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Segunda-feira, 27/4/2009
Cyberbullying
Rosana Hermann

A internet não é simplesmente uma rede que interliga as pessoas do mundo. Ela conecta todas as pessoas reais junto com suas personalidades irreais, perfis virtuais e doenças mentais. Talvez você mesmo tenha vários nomes, pseudônimos e personagens, todos vivos e ativos na mesma rede. Conviver na Internet com essa complexa massa é aceitar a possibilidade de se relacionar com qualquer coisa que se assemelhe a um ser humano, desde manequins de loja, bonecas de brinquedo, bichos de pelúcia, animais empalhados e fantoches até muppets de meia, bonecões de Olinda e personagens de ficção.

Protegidos pela possibilidade de anonimato, garantida pelos provedores que só revelam os nomes reais dos usuários mediante longas batalhas judiciais, muitos seres humanos usam a internet para dar vida a seus demônios internos. Alguns abrem a jaula para que as feras passeiem por alguns instantes, um ato que, enquanto exercício esporádico, talvez tenha até algum benefício psíquico. Mas outros vão mais longe. Muito mais longe. Abandonam seus "eus" reais e virtualmente transmutam-se em monstros grotescos e perigosos, prontos para atacar homens, mulheres e crianças sem compaixão, critério ou benefício aparente. A coisa é feita apenas pelo prazer perverso de infligir sofrimento ao outro.

O termo técnico para estes ataques nefastos é "cyberbullying", que poderia ser traduzido como "coerção cibernética" ou, simplesmente, "abuso on-line". É algo que está acima da "encheção de saco". O cyberbullying é um ato criminoso, cruel e, sobretudo, covarde, enquadrado na mesma categoria da tortura psicológica com agravantes de humilhação social.

O cyberbullying pode ir de um e-mail ameaçador, um comentário ofensivo, um boato maledicente publicado de forma aberta numa comunidade virtual até uma perseguição que ultrapassa o mundo do teclado e vai para o universo físico. As formas são variadas, assim como os conteúdos. A intenção é sempre a mesma: desestabilizar a vítima.

Há registros horripilantes de cyberbullying. Em alguns casos a pressão sobre pessoas jovens é tão grande que pode resultar em atos drásticos como suicídio. Blogueiros adultos, jornalistas, também sentem o peso do ataque e chegam a abandonar suas atividades on-line para recuperar o equilíbrio emocional depois de um longo período de perseguições.

Nesses muitos anos de atividade no mundo on-line, convivi com vários tipos de ataque. Já fui perseguida por fanáticos que me viam na TV e projetavam em mim suas demências pela internet, fui assediada por pessoas que deixavam objetos estranhos na portaria do meu prédio, sofri ameaças e, em função disso, tive que fechar meu blog e viajar para fora do país com a família. Uma única vez consegui levar um processo jurídico mais longe a ponto de quebrar o sigilo e encontrar meu "stalker". Falei com ele por telefone. Era um homem de quarenta e poucos anos, administrador de empresas do Rio de Janeiro, desempregado, separado, que havia voltado a morar com os pais e estava profundamente infeliz. Me elegeu para vítima porque, segundo ele, "queria ser como eu". Eu disse que a vaga estava ocupada e sugeri que ele fosse cuidar da própria vida.

Essa pessoa prometeu parar de perseguir a mim e a qualquer pessoa. Mas, na maioria dos casos, a doença não se cura sozinha. Ao contrário, só se agrava com o tempo. Sei do caso de um molestador on-line, que há anos me persegue, que estendeu os tentáculos de seu inconformismo com minha felicidade para meus amigos, que passaram a ser igualmente ofendidos e perseguidos.

E o que pode ser feito para coibir este tipo de abuso? Como reagir a ele? Que atitude tomar para prevenir a ação? Bem, digamos que as respostas pairam entre a metafísica e a teologia. Eliminar este tipo de ação é tão difícil quanto "combater o ódio" e "acabar com a guerra". Mas digamos que há um método possível, o de combater as trevas com a luz. Se os provedores de acesso abrirem mão do sigilo do cliente que paga para revelar os dados de quem agride covardemente, se as leis se modernizarem para contemplarem crimes cibernéticos para punir os agressores, se a impunidade no mundo virtual não reproduzir a conhecida impunidade do mundo real, talvez seja possível diminuir esse tipo de ataque.

Por enquanto, o que se pode fazer ao ser atacado é reportar o abuso, buscar apoio jurídico, manter a cabeça no lugar e ignorar o ofensor no plano público. Como qualquer criatura das trevas, o que ele quer é apagar sua luz. E, em termos iconográficos, todos sabemos que uma lâmpada apagada nunca é uma boa ideia.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pela autora. Publicado originalmente no livro Para entender a internet, organizado por Juliano Spyer. Rosana Hermann é bacharel em Física e mestre em Física Nuclear pela USP, radialista e jornalista, roteirista, redatora, apresentadora e repórter de TV, escritora e mantém o blog Querido Leitor.

Rosana Hermann
São Paulo, 27/4/2009

 

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