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Sexta-feira, 16/2/2018
Os Doze Trabalhos de Mónika. Epílogo. Ambaíba
Heloisa Pait

Leia a primeira aventura de Mónika, À Beira do Abismo.

A Copa da Ambaíba

Mónika saiu do campus. Era o que fazia todos os dias, mas desta vez era diferente. Saía do campus. Havia assinado a ata da defesa, tinha cumprido seu dever de professora, de educadora, de intelectual até. Então saía do campus. O aluno seguiria em frente, com seu cachorro, com sua vida, com seus mapas. Que faria ela agora?

Caminhou pela estrada, no acostamento. Caminhões faziam o chão tremer. Ela seguia, sol a pino. Na Avenida Engenheiro Leó Szilárd, andou pelo canteiro central. Um grupo com tênis de caminhada seguia um jovem vestido com roupas coloridas. Mónika caminhou com eles, todos lhe sorriram como se a acolhessem. Desceram a trilha até a ravina.

O jovem explicou as plantas. Abacateiros. Ambaíbas que davam nome à cidade. Frutinhas vermelhas com as quais os índios faziam suas bebidas, antes dos canaviais. O grupo ouvia atento, encantado, era tudo diferente. A ravina era profunda. As folhas de costela de Adão deixavam o sol penetrar nas folhas mais baixas, e todos aplaudiam como se fosse uma inovação.

Eram as ravinas de Ambaíba.

O grupo subia de volta, Mónika seguia atrás. Ainda tinha uma longa jornada. Com suas armas. Talvez Péter lhe escrevesse. Talvez virasse a musa da direita. Talvez fosse parar no Canadá. Talvez falasse coisas da alma. Talvez criasse uma ONG internacional. Não sabia. Só não podia parar. O Senador Ronaldo Caiado proporia uma lei com seu nome. Ambaíba batizaria um pontilhão com o nome de seu avô. Não sabia.

Seria aplaudida. Incompreendida. Estava feliz. Com suas armas apenas. Subia a ravina, e já não era sem tempo. Subia arfando, confiante, cansada, otimista. Não seria mais ela. Não seriam mais suas palavras. Seriam pingas ancestrais, abacates rompidos no chão. Idéias. Palavras. Nomes. Já não seria mais ela. Seria mulher de alguém, gente de outras gentes. Desenho de uma coisa que ela tinha começado. O rastro de um vôo, a tradução de uma fala, uma tese substituta, uma palestra em silêncio. Uma aula febril. Um livro não-lido. Um homem antigo. Uma biblioteca escondida. Uma pregação no caminho. Uma aposta impossível. Um churrasco arriscado.

Uma ocupação. Doze trabalhos. Doze trabalhos de Mónika.

Esta é uma obra de ficção; qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência

Heloisa Pait
São Paulo, 16/2/2018

 
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