O comunista que beijou Machado | Sérgio Augusto

busca | avançada
63387 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Inscrições | 3ª edição do Festival Vórtice
>>> “Poetas Plurais”, que reúne autores de 5 estados brasileiros, será lançada no Instituto Caleidos
>>> Terminal Sapopemba é palco para o evento A Quebrada É Boa realizado pelo Monarckas
>>> Núcleo de Artes Cênicas (NAC) divulga temporada de estreia do espetáculo Ilhas Tropicais
>>> Sesc Belenzinho encerra a mostra Verso Livre com Bruna Lucchesi no show Berros e Poesia
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
>>> Ser ou parecer
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Microsoft matando o livro
>>> A TV paga no Brasil
>>> O Presépio e o Artesanato Figureiro de Taubaté
>>> Change ― and Positioning
>>> Retrato de corpo inteiro de um tirano comum
>>> Arte e liberdade
>>> Literatura em 2000-2009
>>> Abdominal terceirizado - a fronteira
>>> Entrevista com André Fonseca
>>> O bom crioulo
Mais Recentes
>>> Novo Espaço Filosófico Criativo - Investigação Ética 7ª Série de Silvio Wonsovicz pela Arth & Midia (2006)
>>> Subcidadania Brasileira de Jessé Souza pela Leya (2018)
>>> The Legend Of Zelda: Hyrule Historia de Michael Gombos, outros pela Dark Horse Books (2013)
>>> Os Chantagistas de Elmore Leonard pela Nova Época (1974)
>>> A Arte De Conjugar de Samantha Scott pela Martins Fontes (2001)
>>> Prendedor De Sonhos de João Anzanello Carrascoza - Juliana Bollini pela Scipione (2012)
>>> Barriga De Trigo de William Davis pela Martins Fontes (2015)
>>> Atlas de Anatomia de Anne M. Gilroy - Brian R. Mac Pherson - Lawren pela Gen - Guanabara - estacio (2008)
>>> Vento Negro de F. Paul Wilson pela Record (1988)
>>> O Vovô Urso Não Consegue Escalar de Heidi e Daniel Howard pela Ciranda Cultural (2010)
>>> Na Pista do Marfim e da Morte de Ferreira da Costa pela Len Porto (1944)
>>> O Céu Desabou de Arthur Weingarten pela Record (1977)
>>> Poemas e Comidinhas de Roseana Murray - André Murray pela Paulus (2013)
>>> Harpas Eternas - Volume Iii de Josefa R. L. Alvarez pela Pensamento (2018)
>>> Livro Orando a Palavra de Valnice Milhomens pela Palavras de Fe (1993)
>>> Guia Prático Felinicultura de Élise Malandain, outros pela Royal Canin
>>> Livros De Sangue - V. 1 de Clive barker pela Civilizacao Brasileira (1990)
>>> A Ilusão Do Desenvolvimento de Giovanni Arrighi pela Vozes (2024)
>>> Livro Direito Empresarial e Tributário 220 de Pedro Anan Jr. e José Carlos Marion pela Alínea (2010)
>>> A Sereia de Camillo Castello Branco pela Livraria Moderna (1900)
>>> A Virgem Intocada de Peter O' Donnell pela Record (1971)
>>> A Hora da Sentença de John Godey pela Nova Época
>>> Uma Voz na Penumbra de Phyllis A. Whitney pela Record
>>> O Pacto de Orlando R. Petrocelli pela Nova Época
>>> Perigo Real e Imediato de Tom Clancy pela Best Seller (1989)
ENSAIOS

Segunda-feira, 17/5/2004
O comunista que beijou Machado
Sérgio Augusto
+ de 8400 Acessos

Em 1964, a casa de nº 11 da rua do Bispo, no Rio Comprido, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, foi invadida e saqueada pela polícia. Ali morava um perigoso subversivo chamado Astrojildo Pereira Duarte Silva, de 74 anos e armado de livros até o teto. De quê o acusavam? De haver conspirado para derrubar o governo. Não o que acabara de derrubar João Goulart, mas o que nos governara cinco décadas antes, quando aquele pacato senhor tinha apenas 28 anos e fazia parte de um grupo anarquista, liderado pelo professor José Oiticica. A prisão de Astrojildo Pereira mobilizou jornalistas, escritores e artistas, todos preocupados com o seu coração, avariado, meses antes, por um enfarte. Já estávamos em 1965 quando outro enfarte, daquela vez fatal, desfalcou as hostes comunistas de seu mais respeitável crítico literário. Seu enterro, coroado com um discurso de Otto Maria Carpeaux, foi num cemitério de Niterói—a mesma cidade de onde, 56 anos antes, Astrojildo saíra do anonimato para a história da literatura.

28 de setembro de 1908. Um jovem de quase 18 anos pega a barca da Cantareira rumo à Praça XV, do outro lado da baía de Guanabara. Nem seus pais sabiam que ele pretendia visitar Machado de Assis no leito de morte. Tenso, Astrojildo bateu à porta do casarão do Cosme Velho, identificou-se apenas como “um grande admirador do escritor” e implorou para que o deixassem entrar e ver o mestre de perto. Em vigília na sala de estar, Euclides da Cunha, Coelho Neto, José Veríssimo, Raimundo Corrêa, Graça Aranha e Rodrigo Otávio manifestaram-se contra a entrada do rapaz desconhecido. Acordado pelo burburinho, Machado permitiu que Astrojildo entrasse em seu quarto, ajoelhasse ao lado da cama e lhe beijasse a mão, partindo logo depois sem se identificar. O escritor morreria na madrugada seguinte.

“Naquele meio segundo em que ele estreitou o peito moribundo de Machado de Assis, aquele menino foi o maior homem de sua terra”, escreveu Euclides da Cunha, num célebre artigo intitulado “A última visita”, publicado no Jornal do Commercio, dois dias depois da morte do escritor. “Qualquer que seja o destino desta criança”, vaticinou, “ela nunca mais subirá tanto na vida”. Durante quase 30 anos Astrojildo moitou sobre a identidade da “última visita” de Machado, afinal revelada por Lúcia Miguel Pereira em 1936. Àquela altura, ele já era um nome bem conhecido, junto às esquerdas principalmente. Fazia então quatro anos que o Partido Comunista o afastara de seus quadros, por considerá-lo um “intelectual pequeno-burguês” e “oportunista”. Além do mais, prestista. Foi por seu intermédio que o tenente Luís Carlos Prestes, exilado na Bolívia, teve acesso aos primeiros clássicos do marxismo-leninismo.

Três paixões Astrojildo teve na vida. As duas maiores, por ordem de entrada em cena, foram Machado (a quem dedicou, em 1959, um precioso estudo sociológico, reeditado pela Oficina de Livros de Belo Horizonte) e o comunismo. A terceira, marcante mas passageira, foi Ruy Barbosa. Para o rapazola de Rio Bonito que acompanhava de Niterói a cosmopolitização do Rio, Machado e Ruy eram os dois símbolos máximos da modernização da velha capital, seu ponto de encontro com o nacional e o internacional, o fascínio e o desencanto, a elegância e a brutalidade, a utopia republicana e a luta de classes, a vida literária e as festas populares, “tudo em contraditória tensão, sem a qual não se pode compreender a origem do revolucionário”, para usar as palavras de Martin Cesar Feijó em O Revolucionário Cordial, biografia intelectual e política de Astrojildo que Boitempo Editorial veio a lançar.

Feijó já escrevera, na década de 80, um ensaio sobre a formação política de Astrojildo, agora expandido e aprofundado nessa obra francamente empenhada em caracterizar o mestre informal de Prestes como um sujeito de boa alma, afável, honesto e tolerante, utilizando-se da terminologia consagrada por Sergio Buarque de Holanda, que aliás conheceu Astrojildo em 1929, em Berlim. Para sua surpresa, em vez de um “bolchevique inflexível”, encontrou “um homem refinado e de excelente formação literária”. Intelectuais tão díspares quanto Carpeaux, Gilberto Freyre, Oswald de Andrade e Antonio Candido passaram pela mesma surpresa. Até o ferrenho anticomunista Nelson Rodrigues reverenciava a figura e a opinião de Astrojildo.

Autodidata desde a adolescência, o “revolucionário cordial” nem concluiu o curso ginasial. Como tantos jovens da sua geração, foi civilista, anarquista, e antes mesmo de desviar para o comunismo, em 1921, já não via com bons olhos o Águia de Haia. Quando este morreu, em 1923, foi todo ironia: “O proletariado não perdeu nada com isso, antes pelo contrário”. Mas a Machado e ao comunismo permaneceu fiel a vida inteira.

Um dos fundadores do PC, em 1922, Astrojildo visitou a Rússia soviética em 1924 (encantou-se com os funerais de Lenin, a força do rublo e a quantidade de livrarias em Moscou), fundou A Classe Operária, a mais duradoura publicação do partido, mas não escapou ao furacão obreirista que, a partir de setembro de 1929, começou a devastar os PCs da América Latina. Patrulhado pelos artigos que vez por outra enviava para publicações consideradas “burguesas”, como a Revista Nova (que tinha Mario de Andrade em seu quadro de colaboradores), “pequeno-burguesas”, como O Homem do Povo (editada por Oswald de Andrade e Pagu), e “fascistas”, como O Tempo (de Miguel Costa), e até por sua amizade com Di Cavalcanti, seu companheiro de pensão, Astrojildo viu-se forçado a ser revolucionário à sua moda, sem se curvar aos ditames partidários e ao dogmatismo estético dos marxistas de meia-tigela . “Os camaradas devem saber que disciplina não significa aviltamento”, declarou para quem quisesse ouvir e enfiar a carapuça.

Seu afastamento do Partidão livrou-o de qualquer envolvimento com a insana revolta de 1935, vulgarmente conhecida como Intentona Comunista. Como não conseguia viver exclusivamente dos ensaios que produzia para a imprensa dita burguesa, dedicou-se, por uns tempos, ao comércio de frutas, na capital paulista, onde morou até o fim da guerra. Voltaria ao PC em 1945, quando se candidatou, sem sucesso, à Câmara dos Vereadores. Seus principais cabos eleitorais, Carpeaux e Graciliano Ramos, tinham muitas virtudes, mas eram duas nulidades em matéria de marketing político.

Astrojildo publicara recentemente seu primeiro livro de ensaios literários, Interpretações, com uma fina análise das obras de Machado e três outros fundamentais romancistas do Rio: Manuel Antônio de Almeida, Joaquim Manuel de Macedo e Lima Barreto. Um comunista com a intransigência ideológica de um Octávio Brandão, por exemplo, jamais reconheceria no autor de A Moreninha um “intérprete autorizado dos nossos sentimentos”, “um cronista meticuloso e fidedigno de nossa vida social nos meados do século XIX”, como fez Astrojildo. A comparação com o mais importante teórico marxista dos primórdios do PC foi intencional. Rival e desafeto de Astrojildo, Brandão não perdia uma oportunidade de desqualificá-lo como “pequeno-burguês liberal e confusionista”, “anarquista exasperado e desesperado”, e coisas piores. Qualquer dúvida, basta consultar Combates e Batalhas: Memórias, editado em 1978 pela Alfa-Ômega.

Brandão, cuja postura crítica teria horrorizado o próprio Karl Marx, que se deliciava com a ficção de Walter Scott, Balzac e Eugène Sue, abominava Machado de Assis, contra quem investiu com fúria desmedida e a tradicional miopia analítica dos zumbis ideológicos. Para ele, Machado “deveria ter continuado e desenvolvido o romantismo heróico de Castro Alves”. Assim, seus livros, “grosseiros”, “decadentes”, “comodistas”, talvez deixassem de ser “enfadonhos”, “criações equivocadas” de um espírito “burguês”, “retrógrado” e “niilista”. Quando sua diatribe O Niilista Machado de Assis (Organização Simões Editora, 206 págs.) chegou às livrarias, em 1958, Carpeaux não deixou pedra sobre pedra, culminando por compará-la àquilo que os pássaros costumam despejar sobre as estátuas.

Dênis de Moraes já nos dera conta da difícil convivência de Astrojildo e outros com o sectarismo de certos membros do Partidão, em O Imaginário Vigiado (José Olympio, 1995), sobretudo no auge do stalinismo. Feijó amplia o quadro, descendo a minúcias que só antigos integrantes do PC ou experts em Astrojildo, como José Paulo Netto, Leandro Konder e Heitor Ferreira Lima, talvez conheçam. Nos seus últimos 19 anos de vida e atividade partidária, a “última visita” de Machado de Assis limitou-se, praticamente, a participar de eventos culturais, palestras, organizar publicações e escrever artigos. Acabara de lançar, pela Civilização Brasileira, uma coletânea de ensaios, Crítica Impura (Autores e Problemas), e editava a revista cultural Estudos Sociais, quando os militares deram o golpe em 1964. Segundo Feijó, Astrojildo “morreu convencido de que o partido sempre acertava, até quando errava”, pois acreditava que “era melhor errar coletivamente do que acertar individualmente”.

Cordial, sim, herético, jamais. Tanto que silenciou sobre os expurgos stalinistas e relativizou a intrínseca mediocridade do realismo socialista, admitindo sua validade “quando aplicada acertadamente, sem interferir na liberdade de criação”. Ou seja, também errou individualmente. Mas, como dizia o Boca Larga, ninguém é perfeito.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo, a 6 de outubro de 2001.


Sérgio Augusto
Rio de Janeiro, 17/5/2004
Mais Sérgio Augusto
Mais Acessados de Sérgio Augusto
01. Para tudo existe uma palavra - 23/2/2004
02. O melhor presente que a Áustria nos deu - 23/9/2002
03. O frenesi do furo - 22/4/2002
04. Achtung! A luta continua - 15/12/2003
05. Filmes de saiote - 28/6/2004


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro Esoterismo Viagem por um Mar Desconhecido Biblioteca Planeta 1
Krishnamurti
Três
(1973)



Dicionário Mini - Francês/Português
Vários Autores
Porto
(2005)



Touch the Top of the World
Erik Weihenmayer
A Plume Book
(2002)



Poética e Manifestos que Abalaram o Mundo - 127/ Tempo Brasileiro
Vários autores
Tempo Brasileiro
(1996)



Grandes Receitas para Uma Boa saúde
Reader's Digest
Reader's Digest
(1998)



Antologia do Retrato
Cioran
Rocco
(1998)



Robinson Crusoé
Daniel Defoe
Penguin
(2001)



Paralelo 16: Brasília
José Geraldo Vieira
Martins
(1966)



O Que é Imperialismo
Afranio Mendes
Brasiliense
(1983)



Livro Literatura Estrangeira 1984 Goerge Orwell
George Orwell
Nacional
(1975)





busca | avançada
63387 visitas/dia
2,0 milhão/mês