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Quarta-feira, 20/11/2002
Digestivo nº 108

Julio Daio Borges

>>> EURECA! E a Veja descobriu que a internet existe. E a Veja descobriu que as pessoas estão usando a internet. E a Veja descobriu que a internet funciona. Não é espantoso? Sei que não parece grande coisa, mas - enfim - é. Estamos falando da maior revista do Brasil e de sua redentora reportagem "Tecla comigo, vai...", assinada por Daniela Pinheiro, segundo a qual "gente jovem, bonita e bem-sucedida está usando a internet à procura de namoro, sexo e companhia". E eu que pensava que só gente "velha", "feia", e "mal-sucedida" usava a internet. Não é fabuloso? Agora, graças à Veja, todos vão tomar conhecimento dessa fantástica ferramenta que é a internet. Não será apenas mais um lugar destinado a "nerds", tipos "fora-de-forma" e "carentes profissionais". Mas um espaço para gente "saudável", "normal", "sadia". Atrás de "entretenimento" da melhor qualidade, ligações com pessoas de "boa aparência", "boas referências", "boa família". Agora, o leitor de Veja pode teclar sossegado. A internet passou no teste. Foi aprovada. Enfim. A internet existe há mais de sete anos no Brasil e o dito "amor virtual" há tanto tempo quanto (embora a febre dos sites de encontro seja mais recente um pouco). Antes, era na base dos "chats" e dos "e-mails" que os internautas se conheciam e, mais tarde, se encontravam. As histórias que a revista destaca como "grande novidade" são corriqueiras há muito tempo. Existem "gerações" de freqüentadores de salas de bate-papo. "Veteranos" espalham lendas através da Grande Rede, e uma porção de livros já poderiam ter sido escritos a respeito (como aliás, já foram). Os comportamentos apontados pela reportagem também não são nenhuma novidade: cada gênero, livre das amarras necessárias ao convívio em sociedade, tende a exacerbar seu lado mais "contido". Ou seja: os homens ficam mais atrevidos e desbocados; as mulheres, mais fantasiosas e sonhadoras. Conclusão: um quer sexo, o outro quer amor. Não precisa ser nenhuma Veja para descobrir essa verdadeira verdade. Infelizmente, o Brasil continua refletido em publicações de mentalidade tacanha, estreita, atrasada, enquanto a internet - que poderia ser uma das mais desenvolvidas do mundo - vai perdendo credibilidade.
>>> Tecla comigo, vai... | A internet e o amor virtual
 
>>> FOI UM SUCESSÃO Quem pensa que a "Caras", a "Quem Acontece" e a "Isto É Gente" surgiram como publicações por geração espontânea precisa urgentemente ler "Revista do Rádio: cultura, fuxicos e moral nos anos dourados", mais um exemplar da coleção Arenas do Rio, pela editora Relume Dumará. Rodrigo Faour, também autor de "Bastidores, Cauby Peixoto: 50 anos da voz e do mito", procura explicar o sucesso da revista fundada por Anselmo Domingos, contando a sua história e, de quebra, revivendo os grandes mitos da era do rádio. Embora a televisão tenha varrido toda uma civilização de cantores, atores e animadores para debaixo do tapete, alguns sobreviveram para prestar depoimentos e relembrar antigos sucessos. Nunca, é claro, com o mesmo brilho daqueles tempos. Faour cobre, principalmente, os anos 50 e 60, ressuscitando Emilinha Borba, Marlene, Angela Maria, Ivon Curi, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto e até aqueles nomes dos quais restou apenas uma pálida menção (numa canção de Rita Lee, por exemplo), como Elvira Pagã e Luz Del Fuego. Sobre os grandes (que continuaram grandes), como Dorival Caymmi e Ary Barroso, as curiosidades são poucas. A pesquisa faz também justiça a um dos maiores talentos do humor brasileiro: Max Nunes, criador da comédia de costumes, além de irretocável frasista, capitaneando já há alguns anos o talk show de Jô Soares. Faour não perdoa a moral vigente e o machismo reinante, incentivados inclusive pela própria "Revista do Rádio" (ainda que seu proprietário fosse homossexual convicto e tenha caído em desgraça por causa de drogas). Há um ar de doce ingenuidade e até certa tolice nas páginas da aclamada publicação, mesmo quando os "Mexericos da Candinha" saíam maldosos e fatais. Os capítulos do livro são construídos de tal maneira que, ao final, o autor compara as manchetes daquela época com as das revistas de fofoca de hoje - para concluir que são rigorosamente as mesmas. Antes, se a popularidade igualmente não servia como termômetro para garantir qualidade artística, pelo menos não havia a "celebridade pela celebridade" - que, temos de convir, empobreceu enormemente o cenário.
>>> Revista do Rádio: cultura, fuxicos e moral nos anos dourados - Rodrigo Faour - 161 págs. - Relume Dumará
 
>>> MEIO E MENSAGEM Em "Agulha Hipodérmica: o poder e os efeitos dos meios de comunicação de massa", Ivan Carlo de Andrade Oliveira (o nosso Gian Danton) e seus colaboradores questionam as bases da teoria de Harold Laswell à luz dos mais recentes avanços. Para quem não sabe, "Agulha Hipodérmica" (a teoria) simplifica a comunicação de massa representando-a pelo esquema "E-R" (Emissor-Receptor). Paul Lazarfeld seria o primeiro a propor um aperfeiçoamento do arranjo, chegando à fórmula "E-I-R" (Emissor-Intermediário-Receptor). Marshall McLuhan, o homem da "Aldeia Global", elevaria o grau de complexidade em mais um nível, acrescentando que o Intermediário (I) seria, na verdade, o que chamamos de "formador de opinião". E para não deixar de lado a contribuição brasileira, o educador Paulo Freire seria lembrado como o teórico que previu o "feedback" entre Emissor (E) e Receptor (R). Haveria ainda a versão mais moderna da coisa, a teoria conhecia como Fotônica, em que a mensagem se irradiaria à maneira dos fótons de luz, atingindo e refletindo-se nos objetos indefinidamente. As teorias da comunicação, desde o seu surgimento, têm sido acusadas de simplistas e superficiais, principalmente se comparadas a todo arcabouço que cerca a tradição filosófica ocidental. Talvez porque, no fundo, a comunicação de massa ainda esteja na sua infância, com o surgimento do rádio, da televisão e mesmo da "mídia" como entidade. Ivan Carlo e seus colegas em "Agulha Hipodérmica" (o livro), no entanto, vêm justamente propor um viés crítico, alargando os horizontes da discussão. Introduzem inclusive fenômenos sociais, que remontam ao clássico episódio da transmissão de "Guerra dos Mundos" por Orson Welles até a crise de epilepsia coletiva provocada pela estréia de "Pokemon" no Japão. Ainda que engatinhe nos seus primórdios, a comunicação de massa é uma arma poderosa e amplamente utilizada (de forma pouco criteriosa, vale ressaltar). Ivan Carlo e os signatários de "Agulha Hipodérmica" chamam a nossa atenção para o tema, tão urgente quanto em todo o século XX.
>>> Agulha Hipodérmica: o poder e os efeitos dos meios de comunicação de massa - Ivan Carlo de Andrade Oliveira (org.) - 62 págs. - Faculdade Seama
 
>>> DÉCHIRÉE Está chegando às livrarias um pequeno volume de bolso sobre "Rembrandt". Assinado por Jean Genet e traduzido por Ferreira Gullar, sai agora pela José Olympio. Um pouco tarde para a exposição de desenhos do pintor holandês (que se encerrou no início do mês). Mas, mesmo assim, são 100 páginas de leitura imprescindível. Pelo menos para quem se interessa pelo autor dos auto-retratos mais célebres da História. O livro em si tem uma trajetória interessante. Anunciado para ser uma obra de monta, acabou em pedaços, por ordem do próprio Genet. Abalado pela morte de um amigo próximo, resolveu retalhar uma mala inteira de manuscritos. Da poda rembrandtiana, restaram apenas os extratos publicados na revista "L'Express" e dois fragmentos. Um deles com um título bastante sugestivo: "O que restou de um Rembrandt cortado em pequenos quadrados bem regulares, e jogado na privada". Aspectos tragicômicos à parte, o livrinho é sério e bem escrito (na linguagem dos poetas, como afirma Wilson Coutinho). Sem qualquer rigor academicista, para embalar o leitor da primeira até a última frase. Ricamente ilustrado, encadernado com papel de primeira linha, o volume traz todas as cenas descritas por Genet. A partir dos auto-retratos, dos retratos de Hendrickje Stoffels e Margaretha de Geer, e também dos registros delicados de Saskia, o dramaturgo estabelece seu percurso. Explora mais demoradamente a ruptura que se deu com a morte da esposa de Rembrandt, desconectando o homem do mundo exterior. Narra igualmente experiências pessoais suas, que evocariam aquele olhar absorvente, visto nas telas. Os motivos bíblicos têm também o seu espaço, mormente em "O retorno do filho pródigo". Os desenhos, esboços e estudos encerram a edição. Revisitar os mestres, ainda que de maneira breve, é sempre um alívio.
>>> "Rembrandt" - Jean Genet - 88 págs. - José Olympio
 
>>> BRASIL EM TRANSE "A preguiça me levou a estudar cinema". Assim começa o depoimento de José Roberto Torero em "O Cinema da Retomada", compêndio de mais de 500 páginas organizado por Lúcia Nagib e lançado pela Editora 34. Provavelmente a maior e mais completa reunião de cineastas brasileiros de todos os tempos, ainda que englobe apenas o período que vai de 1994 a 1998. São noventa nomes. De Nelson Pereira dos Santos a Beto Brant. De Cacá Diegues a Fernando Meirelles. De Hector Babenco a Walter Salles. Funciona também como um dicionário de realizadores tupiniquins, com dados biográficos e filmografia completa. Para folhear e ler numa sentada. As influências são as mesmas de sempre: Neo-Realismo italiano, Nouvelle Vague francesa, Cinema Novo brasileiro, etc. Dos testemunhos registrados, as controvérsias são o que mais nos interessa. Babenco, por exemplo, diz que cineasta brasileiro tem de ser "o cafetão e a prostituta ao mesmo tempo". Já Neville D'Almeida prefere descarregar sua fúria nos jovens críticos: "ejaculadores precoces", segundo ele. Pelo mesmo caminho segue Sérgio Rezende, atacando um certo "rapazinho do JB". Mais ponderado está Walter Lima Jr., que tenta desfazer mal-entendidos acerca de seu amigo Glauber Rocha: "Seus contemporâneos foram esmagados por sua onipresença". Ugo Giorgetti, quase um outsider, chega para redimir o seu meio: "Cinema nunca me deu o que comer, sempre vivi da publicidade". Desaponta, no entanto, a participação de seu colega, Fernando "Cidade de Deus" Meirelles, pouco menos de duas páginas (nada sobre o seu atual "hit"). Também José Henrique Fonseca (filho do homem), numa pagininha apenas. A verdade é que os novatos têm pouco a dizer, mesmo quando se estendem, como Walter Salles e Beto Brant. Exceção aberta para José Roberto Torero, um cético felizmente incorrigível: "Com as leis de incentivo, entramos na Era Moderna, o tempo das navegações, do Renascimento e do Absolutismo". (Todos, vale lembrar, revoltadíssimos com um tal de Guilherme Fontes, o arrivista que perverteu as ditas leis.) Proclama Reichenbach, na contramão da História: "Temos que fazer filmes péssimos!". Rogério Sganzerla, por sua vez, joga a culpa nos Marinho: "O Brasil é tutelado pela Globo". O fechamento cabe ao emocionado Cacá Diegues: "Tenho certeza de que esse cinema vai surpreender o mundo, como já está surpreendendo". Que Deus o ouça. (Se for mesmo brasileiro.)
>>> O Cinema da Retomada - Depoimentos de 90 cineastas dos anos 90 - Lúcia Nagib - 528 págs. - Editora 34
 
>>> "CHARGE DA SEMANA" POR DIOGO SALLES

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>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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