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Terça-feira, 21/11/2000
Digestivo nº 10

Julio Daio Borges

>>> LA CENA De repente, ocorreu a Ettore Scola filmar um dos turnos de um restaurante, desde a abertura, a chegada dos primeiros fregueses, até o fechamento, a saída dos últimos habitués. Entre um pedido e outro, entre um prato e outro, entre um garçom e outro, Scola rege uma sinfonia de histórias paralelas. Afinal, uma refeição, um jantar, uma mesa pode ser o palco ideal para um drama, uma comédia, uma tragédia, um épico, um monólogo. É assim que ele amarra uma mãe e uma filha, um homem casado e sua jovem amante, um par de namorados e uma gravidez inesperada, uma família desestruturada e uma mulher fatal, um ator e um diretor de teatro, um contínuo e um charlatão, homens de negócio e transgressores, um recém-formado e sua orgulhosa progenitora, uma beldade e seu séquito de admiradores. Todos supervisionados e assistidos por Vittorio Gassman, não por acaso, il maestro, e por Fanny Ardant, eternamente bela, a dona do restaurante. "O Jantar" prova que ainda é possível fazer cinema, a partir da vida, simples e corriqueira como ela sempre foi. Não inova, não surpreende, não choca. É, porém, completo, como deve ser toda grande obra.
>>> http://www.medusa.it/archivio/cena/
 
>>> NUNCA PERGUNTE COISAS SOBRE AS QUAIS EU NÃO GOSTARIA DE FALAR Rita Lee, Sérgio Dias, Arnaldo Baptista, Liminha e Dinho se reuniram em separado para falar dos Mutantes. Está na ShowBizz de Novembro. Tomando como pretexto o lançamento da caixa It's Very Nice Pra Xuxu, que abarca os seis primeiros álbuns da banda mais Tecnicolor (de 1999), os sobreviventes decidiram tratar de temas como tropicalismo, MPB, drogas, rock progressivo e carreiras-solo. Os Mutantes, grupo paulistano surgido em 1966, foi a única resposta pop brasileira, talvez mundial, à altura dos Beatles (segundo alguns, até mais alto do que eles). Levaram a experimentação em estúdio, a fusão de estilos e a negação de padrões estabelecidos a patamares que, 30 anos depois, permanecem insuperados. No saldo do movimento que ansiava aproximar o erudito e o popular, ficaram injustamente relegados ao papel de coadjuvantes, de aprendizes, de acompanhantes (de Gil e Caetano). Claro que, sem o maestro Rogério Duprat (o George Martin de Pindorama), não teriam provavelmente alçado os mesmos vôos, em termos de orquestração, arranjo e vocalização. Suposições à parte, esperamos que o box set restitua seu lugar na tal linha evolutiva da música popular do País do Baurets.
>>> Revista ShowBizz - Novembro de 2000 - Símbolo Editora
 
>>> E EU NÃO SEI? José Lewgoy completa 80 anos e recebe homenagem do programa Retratos Brasileiros, do Canal Brasil. (O mesmo que promete um ciclo de filmes dele a partir do dia 22.) Embora tenha se consagrado como vilão, na Atlântida, é um exemplo raro de ator erudito: foi tradutor ao lado de Érico Veríssimo e Mário Quintana, estudou em Yale, fez temporada na França. E tem opiniões. Acha que o Cinema Novo forjou a imagem de um Brasil triste, que matou o Brasil alegre das chanchadas. Afirma-o com a autoridade de quem trabalhou com Gláuber Rocha no cultuado Terra em Transe. Diz identificar-se com Mersault, o Estrangeiro de Camus. O mesmo que vive de improviso, pois nada espera, nada quer, nada sente - agindo ao sabor do vento, literalmente. A comparação, todavia, soa extravagante, em se tratando de um profissional tão refinado, determinado e preciosista como José Lewgoy. Enfim, não convém contestar-lhe, pois, como seu personagem de Louco Amor, ele deve saber.
>>> http://www.globosat.com.br/
 
>>> JAMAIS SE OUVE UMA PALAVRA GENTIL, SÓ E SEMPRE CENSURAS Finalmente, podemos dizer que temos uma tradução d'O Castelo, de Kafka. Modesto Carone empreendeu, com precisão impecável, a versão do livro mais alentado e intricado do autor d'A Metamorfose. A leitura é, portanto, dolorida, penosa, por vezes, exasperante. K., o agrimensor, perde-se no labirinto de relações que norteiam a vida dos habitantes da aldeia, oprimidos pela administração do castelo. Apesar de suas quase 500 páginas, o manuscrito de 1922 chegou inacabado até nós. Fica impossível prever-lhe o desfecho, pois a narrativa se desdobra em novas e enredadas surpresas a cada capítulo. A influência de Kafka pode ser sentida em toda a literatura do século XX. Para o caso d'O Castelo, notadamente ecoa em toda a estrutura e concepção de 1984, romance seminal de George Orwell. No Brasil, Diogo Mainardi parece emular, como ninguém, a mesma ironia fina, a mesma indiferença, o mesmo desprezo. Kafka previu toda a catástrofe que se abateria sobre a humanidade contemporânea: filha do totalitarismo e da chamada opressão numérica. Espectador da Primeira Guerra Mundial, assistiu ao massacre que esmagou homens como moscas, sempre em nome de um poder central, impessoal, desumano. Seu esforço é o de representar essa realidade, onde os moralmente fortes nem sempre se impõem.
>>> "O Castelo" - Franz Kafka - 488 págs. - Cia. das Letras
 
>>> A ESCRITA DO MUNDO José Maria Eça de Queirós está entre nós. Foi montada, no Memorial da América Latina, a exposição da Biblioteca Nacional, que comemora o centenário da morte do romancista português mais popular entre os brasileiros. O melhor da família, nas palavras de Machado de Assis. Subdivide-se em quatro períodos: os anos de formação; o despertar para o realismo; as peregrinações pelo mundo; e a volta a Portugal. Pontuada por trechos de cartas, artigos de imprensa e outros apontamentos variados, a mostra revela um Eça extremamente rigoroso, crítico inclemente de seus livros, descrente de antigas posições e de antigos engajamentos. Ainda que incréu, ainda que um vencido da vida, Eça marcaria gerações e gerações de escritores no Brasil, dado o seu apego à forma e aos francesismos de todo tipo. Ainda que esparramados por toda a sorte de registros, seus depoimentos de testemunha ocular da História, em fins do século XIX, são dos mais lúcidos e confiáveis que hoje temos. Merecem revisitação.
>>> Centenário do Eça
 
>>> MINHA PÁTRIA É MINHA LÍNGUA
"É a obra de Marx que nos sugere essa pergunta. É sabido que faz de cada relação de troca de mercadorias o caso de relações sociais de produção mediadas pelo valor. Este, por sua vez, é entendido com a contradição entre valor de uso e aquilo que vem a ser comum aos diversos valores de troca."
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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