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Segunda-feira, 5/11/2007
Diogo Mainardi
Julio Daio Borges

Diogo Mainardi, além de colunista da Veja desde 1999, já foi autor de romances: Malthus (1989), Arquipélago (1992), Polígono das Secas (1995) e Contra o Brasil (1998). Hoje divide seu tempo entre a principal revista semanal do Brasil, uma participação no programa Manhattan Connection (desde 2003) e um podcast ― também no site da Veja ― desde o ano passado.

Assumidamente sem assunto, Diogo Mainardi concedeu esta Entrevista, em meio a outros compromissos relacionados ao lançamento de seu segundo volume de crônicas,
Lula é minha anta (também pela editora Record; o primeiro foi A tapas e pontapés, lançado em 2004). (Fora os livros, escreveu, ainda, dois roteiros para cinema: 16-0-60 (1995) e Mater Dei (2000).)

Apesar de
best-seller do atual mercado editorial, Diogo Mainardi abandonou de vez a literatura, e hoje a considera "coisa para desocupados e parasitas". Não pensa que sua coluna tenha algo de especial em relação ao que fez antes, e reputa toda a sua notoriedade à Veja: "Se fosse um blog, ninguém me leria."

Não considera que tenha uma obsessão pelo presidente Lula: "Sinto desprezo intelectual e moral por ele. Só isso". Não pensa que tenha um estilo ou uma assinatura fora do comum; reputa seu sucesso, mais uma vez, ao formato: "Hoje em dia, todas as minhas idéias cabem em 3 mil toques".

Diogo Mainardi não assume nenhuma orientação política, mas registra: "Se quem me chama de 'nova direita' é o esquerdismo lulista, tudo bem: eu me enquadro". Afirma que não está à procura de "seguidores", nem de "prosélitos". E não vê nada de errado em, um belo dia, desistir de tudo: "Sobretudo num belo dia..." ― JDB


1. Em meados da década de 90, a gente lia você como escritor. Por recomendação do Paulo Francis. Tinha um amigo que me emprestou o Polígono das Secas (ainda na faculdade), depois contou de outro amigo dele, que se gabava de ter recebido um fax seu... Era o Fabio Danesi Rossi. Também lembro de um sujeito, em 1995, que nunca mais eu vi e que ia te ler, só de birra, porque você tinha dito no Jô Soares que era "O Pior Escritor do Mundo"... A literatura acabou mesmo pra você? Eu lembro que você me falou isso, como falou também do cinema, no início dos anos 2000, mas eu não acreditei muito. De certa forma, concordo que, até Contra o Brasil, a literatura parecia mais um caminho para você chegar onde chegou. Mas você deixou órfãos. Pelo menos entre aqueles amigos meus... Enfim: às vezes não dá um comichão literário em você? Ou isso de ser escritor de ficção, no Brasil, é mesmo uma grande piada? Somos, como falou o Vargas Llosa, sempre ultrapassados pela nossa realidade?

Literatura é para desocupados e parasitas. Por muito tempo, fui um desocupado e um parasita. Eu era mantido por meus familiares e por minha mulher. Quando precisei ganhar dinheiro para sustentar meus filhos, arrumei um emprego e larguei os livros. Pode parecer uma explicação prosaica demais, mas foi o que aconteceu. Abandonar a literatura não foi uma decisão literária. E não teve nenhuma conseqüência, exceto para mim. Não sou um Rimbaud. Quanto ao comichão literário, não sei o que é isso. Nunca escrevi porque tinha a necessidade de escrever: escrevia porque era o que me interessava fazer.

2. E o Diogo Mainardi crítico? Um dos primeiros Colunistas do Digestivo colecionava sua crítica literária na Veja. Recortando, quando ainda não havia internet acessível a todos. Eu disse outro dia ao Polzonoff que faltava alguém para meter o pau nos escritores da Geração 90 pra cá. Ele, infelizmente, se aposentou nessa área... Você não se habilita? Agora, falando sério: li alguma coisa sua, elogiosa, quando a editora Globo voltou com essa coleção do Evelyn Waugh. Mas nunca mais vi nada seu nesse sentido. Se alguém te chamasse para fazer, novamente, crítica literária, você faria? Ou o Brasil ― também o Lula ― se tornou um assunto simplesmente inescapável para você? O Daniel Piza diz que sente falta de uma indicação eventual sua, por exemplo, dos livros que está lendo... O crítico literário, de um modo geral, ainda tem uma função no nosso País? Ou, no seu ponto de vista, é uma figura inútil, pois não há como "ensinar" alguém a ler, muito menos a ler "melhor"?

Literatura é um prazer solitário. Esse tipo de coisa a gente só faz escondido, trancado no banheiro. Fazê-lo em público, na frente de milhões de leitores, é falta de educação.

3. Chegamos à sua coluna na Veja. (Não demorou muito, não é?) Por que você acha que ela funcionou mais do que todo o resto antes ― incluindo seus filmes? Seu grande objetivo era mesmo bater forte no Brasil e os outros formatos, antes da coluna, foram apenas balões-de-ensaio? A exemplo do Francis, todos cultivamos ambições intelectuais, mas será que vamos acabar nos convencendo de que o leitor médio brasileiro quer mesmo é "tapas e pontapés", como dizem você e o Ivan Lessa? Já ouvi de tudo a seu respeito. Desde admirações rasgadas dentro da minha família, até elogios à sua beleza física, passando por aqueles que te imitam, que, por sua causa, lêem a revista de trás pra frente, fora, claro, os que te odeiam, te processam, acham que você denigre a imagem da classe etc. No Brasil, continua valendo o oito ou oitenta, ou seja: ou o sujeito vive escrevendo na obscuridade (para ter uma consagração post-mortem) ou ele se transforma numa espécie de Carmen Miranda da mídia?

A coluna não funcionou melhor do que o resto: ela apenas trouxe mais notoriedade. E isso aconteceu simplesmente porque está na Veja. Se fosse um blog, ninguém me leria. Um colunista depende do veículo em que é publicado. Por sorte, não tenho apego à notoriedade, e acho que a maioria dos leitores percebe isso. Se eu usasse um chapéu de bananas para chamar a atenção, os leitores me rejeitariam. Última coisa: não escrevo para o "leitor médio", escrevo para o leitor.

4. Eu também não gosto do Lula mas você levou sua obsessão tão longe (com ele, com o PT e com os petistas) que podemos dizer que, como poucas pessoas "neste País", você tem praticamente intimidade com o Presidente. Ele citou você, quando falou "naquele colunista da Veja" (de que não se lembrava o nome)... Ele já deve saber quem você é. Deve ter levantando a sua ficha. Nunca te ligou? Você acha que um Carlos Lacerda, hoje, teria derrubado o Lula? Eu sei que é isso que você tenta fazer semanalmente, mas será que não é problema também do Brasil, afinal ninguém mais leva o Presidente tão a sério quanto levava antes. De certa forma é uma contradição, porque você diz que o Presidente, no seu conceito, é menos importante do que o zelador do seu prédio ― mas quem te lê, na Veja, sabe que você escreveu dezenas de colunas sobre o Lula mas quase nenhuma sobre o seu zelador... Eu, no fundo, admiro a sua obsessão, porque não teria estômago para acompanhar a agenda do Presidente. Pensa, realmente, que o Lula vale todo esse tempo que você dedica a ele?

Eu sinto desprezo intelectual e moral pelo Lula. Só isso. Não tenho um interesse patológico por ele: Lula ― o meu Lula ― é apenas um reflexo da nossa miséria mental, e é sobre ela que eu escrevo todas as semanas. Nossa literatura sempre foi dominada pelos bacharéis da política, por isso não temos uma grande tradição de deboche presidencial. Quantos textos cômicos os americanos fizeram sobre a corrupção da Era Nixon? De cabeça: Philip Roth, Kurt Vonnegut, Robert Coover ― quem mais?

5. A César o que é de César... Mesmo entre quem te critica ― seja pelas opiniões, seja pelo assunto ―, todo mundo basicamente concorda que você desenvolveu um estilo, dominou um formato, construiu um personagem (se você preferir), como poucos na imprensa hoje. Sei que você não é nada metafísico, mas, conscientemente, consegue analisar como chegou a essa síntese, a esse "traço", a essa assinatura? Porque, mesmo quando o tema não me interessa, por exemplo, vejo que está impecavelmente bem escrito, e que, no final, provoca um grande efeito... Você aprendeu isso com o Ivan Lessa? Não acredito. O Ivan, no Pasquim, era bom de esculhambação, é ainda um dos nossos maiores cronistas, mas nunca foi de estruturar artigos como você. O Francis? Pode ser; mas eu acho que, ultimamente, ele detonava seus adversários num parágrafo só, ou numa única linha. (Nos anos 70, talvez...) Além dos óbvios brasileiros (não esqueci do Millôr; viu, Millôr?), quem foram os seus mestres em polêmica, Diogo? Dá para contar como foi a sua "formação", digamos assim?

O poeta tem a métrica, o poeta tem a rima, o colunista só tem o número de toques. No meu caso, 3 mil. Hoje em dia, todas as minhas idéias cabem em 3 mil toques.

6. E o contraponto ao Diogo polêmico é o Diogo terno, que nasceu quando você falou, pela primeira vez, do problema do seu filho, em 2001. Fez um enorme sucesso. Penso que até entre aqueles que antipatizavam com você. Funcionou como uma espécie de arma secreta. De repente, o implacável Diogo Mainardi tinha um ponto fraco, não era invencível, era, também, frágil, e "humano como nós todos". O Nélson Rodrigues dizia que todo escritor se falsifica ao infinito. Você concorda que escrever, desde uma coluna até um livro, pode se converter numa fórmula ― com a qual é preciso romper de quando em quando? Às vezes, eu acho que o jornalismo está tão burocrático, no seu ritmo industrial, que os únicos jornalistas que empolgam as pessoas são os colunistas e os cronistas como você, o Jabor, o Verissimo... ― que são os únicos que podem extravasar de vez em quando (mesmo que, pela repetição, a fórmula volte a tomar conta etc.). Como você lida com o fato de, subitamente, se transformar num ídolo? A mesma exposição que comove o público, cobra seu preço na vida privada? Você se imaginava como um dos "heróis" da imprensa brasileira contemporânea?

Com o tempo, aprendi a prever a reação dos leitores e a identificar o que eles esperavam de mim. Mas não estou à procura de seguidores, de prosélitos, e eles sabem disso. Eu trato meus leitores com respeito, mesmo quando estamos em lados opostos.

7. E o Manhattan Connection? Eu me arrependi de ter metido o pau na sua estréia, pois, afinal, era uma estréia, e eu acho que você encontrou o seu lugar no programa... O Darcy Ribeiro ― prometo parar de citar os caras de que você não gosta ― dizia que os verdadeiros intelectuais são aqueles que conseguem se comunicar com o povo. A televisão é o único jeito de fazer isso no Brasil, porque o povo não lê, nem ouve a CBN. Eu sei que o Manhattan não é exatamente o caso, desde o nome até o fato de estar numa TV a cabo, mas você sente que a televisão te deu um novo alcance? Como experiência, te acrescenta, ou você sente que apenas desenvolve um pouco mais o mesmo personagem (dos textos)? O Francis sempre volta como assombração ― para nós que "mexemos com cultura" ―, mas será que ele não mostrou que estamos todos condenados ao multimídia, se quisermos sobreviver, porque o texto, sozinho, não paga a conta? (Você pensa também nessas coisas ou é tudo viagem minha?)

Você fez bem em meter o pau na minha estréia. Sou muito ruim na TV. Mas o Manhattan Connection é o melhor emprego do mundo, e fico feliz que o Lucas Mendes ainda não tenha percebido isso.

8. Eu tenho uma curiosidade especial pelo seu podcast... Achei engraçado; achei divertido mesmo quando você estava sem assunto e ficava enchendo lingüiça com o Reinaldo Azevedo. Achei, até, que, pelo fato de não ter de mostrar a cara, o podcast te dava mais liberdade para ser, mais fielmente, o Diogo desbocado da Veja. Como é fazer? Você grava pelo telefone ou vai até o estúdio? Grava da sua casa? Tem muita gente que vem direto da revista para ouvir o podcast? Costumam medir esse tipo de coisa ou para você não importa tanto? Se te chamassem para agitar aquele bate-papo chocho entre o Cony e o Xexéo, você iria (eu sei da sua opinião sobre o Cony, só estou te provocando)? E meter a boca no trombone, como diariamente faz o Arnaldo Jabor, você toparia? Eu usei esses exemplos de propósito porque quase todo mundo acaba se acomodando e virando, como você diz, "rebelde a favor" (e a CBN, uma grande Hora do Brasil)... Assim como nos blogs, nos podcasts brasileiros pode estar, de repente, a verdadeira "liberdade de expressão" (que não está mais no rádio)?

A verdadeira liberdade de expressão está na Veja. No podcast é moleza: o público é mais restrito e a atenção é menor. Respondendo às suas perguntas: gravo de casa, com um programinha chamado Audacity. Não tenho a menor idéia da audiência, mas sei que é uma experiência pioneira, por ser uma das poucas operações lucrativas da internet, graças aos patrocinadores, que compram espaço na rede e ao lado da minha coluna.

9. E os blogs (já que entramos neles...)? Não sei se você me disse, ou se eu li em algum lugar, que você é um internauta onívoro, que devora todo tipo de coisa, sites inconfessáveis... É verdade? Eu concordo que a internet já teve mais lixo (já foi mais difícil, antes do Google, encontrar coisa boa), mas você continua com essa mania, de escarafunchar nas URLs menos recomendáveis e mais inóspitas? Eu imaginei que você fosse seguir o exemplo do Reinaldo Azevedo e montar o seu próprio blog, mas logo concluí que você já tem outros compromissos assumidos, fora que é menos caudaloso do que ele, e tem bem menos paciência para discutir com os trolls... Faz sentido? Aliás, desde os blogs até o próprio Reinaldo, até a própria Veja, eu encontro você meio misturado com o que chamam agora de "nova direita" ― não te incomoda o rótulo (nem a associação)? Alguém escreveu, outro dia, que a discussão na blogosfera brasileira é pré-Queda do Muro de Berlim, com todos aqueles clichês de esquerda & direita, do tempo da Guerra Fria... Concorda com isso? Você tenta se manter "neutro" ou, no fundo, nem liga?

Em matéria de blog, prefiro ler o Reinaldo Azevedo, que faz um trabalho inovador e extraordinário. De fato, estou pouco me lixando para o que dizem a meu respeito. Se quem me chama de "nova direita" é o esquerdismo lulista, tudo bem: eu me enquadro. Não sou neutro ― sou autônomo.

10. Eu sei que, como o Woody Allen, você diz que não liga para a mínima a posteridade, nem para o "legado" que possa deixar (com exceção talvez daquilo que envolva seus filhos)... Mas eu não poderia desfazer a tradição, aqui no Digestivo, e te perguntar o que você diria a um jovem polemista ("young contrarian", como escreveu o Christopher Hitchens), que quisesse seguir os passos do Diogo Mainardi. Você, invariavelmente, conta que o Ivan Lessa te indicou alguma leituras... Quais leituras você indicaria? E quais autores? O seu sucesso está muito ligado à Veja, ao público dela e à situação atual do Brasil, ou você acha que existem traços distintivos, que permeiam todos os grandes polemistas? Se, sim, quais são eles? Tem como desenvolver uma "vocação" para a polêmica ou é algo nato, do talento mesmo, intransmissível? Na realidade, o que mais pesa, eu imagino é o fardo de remar sempre contra a maré... Diogo: então qual é o segredo de continuar sempre em frente e não desistir, um belo dia, de tudo?

Não há nada errado em desistir, sobretudo num belo dia. Se polemista é uma profissão, acho que só não dá para ser postiço. E não dá também para ser medroso. Se alguém quiser seguir meus passos, já começou mal. Escolha alguém melhor do que eu...

Para ir além
Podcast Diogo Mainardi

Julio Daio Borges
São Paulo, 5/11/2007

 

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