escritor”. Acrescentando: “Ele ensina a concisão, a escolha das palavras, dá noção do tamanho do texto”. E mais: “o jornalismo é uma escola de clareza de linguagem, que exige antes clareza de pensamento”. Imagino que consegui, sim, conciliar poesia e jornalismo na minha trajetória.

JARDEL: Existe uma avaliação de sua poesia, escrita por Maria Esther Maciel, que o coloca na linhagem dos poetas voltados para a pesquisa da linguagem, interessados no rigor da criação que prevê invenção e debate sobre o próprio fazer poético. Fale um pouco sobre a sua poética.

CA: Prefiro que outros falem sobre o meu “fazer poético” – como a ensaísta e professora/UFMG Maria Esther Maciel, que escreveu um ensaio sobre o meu trabalho. Mas posso afirmar que procuro sim – sempre procurei – a pesquisa da linguagem, também o rigor e a concisão. Se consegui, não sei.

JARDEL: No seu ensaio “Poesia presente & (possível) futuro”, você faz uma avaliação da situação da poesia atual, demarcando um problema que seria o pouco cruzamento entre poesia e novas tecnologias na atual poesia. Aproveitando um termo adorniano, a poesia não estaria, por isso, passando por um momento de “regressão da linguagem”?

CA: Acho difícil (e temeroso) afirmar que a poesia passa por um momento de “regressão de linguagem”, como você afirma. Mas sinto hoje, por exemplo, o desgaste da repetição e diluição de certos padrões modernistas; e também o uso acrítico e “gratuito” das novas tecnologias. O que importa (sempre importou) são ideias novas, que parecem estar um tanto em falta no momento.



JARDEL: Você diz, no ensaio acima citado, que a poesia atual “mesmo quando opera no nível verbal, deixa de lado os recursos das diversas artes que podem ser mobilizados para a produção de obras inéditas em nível de procedimento.” Não seria esse retorno a uma poesia menos experimental e antenada com as tecnologias contemporâneas o resultado do desgaste das proposições das vanguardas (muitas vezes autoritárias, quando querem fazer tábula rasa do passado “conservador”) e/ou mesmo em razão da já assimilação dos procedimentos vanguardistas pela mídia comercial?

CA: Repito o que disse anteriormente: precisamos de novas ideias. Só o passado (inclusive o vanguardista) ou um pretenso futuro (apenas tecnológico) não bastam. É preciso pensar mais, com mais profundidade – para fazer a poesia DE HOJE.

JARDEL: Temos notado ultimamente na jovem poesia brasileira um retorno ao “eu lírico”, a uma introspecção e descrição de situações íntimas vividas pelo poeta. Não seria esse retorno um dado da razão da existência de um “mínimo eu” como foi diagnosticado por Christopher Lasch? Em seu desconcerto em relação a uma realidade absurda e aos fenômenos sociais e políticos os escritores “tomam o eu como tema (...) o simples fato do eu, a visão do eu como inviolado, poderoso e audaz, do eu como a única coisa real num meio circundante onde predomina a irrealidade”.

CA: A meu ver, quanto menos “eu” melhor; quanto menos “ego” – melhor ainda. O “eu” não pode ser refúgio diante de uma realidade complexa e difícil como a que estamos enfrentando. Acredito que os poetas devem “responder” ao seu tempo.

JARDEL: Pensando agora nessa volta ao “mínimo eu” dentro da problemática exclusivamente da linguagem, já que ela cria também uma poesia mais “comunicativa”, você acredita que haveria aí uma perda da qualidade formal na questão da linguagem poética?

CA: “O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia”, afirmou em verso Drummond. Sem linguagem e forma não existe poesia, a meu ver.



JARDEL: Como você avalia a produção poética brasileira da atualidade? Há algo de novo ou importante sob o sol das letras?

CA: É difícil avaliar a produção poética atual: são tantos nomes, tantos livros, tantas dicções diferentes... Agora, não é preciso ser sempre novo, querer ser “le dernier cri” (ainda mais depois de tantas vanguardas e experiências com a linguagem). Bons são os poetas que criam sua própria linguagem (inclusive dentro de seus limites) e dão o seu recado.

JARDEL: A emergência do social, na vertente das minorias (raça e gênero, principalmente, e a ideia de uma postura sempre politicamente correta), tem invadido a área das artes e o discurso sobre a cultura. Isso é bom ou ruim para a poesia? Ou você concordaria com Adorno que diz o seguinte: “Na arte, o social é o seu movimento imanente contra a sociedade, não a sua tomada de posição manifesta”.

CA: No final das contas o que interessa mesmo (independente dos aspectos que você assinala) é a eficiência da linguagem, a fatura, a competência poética.

JARDEL: Todo poeta tem uma lista de criadores com quem tem afinidades estéticas. Qual a sua lista de poetas (ou aponte apenas alguns) e o que os torna importante para você?

CA: Uma lista talvez resultasse infinita (se penso a tradição poética, pelo menos no Ocidente, desde Homero). Rapidamente, apenas no séc. 20, no Brasil, alguns preferidos meus: Oswald, Bandeira, Drummond, Murilo Mendes, Cabral, os concretos, Affonso Ávila, Mário Faustino... Lá fora: Apollinaire, Reverdy, Eluard, Pessoa, Sá-Carneiro, Lorca, Rilke, Eliot, Maiakovski, Ungaretti, Octavio Paz...



JARDEL: Nos conte um pouco sobre sua experiência como editor do Suplemento Literário de Minas Gerais.

CA: Fui editor do SLMG de 1995 a 98. Renovei inteiramente o jornal em forma e conteúdo – ele estava um tanto “abandonado” e desprestigiado. Retomei a força do veículo impresso. Foi um período ótimo, de belas colaborações e edições – e que terminou com reconhecimento nacional (finalista do Prêmio Estadão de Cultura).

JARDEL: Um dos grandes momentos da vida literária brasileira foi o Concretismo e seus desdobramentos em uma teoria da tradução e a prática de transcriações, como também numa exigência muito grande quanto a elaboração das criações poéticas, além de eleger um grupo de poetas como referência norteadora de seu pensamento. Como você vê o papel dos poetas concretistas na cultura brasileira?

CA: Foi um papel importantíssimo, talvez até mais abrangente, em alguns pontos (como na tradução, como você assinala, e na reavaliação de certos poetas), do que o modernismo – que é, também, muito importante, é óbvio.

JARDEL: Como pergunta a música, eu te pergunto: “Poetas para que?

CA: Não sei mesmo...



OBS: Na última foto aparecem Carlos Ávila e Augusto de Campos.

Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 5/12/2017

 
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