Entrevista com Luis Eduardo Matta | Digestivo Cultural

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ENTREVISTAS

Segunda-feira, 7/9/2009
Luis Eduardo Matta
Julio Daio Borges
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+ 1 Comentário(s)

Luis Eduardo Matta é bastante conhecido dos leitores do Digestivo Cultural - onde foi colunista fixo de 2003 a 2008, colaborando, eventualmente, ainda hoje. Mas antes do Digestivo - e fora dele -, LEM, como é conhecido entre os amigos, tem uma sólida carreira de escritor, que começou, precocemente, aos 17 anos. Militante do gênero que classifica como "thriller verde-amarelo", Luis Eduardo Matta já publicou Conexão Beirute-Teeran (1993), Ira Implacável (2002) e 120 Horas (2005). Embrenhou-se, ainda, no território do público infanto-juvenil, ressuscitando inclusive a coleção Vaga-Lume com Morte no Colégio (2007), Roubo no Paço Imperial (2008) e O Rubi do Planalto Central (2009). Prepara-se para lançar mais um volume destinado ao leitor adulto, O Véu (sobre o qual adianta informações a seguir).

Neste entrevista, LEM fala sobre temas que lhe são caros e que explorou, habilmente, desde sua estreia no
Digestivo. Partindo da LPB ou "Literatura Popular Brasileira": "Ela existe, embora eu não esteja certo se os autores aceitariam vincular seu trabalho a essa sigla". Passando pelas sólidas amizades com outros colunistas, como Rafael Lima e Ram Rajagopal: "Nada substitui, a meu juízo, o convívio pessoal. As pessoas precisam lutar para não perder isso. As relações humanas se deterioraram muito." Até seus questionamentos sobre a responsabilidade da escola na formação de jovens leitores: "Seria maravilhoso se os adolescentes lessem os clássicos desde cedo. Mas sei, pela minha própria experiência, que essa literatura é inadequada para os primeiros anos da adolescência da maioria das pessoas, sobretudo da forma como é apresentada nas salas de aula."

Defende, como "ex-noveleiro", a nossa teledramaturgia: "Nunca entendi direito essa aversão que as pessoas supostamente cultas têm às telenovelas." E crítica a pretensão de certos leitores de
blogs: "Fazem barulho nas caixas de comentários, posam de grandes luminares da cultura, mas são poucos e, em geral, facilmente identificáveis: têm muita empáfia, menos conteúdo do que gostariam, são cheios de preconceitos, embora acreditem que não têm nenhum, e totalmente destituídos de senso de humor, além de serem muito, mas muito chatos".

Completa com uma bela meditação sobre a época atual: "Há, hoje em dia, uma inversão de valores misturada com uma banalização de conceitos fundamentais para se viver em sociedade que estão corroendo a capacidade das pessoas de se relacionar entre si de forma saudável, de estabelecer vínculos mais sólidos(...) Hoje se tem a ilusão de que podemos fazer o que queremos, de que somos totalmente livres, o que só aumenta o nosso sofrimento, porque, ainda por cima, nos sentimos incompetentes, já que, afinal de contas, podíamos tudo e conseguimos muito pouco...". - JDB


1. LEM, queria começar com a sua estreia no Digestivo, que foi bombástica, com "A LPB [Literatura Popular Brasileira] e o thriller verde-amarelo", há mais de 5 anos. Até aquele momento, a maioria dos colunistas, que abordava literatura, tinha uma inclinação meio intelectual, elogiando livros difíceis e autores intrincados. Você chegou e provocou um curto-circuito, também na "internet literária" (da época), porque louvava os autores que eram acessíveis ao grande público e celebrava os best-sellers (historicamente demonizados por nossa intelligentsia). Enfim, lembro que você foi xingado em prosa e verso, aqui e no Paralelos, mas nunca se abateu. Hoje, passado algum tempo, acho que ainda não temos a "LPB" com a qual você sonhou - mas avançamos nessa direção? Ou seja, graças a você, mais gente aceita que escrever profissionalmente não é pecado?

Avançamos muito, o que me deixa muito feliz. Na realidade, naquela época já havia novos escritores produzindo literatura de entretenimento no Brasil, eu é que era mal informado. De lá para cá eles foram se tornando mais numerosos, e hoje já formam um grupo expressivo. Poderíamos, portanto, afirmar que já existe, sim, uma LPB, embora eu não esteja certo se os autores aceitariam vincular seu trabalho a essa sigla. Muitos ainda estão no primeiro livro, mas são talentos promissores. Há uma nova vertente literária surgindo no Brasil, que lida com temas que não estão presentes na nossa tradição, e que parece ter vindo para ficar. São autores, sobretudo, de ficção fantástica, científica ou policial, que se articulam espontaneamente em antologias, em eventos cada vez mais numerosos e concorridos, como o Fantasticon, e na internet. A internet, aliás, foi fundamental no fomento dessa nova literatura, pois os autores puderam perceber que não estão sozinhos, conhecer uns aos outros, estabelecer um diálogo mais estreito, e se ajudar mutuamente.

Quanto a ser muito xingado, eu fui, continuo sendo e nada indica que deixarei de ser. Não ligo. Até porque sempre fui honesto nas minhas colocações e tenho a consciência limpa. Além disso, jamais demonizei a nossa tradição literária, muito pelo contrário, já que sou leitor e declarado entusiasta de muitos escritores brasileiros, clássicos ou contemporâneos. Mas acho, mesmo assim, que a consolidação de uma ficção de gênero, sem grandes ambições estéticas ou intelectuais, fará bem à literatura nacional. É preciso abrir novos horizontes, sem necessariamente fechar os já existentes. Há espaço para todos.

2. Queria falar um pouco da sua turma, aí do Rio, que sempre me impressionou. Primeiro conheci o Haiama, ainda na Poli, que era um aluno dos melhores. Depois, conheci o Rafael Lima, considerado, por muitos, um dos melhores colunistas do Digestivo. Em seguida, veio você (esta entrevista dispensa comentários sobre a sua importância), e, logo mais, o Ram, outro colunista dos mais combativos. Para terminar - entre aqueles com quem tive mais contato -, o Lisandro Gaertner, que, volto a repetir, escrevia alguns dos melhores diálogos na nossa geração. Todos, mais ou menos, da mesma idade. Muitos colegas de colégio... Como essa turma se encontrou? Foi pura coincidência? O fato de terem se destacado significa alguma coisa para você? Quão determinante esse pessoal foi na sua formação? Hoje, com todos esses contatos virtuais, as novas gerações não vão, talvez, desfrutar do privilégio de conviver assim, no mundo real, e de ter uma turma como a de vocês?

Tenho muito orgulho dos meus amigos, tanto esses que você citou, como outros, inclusive os que eu fiz no Digestivo. São todos - sem exceção - pessoas brilhantes e de caráter elevadíssimo. Eu os conheci aos poucos. O Ram foi meu colega de escola. Somos amigos há quase vinte anos, assim como outra figura excepcional que é o Daniel Malaguti, cuja filha, inclusive, eu batizei. Nós três estudamos no Colégio Andrews e, para mim, eles são quase como irmãos. O Rafael e o Lisandro conheço há cerca de uma década e gosto muito deles, também. O Rafael estudou com o Ram na UFRJ e o Lisandro já era amigo dele (Rafael) antes. Minhas amizades costumam ser sólidas e duradouras. Tanto o Ram e Daniel, quanto o Rafael e o Lisandro são dotados de uma inteligência e de uma percepção da realidade fora do comum. O Lisandro, por exemplo, é um grande iconoclasta, dono de um humor ácido, certeiro e sofisticadíssimo e de uma visão demolidora, porém construtiva, das coisas. No dia que ele ficar mais conhecido, uma boa parcela da nossa população que anda carente de boa reflexão irá se beneficiar. É alguém que precisava aparecer mais. Reunir esse pessoal é sempre promessa de muita diversão. Além do que sempre aprendo muito com a experiência deles - e vice-versa.

Nada substitui, a meu juízo, o convívio pessoal. As pessoas precisam lutar para não perder isso. As relações humanas se deterioraram muito. A sociedade anda violenta, ensimesmada, casmurra, bestializada... Não sei se a culpa é do mundo virtual. Acho que é mais do ritmo de vida enlouquecido que somos forçados a adotar hoje em dia, conjugado com todas as cobranças estéticas, comportamentais e sócio-econômicas que vêm massacrando a auto-estima das pessoas, e que acabam levando-as a um isolamento defensivo.

3. Outra coisa que gostaria de abordar, no seu currículo, é o fato - para mim, inédito - de ter decidido ser escritor antes de entrar na faculdade. Uma decisão de uma maturidade impressionante (a meu ver), e de uma coragem imensa, porque não conheço mais ninguém que tenha feito isso como você. Na nossa geração - uso-a sempre como parâmetro -, muita gente resolveu escrever ao longo do caminho, ou depois de formado, ou até ao fazer uma segunda faculdade. Mas você foi certeiro, e lançou um livro nessa mesma fase (em que normalmente as pessoas não sabem o que querem, muito menos em que direção preferem seguir). Mais do que falar do primeiro livro, gostaria que você dividisse, conosco, a história dessa decisão, as dificuldades que enfrentou por causa dela e se, alguma vez, chegou a se arrepender (tendo preferido fazer uma faculdade etc.).

Foi em janeiro de 1992. Hoje, olhando para aquela época, eu me arrepio ao perceber como essa decisão foi arriscada. Foi uma loucura. Mas nunca, em nenhum momento, me arrependi. Porque, na realidade, não foi bem uma decisão. Foi um impulso muito forte que surgiu sem aviso prévio e não me ofereceu alternativa. Eu estava em casa, assistindo a uma entrevista de Jorge Amado na televisão e, de repente, fui tomado por uma compulsão irrefreável de escrever. E, assim, nasceu meu primeiro livro, Conexão Beirute-Teeran, que ficou pronto três meses depois, em abril. Em setembro, ele já tinha editora. Eu estava, então, com dezessete anos e minha mãe teve de assinar o contrato em meu nome, porque eu era menor de idade. O livro foi lançado em maio de 1993. A rapidez com que tudo isso aconteceu, no entanto, foi uma exceção na minha vida, pois as coisas comigo costumam ser muito difíceis e demoradas. Guardo boas recordações daquela época, apesar das turbulências, que não foram poucas. O ambiente à minha volta tornou-se mais inóspito. Muita gente tentou me fazer desistir. Mas eu estava tomado por um otimismo fora do comum, e não me rendi. Eu sou um grande sobrevivente. Durante a minha vida inteira, desde a infância, sofri fortes pressões de todos os lados para que eu me modificasse, para que eu me adaptasse a certos padrões sociais, mas resisti sempre. Com isso, mantive uma integridade na minha maneira de pensar e agir, que é um dos pilares do meu caráter, hoje.

4. Queria pegar o gancho do estudo e abordar uma questão que, como a LPB, é uma das suas marcas registradas. Falo do debate introduzido com "Formando Não-Leitores". Talvez tenha gerado tanta controvérsia quando o da LPB, até mesmo dentro do Digestivo, porque quem costuma ensinar não se conforma que você aponte a escola como uma das principais culpadas da "não formação" de leitores no Brasil. Entendo o que você argumenta como uma defesa de livros mais acessíveis e não a obrigação de fazer provas sobre José de Alencar, Lima Barreto e até Machado de Assis - autores do século XIX -, em plena adolescência. Eu, por acaso, gostei desses autores, mas sou uma rara exceção. Lembro de outros colegas, que já liam, e que não se conformavam com as indicações de leitura... Hoje, temos o problema, mais grave, dos professores que não lêem. Ainda te preocupa a escola ou você acha que vamos encontrar outras soluções?

Esse é o centro das minhas preocupações, mas a sociedade, felizmente, vem despertando para isso e, hoje, já há uma consciência maior da valorização da leitura, mesmo se compararmos com 2003. As iniciativas se multiplicam. Basta ver a proliferação de salões e festivais literários pelo país. Quanto aos professores, apenas alguns, que não abrem mão de seus pontos de vista, não gostaram do que escrevi. Todos com quem eu conversei, e eles foram muitos, concordam comigo. Porque é a realidade. Quando eu redijo artigos abordando questões sérias como essa da formação de leitores, procuro deixar minhas paixões de lado e ser o mais objetivo possível na análise.

Seria maravilhoso se os adolescentes lessem os clássicos desde cedo. Eu adoro os clássicos, não só os brasileiros. Adoro Euclides da Cunha, adoro Balzac... Mas sei, pela minha experiência, que essa literatura é inadequada para os primeiros anos da adolescência da maioria das pessoas, sobretudo da forma como é apresentada nas salas de aula. E ao contrário do que alguns dos meus detratores afirmaram na época, eu sou, sim, uma pessoa habilitada para falar sobre esse assunto. Primeiro, porque eu não sou nenhum idiota alienado. Segundo, porque lido profissionalmente com literatura há quase dezoito anos e conheço muito bem esse terreno. Terceiro, porque já freqüentei os bancos escolares e sei como são. E quarto, e mais importante, porque, ao longo de todos esses anos dedicados à criação literária, mantive estreito convívio com o universo escolar.

Há quem diga que a responsabilidade pela formação de leitores cabe, acima de tudo, aos pais. Concordo em parte, pois já perdi a conta dos casos que testemunhei de filhos de pais leitores que perderam o gosto pelos livros na escola, porque foram obrigados a ler José de Alencar ou outros autores canônicos aos doze anos para fazer um teste dali a um mês. E mesmo que essa teoria em relação à família fosse totalmente verdadeira, como cobrar de pais desabituados a ler, e que ainda são a maioria no Brasil, que despertem nos seus filhos o gosto pela leitura?

Mais: como lidar com essa questão numa sociedade em que as famílias estão cada vez mais desestruturadas, em que os pais passam cada vez menos tempo com os filhos, porque têm que correr atrás do sustento, gastando a maior parte do dia trabalhando, muitas vezes em mais de um emprego, ou presos em engarrafamentos, tendo de pegar duas, três conduções para voltar para casa? Converse com os coordenadores das escolas e a maioria vai relatar o mesmo problema: que uma grande parcela das crianças e jovens de hoje está crescendo em ambientes familiares deteriorados. Essa é, inclusive, uma das causas dessa onda de violência que estamos vivendo. Então, dada a conjuntura, é a escola que deve agir no sentido de levar o conhecimento às novas gerações e ela tem condições para isso. Existem professores muito bem preparados, devotados ao ofício e que, a despeito de todas as adversidades que enfrentam, estão fazendo um trabalho excelente. Conheço vários que, valendo-se de uma metodologia alternativa, conseguiram despertar o interesse pelos livros em alunos desinteressados, indisciplinados, ariscos, até violentos...

Não se deve jogar toda a culpa pelos problemas de ensino nos professores. A raiz desse problema é muito mais ampla e antiga. Somos uma sociedade que não fez uma opção pelo saber lá atrás. Por isso, apesar de todo o potencial, o Brasil não conseguiu, ainda, atingir um nível de desenvolvimento humano aceitável. É preciso ter em conta, porém, que a sociedade não muda de uma hora para outra. O Brasil está evoluindo. Hoje a população alfabetizada é incomparavelmente maior do que há trinta anos e os leitores, muito mais numerosos, ao contrário do que pregam os pessimistas de plantão. Há um contingente enorme de jovens, filhos de pais que nunca leram, consumindo literatura de forma espontânea. Tudo bem, não estão lendo Machado, estão lendo Gossip Girl ou Goosebumps. Mas estão lendo, estão tendo contato com a palavra escrita e, o que é mais importante, de forma prazerosa. A difusão da leitura entre a população brasileira é imprescindível para o progresso do país. Um povo que lê com facilidade está muito mais aparelhado para exercer sua cidadania, reconhecer seus direitos e obrigações e fazer frente às injustiças das quais tem sido vítima ao longo da história. Para isso, antes de tudo, ele precisa gostar de ler e ter o direito de escolher o que ler.

5. Uma vez, há muito tempo, ouvi o Ruy Castro dizer que todo mundo tem uma necessidade, mínima, de consumir ficção. Mesmo "não-escritores". Você foi um dos primeiros a defender as telenovelas, e a teledramaturgia, no Digestivo - enxergando esse universo não como uma forma de alienação, mas como uma possibilidade de estimular a fantasia e até, indiretamente, a leitura, pelo hábito do "folhetim", que, em papel, não é mais o mesmo (como foi, décadas atrás, no Brasil)... Confesso de nunca fui muito fã de novelas, mas entendo o seu ponto de vista. Em "A discreta crise criativa das novelas brasileiras", você cita, bem como em outros textos, grandes realizações da nossa televisão - que, aparentemente, desistiu de desenvolver o gênero (novamente, como em décadas passadas). O que você acha que ainda motiva a crise da telenovela, e da TV, no Brasil? Seria o desejo de "nivelar por baixo", acreditando que o público mais refinado tenha se refugiado na TV a cabo (e, agora, o negócio se resuma a atrair o consumidor das Casas Bahia, o maior anunciante do País)? O que acha dos teledramaturgos atuais? Acredita na boa vontade deles (que, infelizmente, pode não ser suficiente)?

Não tenho mais assistido à televisão e a razão é uma só: o dia tem vinte e quatro horas, eu sou uma pessoa cada vez mais ocupada e é à noite que tenho tempo para ler. Então precisei fazer uma opção e a leitura venceu.

Nunca entendi direito essa aversão que as pessoas supostamente cultas têm às telenovelas. Eu fui muito noveleiro na minha infância e na minha adolescência, até os meus quinze anos, e não desenvolvi nenhum retardo mental por causa disso. Minha maior crítica às novelas é que elas têm se repetido muito. Os autores já foram mais criativos. O formato se esgotou e o público, em geral, é avesso a novidades. Se bem que eu ouvi dizer que duas novelas que passaram recentemente na Globo, Duas Caras e A Favorita, conseguiram inovar e tiveram sucesso.

De qualquer forma, vivemos uma época em que a experimentação pode custar caro. Se a Globo ou outra emissora começar a produzir novelas com uma estrutura dramatúrgica muito diferente do padrão, a audiência corre o risco de evaporar. O público, em geral, quer mais do mesmo, com pequenas variantes, mas nada que altere demais o gênero. A novela é um passatempo. As pessoas assistem para se distrair.

O que eu sinto falta é de uma produção paralela que proponha novos modelos. Não temos no Brasil, por exemplo, seriados como House, Monk ou mesmo Sex and the City. Não que eu ache que devemos copiar o que vem de fora. Mas poderíamos criar aqui seriados com temática brasileira e, ao mesmo tempo, com uma linguagem inovadora, argumentos mais sofisticados, maior dinamismo... Assistindo a um episódio de House com atenção, dá para ver o acabamento do roteiro, a quantidade de informações que ele contém, o alto nível da dramaturgia... Por que não fazer algo dessa envergadura no Brasil?

6. Retomando a questão da formação de leitores, das crianças e dos adolescentes, gostaria que você falasse como é escrever para essa faixa etária, como tem feito na retomada da série Vaga-Lume, através dos títulos Morte no Colégio, Roubo no Paço Imperial e, mais recentemente, O Rubi do Planalto Central. Como foi a sua adaptação, como escritor, a esse jovem leitor? Livre dos preconceitos comuns ao leitor brasileiro adulto ("metido a intelectual"), o leitor infanto-juvenil pode ser, de repente, mais interessante para um escritor que vai contra a maré da "literatura pretensiosa brasileira", como você? E a interação, "presencial", com esse público, é gratificante? Volta e meia, você nos informa das suas idas a escolas e eventos para essa faixa etária, encaminhando fotos de autor sorridente, rodeado de jovens e crianças... Nossa sociedade, adulta, não valoriza devidamente o escritor. Crianças e adolescentes, de hoje, podem mudar esse panorama?

Foi a preocupação com a formação de leitores que me levou a escrever literatura juvenil. Poucos meses depois de escrever aquele primeiro artigo falando sobre a literatura nas escolas, percebi que só a teoria não bastava. Então, parti para a prática. Havia alguns anos que eu tinha planos de escrever para adolescentes. Mas foi só em 2004, visitando uma exposição dos Pergaminhos do Mar Morto, aqui no Rio, para escrever um artigo para o Digestivo, que me veio uma idéia concreta para uma obra juvenil: misturar uma trama de suspense e mistério - um thriller - com um grande enigma da Antiguidade: o mito de Atlântida.

Surgiu, assim, o Morte no Colégio, livro que tem feito bastante sucesso, com vendas ininterruptas e crescentes desde que foi lançado, no outono de 2007. E desde então eu venho conciliando a literatura juvenil com a adulta. Uma complementa a outra no meu processo criativo. A meu ver, o thriller, é um dos gêneros mais adequados para formar os leitores, fundamentalmente por duas razões: é uma literatura tanto para garotos quanto para garotas e tem o elemento mistério-suspense, que aguça a curiosidade e faz com que o jovem leitor se sinta tentado a avançar pelas páginas até ver a trama esclarecida.

Existe um preconceito muito grande em relação aos adolescentes, do qual eu não compartilho. O meu contato com eles têm sido excelente. Vejo neles uma boa-vontade imensa com os livros. Desde que, é lógico, sejam adequadamente estimulados à leitura. Entre os adultos, a maioria também é muito bacana e incluo aí muitos leitores realmente sofisticados e exigentes. Já os pretensiosos fazem barulho nas caixas de comentários de alguns blogs, posam de grandes luminares da cultura, mas são poucos e, em geral, facilmente identificáveis: têm muita empáfia, menos conteúdo do que gostariam, são cheios de preconceitos, embora acreditem que não têm nenhum, e totalmente destituídos de senso de humor, além de serem muito, mas muito chatos. Nos Estertores da Razão, nós os chamamos de "intelecotecos".

7. Gostaria que falasse um pouco do seu site. Ele é anterior à sua coluna no Digestivo. Lembro que, quando o conheci, me impressionou a organização. E ainda impressiona, porque, para esta entrevista, você talvez tenha sido o único entrevistado a me encaminhar, agilmente, um currículo atualizado e uma lista, impressionante, de todas as entrevistas que já concedeu. Pode parecer uma coisa óbvia, mas a quase totalidade dos entrevistados do Digestivo não tem isso organizado. Enfim, apesar de você ser um sujeito muito apegado às tradições, aos seus hábitos e às suas relações - de uma maneira até incomum hoje -, admiro a sua ligação, igualmente forte, com a internet. Porque muitos dos nossos escritores, "metidos a modernos", ainda não entenderam para que serve um site, um blog ou uma comunidade virtual - enquanto você já tem uma longa experiência desde o final dos anos 90... Por que a internet é fundamental para o escritor brasileiro hoje?

Por inúmeros motivos, dos quais eu destacaria três: comunicação, divulgação e pesquisa. Ter um site, simples e funcional, em que todas as informações necessárias estão disponíveis para o acesso de todos, constitui um valioso ponto de referência. É uma espécie de endereço no mundo virtual. Quando alguém me pergunta: "onde encontro seus livros?" ou "como posso saber mais sobre o seu trabalho?", eu dou o endereço do site e caso essa pessoa queira se comunicar diretamente comigo, basta me mandar um e-mail, pelo site. Isso poupa um tempo extraordinário meu e de quem me procura.

Divulgar e distribuir um livro tornou-se igualmente muito mais fácil com a internet. Hoje há uma infinidade de sites, blogs, fóruns, comunidades e livrarias virtuais, onde os leitores se encontram, debatem, se conhecem... É um mundo que estava oculto e que a Web revelou. A gente vê que tem pessoas lendo, que a literatura continua tendo importância e que, no caso do Brasil, encontra-se em expansão.

Quando lancei meu primeiro livro, em 1993, divulgá-lo e distribuí-lo foi um calvário. Era tudo absurdamente mais complicado. Muitas vezes havia que ir pessoalmente às redações e livrarias para conseguir falar com as pessoas e mostrar algum material. Tempos mais tarde, quando comecei a procurar uma agência literária para me representar, foi outra luta. Não me lembro quem, na época, me disse que não havia agentes disponíveis no Brasil e que eu teria de procurar um no exterior, de preferência na Europa. Segui a recomendação e mandei um fax ao consulado espanhol no Rio, perguntando se eles tinham alguma indicação de agências na Espanha. Umas três semanas depois, o escritório comercial do consulado me mandou uma carta, muito gentil por sinal, sugerindo que eu procurasse o Grêmio de Editores de Madri e me deram o endereço. Escrevi para lá e um mês e meio depois recebi uma resposta deles, também muito amável, com a lista dos agentes. Toda a operação levou quase três meses. Hoje, com a internet, poderia levar menos de uma hora.

Pesquisar também se tornou uma tarefa mais simples. Além de agilizar o processo, a internet permite o acesso a um manancial impressionante de dados, algo inconcebível em 1992. Muito embora, é preciso que se diga, eles nem sempre sejam confiáveis. Quando obtenho uma informação na rede, eu a checo sucessivas vezes, até ter certeza de que é verídica.

8. Entrando no reino da tecnologia, queria te perguntar sobre o livro eletrônico. Tivemos discussões acaloradas sobre o Kindle, quando ele saiu. Depois você me avisou da matéria n'O Globo. Hoje, contamos com o Sony Reader - como um forte competidor para o Kindle - e a anunciada tela da Plastic Logic. Fora as suspeitas de que a Apple entraria no negócio... Conversamos, tantas vezes, sobre livros, autores e editoras... Outro dia, por exemplo, você me falava da necessidade das editoras de se capitalizarem, tendo, em seu catálogo, livros que vendem sempre, e que viabilizam a edição de outros, que, por sua natureza, não vendem tanto. Enfim, é todo um ecossistema, que você conhece profundamente, porque conviveu, todos estes anos, com escritores, editores, agentes, leitores etc. Às vezes tenho a impressão de que o livro eletrônico vai alterar toda essa paisagem... O que você acha que acontecerá nos próximos anos?

É difícil prever com exatidão. Mas confesso que tenho uma certa simpatia pelo livro eletrônico, sobretudo pela possibilidade de se encontrar um título fora dos catálogos das editoras.

Eu me lembro de como foi difícil, há alguns anos, conseguir comprar um livro esgotado há mais de cinqüenta anos. Era um clássico da literatura juvenil do século XX, chamado A volta ao mundo por dois garotos. Passei quase dois anos indo de sebo em sebo, no Rio e em São Paulo, à procura do livro, sem sucesso. Até que, depois de gastar muita sola de sapato, encontrei-o em dois volumes, à venda em Bangu. Foi tão difícil pôr as mãos nesse livro, que eu, inclusive já me recusei a emprestá-lo a amigos que queriam ler. Caso ele estivesse disponível em formato eletrônico e eu dispusesse de um aparelhinho bacana onde fosse possível lê-lo confortavelmente, teria sido muito mais fácil. O eletrônico também dá ao autor um alcance maior de chegar ao seu público, inclusive no exterior. O próprio escritor pode providenciar a tradução do seu livro para outro idioma e colocá-lo à venda numa Amazon da vida.

O que eu não acredito de jeito nenhum é que o eletrônico vá acabar com o livro tradicional, mesmo tendo certeza de que ele se difundirá. E nesse caso, a comparação com a música e o vídeo não procede, porque tanto o CD quando o VHS eram suportes eletrônicos que, em algum momento, seriam substituídos por outro superior, assim como ocorreu com o LP. E não podemos nos esquecer que, no começo do MP3, na época do Napster, as pessoas baixavam músicas para gravar CDs. A incorporação do MP3 pela sociedade veio acompanhada de uma espécie de rejeição do CD comercial, coisa que não está acontecendo com o livro.

Se notarmos bem, todas as iniciativas de popularização do livro eletrônico estão vindo da própria indústria editorial e não dos consumidores, ao contrário do que ocorreu com a música. O Kindle, o Sony Reader e outros similares, sinalizam uma tomada de consciência da cadeia livreira para a iminência dos avanços tecnológicos. O mercado está agindo antecipadamente para não ser pego de surpresa numa eventual escalada do livro eletrônico, evitando assim os revezes experimentados pelas gravadoras.

Mas o livro de papel é muito forte, inclusive simbolicamente. É um suporte de leitura consagrado há séculos. E, além de tudo, é um bem de consumo bastante atraente. Eu, pro exemplo, adoro ir a livrarias e comprar meus livros. Às vezes fico horas vagando lá dentro, esperando que uma capa ou uma lombada me capture. Os vendedores devem pensar, não sem uma certa dose de razão, que eu sou louco. As pessoas vão resistir muito à idéia de ver o livro tradicional desaparecer, ainda que o eletrônico se imponha com força nos próximos anos. Agora, caso um dia as livrarias "físicas" acabem, sou bem capaz de cometer um haraquiri.

9. Outro tema, que você abordou no Digestivo, mesmo que com menor frequência, foi o dos relacionamentos. Um tema que não está, direta e aparentemente, relacionado à literatura, aos livros, aos leitores etc., mas que gera hits, até hoje, para textos seus como "Sim, é possível ser feliz sozinho". Falei do valor que você dá às suas relações e acho que, quando trata do assunto, transmite uma sabedoria que, hoje, muitas pessoas perderam (ou nem sabem que existe). E não falo, apenas, de "relacionamento homem-mulher", ou de casal, mas de uma coisa mais ampla, como a própria amizade. Inclusive, lembramos disso, recentemente, ao evocar seu amigo Zé Rodrix... Bem, eu queria saber se você tem uma teoria para o fato de tantas pessoas parecerem "meio perdidas" nesse assunto hoje. Não quero intimidar ninguém; até porque não tenho a fórmula da felicidade... Mas queria que você dividisse, conosco, seus pensamentos sobre as relações humanas - que você cultiva e que é um valor, necessário a qualquer ser humano.

Nós estamos vivendo uma crise séria nas relações sociais. Não que os tempos que nos precederam tenham sido um mar de rosas. Mas há, hoje em dia, uma inversão de valores misturada com uma banalização de conceitos fundamentais para se viver em sociedade que estão corroendo a capacidade das pessoas de se relacionar entre si de forma saudável, de estabelecer vínculos mais sólidos. As cobranças são enormes. As pessoas se fecharam e se tornaram defensivas, competitivas, egocêntricas e, principalmente, desnorteadas, sem saber que rumo tomar. Elas complicam coisas simples, e banalizam questões relevantes, muitas vezes, com isso, comprometendo todo um futuro amoroso ou profissional. Não conversam mais, a não ser frivolidades, para fazer fofoca ou contar vantagens, se dão uma importância demasiada, estão sempre insatisfeitas e tornaram-se orgulhosamente mal-educadas, a ponto de confundirem gentileza com fraqueza, carência ou subserviência. É claro que estou generalizando. Há muita gente que não é assim, mas é uma circunstância que está muito mais para regra do que para exceção.

Eu tenho uma teoria que talvez explique isso, em parte: estamos atravessando um período de acentuada transição de uma estrutura antiga de sociedade, que está sendo destruída desde mais ou menos os anos 1960 e uma nova estrutura que nem alicerces ganhou ainda. Logo, é uma época sem referenciais consistentes. Junte-se a isso a velocidade com que as coisas aparecem e desaparecem, o individualismo exacerbado e a erotização excessiva - que é uma conseqüência dos muitos séculos em que a sexualidade esteve represada em preconceitos, neuras e pudores descabidos, embora não deixe de ser, também, uma faceta da repressão sexual - e, temos aí um painel da sociedade contemporânea.

Um mundo sem referenciais é um terreno fértil para o consumismo desenfreado, o narcisismo estético e a valorização muito além da conta de bens materiais e de posição social, entre outros modelos fabricados de uma discutível idéia de felicidade. Além disso, desde muito cedo, nós somos meio que instados a nos anular para nos adaptarmos ao ambiente à nossa volta, sob pena de sermos postos à parte. Daí, cursamos uma faculdade de que não gostamos, nos casamos em determinada idade, porque "chegou a hora", temos filhos pela mesma razão e, aos quarenta ou cinqüenta anos, com o físico em declínio e correndo o risco de sermos despedidos do emprego, porque já somos considerados velhos para a função, começamos a sentir um incômodo vazio existencial.

Tudo porque vivemos uma vida que não queríamos, porque tentamos, mas, na verdade, não conseguimos nos anular lá na adolescência, pois a nossa verdadeira essência não morre, permanece oculta no subconsciente. Um dia, baixamos a guarda, e ela se manifesta. Quando isso acontece, tem gente que não agüenta a barra e cai em depressão. Essa angústia existencial é uma dos ícones do nosso tempo, sobretudo porque hoje se tem a ilusão de que podemos fazer o que queremos, de que somos totalmente livres, o que só aumenta o nosso sofrimento, porque, ainda por cima, nos sentimos incompetentes, já que, afinal de contas, podíamos tudo e conseguimos muito pouco. E a verdade é que nós não somos livres.

É preciso enxergar essa realidade a fim de que possamos lutar contra ela e virar o jogo. Nunca é tarde para fazer a coisa certa. Muitas pessoas já despertaram para isso e estão reavaliando suas convicções antes inabaláveis, tentando reconstruir suas vidas em conformidade com as suas vocações, cientes de que o tempo voa e que a maioria das exigências sociais que nos são impostas são inúteis e devem ser jogadas fora.

10. Não fiz nenhuma pergunta específica sobre os seus livros "adultos", porque gostaria que falasse deles nesta pergunta. Tenho muita curiosidade pelo seu método de escrita. Não só eu; outros colunistas do Digestivo também. Até porque seus textos sempre saíram tão fluídos, com frases longas, mas harmonicamente bem encadeadas... E você me disse, se não me engano, que escreve à mão. Gostaria, portanto, que falasse do seu "processo" de escrita. Contando, ainda, as interessantes histórias durante a composição de cada livro - toda aquela pesquisa que você faz, todos os estudos que realiza, sobre o Oriente Médio, por exemplo. Algum livro preferido, no acabamento, como obra? Algum mais trabalhoso? Aproveite e conte-nos sobre O Véu, que está no prelo e cujo trecho você publicou, em primeiríssima mão, aqui no Digestivo. A crítica brasileira está à altura de toda essa sua ourivesaria? Ou o Polzonoff foi o único que te compreendeu melhor até agora?

Para te ser franco, nunca acompanhei a crítica como deveria. Defeito meu. Mas vejo muitas cabeças boas pensando a literatura e escrevendo sobre ela. O Polzonoff é uma delas, sem dúvida, assim como o Mariel Reis, o Fabio Cardoso e outros tantos. São pessoas cultas e muito honestas nas suas posições, o que é louvável nesse mundinho literário contaminado por futricas, rancores, mesquinharias...

Por outro lado, existe uma parcela da crítica que vive encastelada nos seus próprios conceitos e, com isso, acaba fugindo da realidade. Eles tratam a literatura como se fosse uma coisa só e usam os seus parâmetros para avaliar tudo o que lêem, como se todos os livros tivessem a mesma proposta. Já li resenhas em que o jornalista avaliava um livro policial e ignorava a trama, preferindo identificar clichês de linguagem na narrativa. Isto é, ele usava critérios indicados para analisar uma obra esteticamente mais ambiciosa, para falar de um gênero em que a trama é muito mais importante do que a linguagem. Esses equívocos são bastante comuns. Talvez isso se deva ao fato de não termos, ainda, desenvolvido uma tradição na literatura de entretenimento que estimule a consolidação de uma corrente de críticos especializados nessa linha. Os blogs arejaram e diversificaram bastante a crítica, principalmente aquela mais despretensiosa, que reflete, muitas vezes, o gosto pessoal do leitor, e que é bastante válida, a meu ver.

Quanto ao meu processo de escrita, ele acontece em etapas. A idéia para um livro pode surgir a qualquer momento. Observando as pessoas na rua, lendo uma notícia de jornal, ouvindo um caso... Depois a idéia vai ganhando corpo e eu começo a roteirizar o livro. A princípio de forma caótica e, depois, ordenando as idéias e montando o argumento e o arcabouço da trama. É nessa etapa que eu escrevo à mão.

O passo seguinte é a pesquisa sobre temas que vão ser abordados, já que meus livros não são confessionais e eu pouco ou nada falo da minha vida neles. Como não sou embaixador na ONU, contrabandista de armas, designer de moda, militar, ou leiloeiro de arte, tenho que pesquisar bastante para poder construir esses personagens e os cenários em torno deles de maneira verossímil. Isso costuma levar meses e é uma parte muito bacana do processo criativo.

Em seguida, vem a redação do livro, que também demanda muito tempo. Esse meu novo thriller, O Véu, por exemplo, começou a ser escrito em 1999. Tive de interromper o processo várias vezes para me ocupar de outros livros, escrevi várias versões da história, reescrevi a última, viajei à Europa para fazer pesquisas... Sem dúvida foi o livro que me deu mais trabalho até hoje. Todo o material de pesquisa dele, reunido ao longo desses dez anos, ocupa um espaço enorme nos meus arquivos. Embora seja algo muito difícil e exaustivo, eu adoro escrever. Já ouvi escritores afirmarem que preferem "ter escrito" a escrever. Comigo ocorre exatamente o contrário.

Para ir além
Site de Luis Eduardo Matta


Julio Daio Borges
São Paulo, 7/9/2009

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
10/9/2009
16h33min
Adorei a entrevista e a oportunidade de, mais uma vez, ouvir o LEM. Sua trajetória, bem como sua visão da leitura, da literatura e da sociedade são interessantíssimas, e refletem a gentileza e a honestidade de princípios que o caracterizam. Parabéns ao editor, parabéns ao entrevistado.
[Leia outros Comentários de Roberta Resende]
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