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Terça-feira, 5/12/2000
Digestivo nº 12

Julio Daio Borges

>>> HOJE É O DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA Gustavo Kuerten é o nš 1. A frase, por si só, dispensa comentários. Guga subjugou, em dois dias, duas lendas-vivas do tênis: uma mais recente, Pete Sampras; outra mais experimentada, Andre Agassi. A última numa final de Masters Cup, sob o fogo cruzado de aces e paralelas, que permitiram a Kuerten emplacar sucessivamente três sets a zero, com parciais de 6/4, 6/4 e 6/4. Aqui no Brasil, os torcedores se dividem em duas facções basicamente: aquela que costuma acompanhar o esporte, mas que, por mais feliz e contente que esteja, não entende como o país do futebol pariu um Guga em Florianópolis; e aquela que se perde na pontuação e na nomenclatura do tênis, ovacionando, de qualquer jeito, o novo ídolo que, há pouco tempo, não tinha nem campeonato, nem platéia e nem mídia para lhe apoiar. Por ter lutado tantos anos sozinho, empunhando sua raquete, apenas o próprio Kuerten pode avaliar o que significa estar agora no topo do mundo. Ele e, talvez, sua mãe, igualmente uma nš 1.
>>> http://www.guga.com.br
 
>>> DE VILA A METRÓPOLE Paulistanos nascem, crescem, vivem e morrem sem conhecer direito a sua cidade. É quase um lugar-comum. A exposição do novo MASP, na Galeria Prestes Maia, no Vale do Anhangabaú, está aí para aplacar essa ignorância institucionalizada e histórica. O desenvolvimento de São Paulo, desde as ferrovias até explosão da megalópole, está retratado e explicado a partir dos marcos e dos agentes que formaram e deformaram a cidade. Olhando assim, para o caos desgovernado de trânsito, violência, poluição e pobreza, fica impossível imaginar que houve sujeitos como o próprio Prestes Maia, que, com seu projeto de Grandes Avenidas e o seu plano para o Metrô (não executado), visavam, de fato, melhorar e modernizar São Paulo. Embora haja ênfase na influência dos meios de transporte (trens, bondes, automóveis, ônibus) no contorno da urbe, iniciativas como as do IV Centenário não são esquecidas na mostra. Completam o conjunto, algumas maquetes, quadros e uma bela colagem de fotos que passa, como filme, São Paulo em todas as suas eras e idades.
>>> MASP Centro - Praça do Patriarca, s/ nš - Vale do Anhangabaú
 
>>> BECAUSE IN THE MUSICALS NOTHING DREADFUL EVER HAPPENS Dançando no Escuro é tragédia adaptada ao cinema. Fatal, irracional, dionisíaca. Lars von Trier, o homem da revolução, dirige e escreve o roteiro. Björk, a inclassificável, canta, dança e atua no papel principal. À parte a cansativa discussão teórica em torno do filme e das possibilidades que ele explora, Dancer in the Dark convence muito mais pelo seu caráter humanista, universalista, do que por um certo virtuosismo técnico ou pela abordagem inusitada do gênero musical. Varrida a paisagem e a parafernália, resta tão somente a relação visceral, ancestral, antediluviana entre um filho e uma mãe, entre uma mãe e um filho. Selma, a protagonista, carrega um senso de missão que causa calafrios à imensa maioria dos espectadores, entorpecida pelos desejos de felicidade a prazo ou a vista. Selma não é feliz mas dá um sentido à sua existência, à sua vida, ao seu sacrifício. Descontados todos os prazeres e todas as glórias frívolas, quantos seres humanos ainda podem se resignar de terem feito algo realmente grandioso nesta vida (como Selma fez)?
>>> http://www.dancerinthedark.com/
 
>>> O HUMOR É COMO AS MARÉS, ORA SOBE ORA DESCE José Saramago, o Nobel da língua portuguesa, publicou seu mais aguardado livro, A Caverna. Antes do prêmio, ele vivia de afirmar que 1 milhão de dólares não fariam a menor diferença para si e para os seus. Integridade como lema, e como sina. Tudo indica que ele tenha cumprido a sua promessa, não havendo portanto motivo para recriminação. O livro, porém, está muito aquém do que se esperava de um ficcionista (ou ensaísta, como costuma alardear) tão aclamado e tão adulado (nestas terras de além-mar). O infortúnio de Cipriano Algor, o sexagenário obrigado a se aposentar, arrasta-se por mais de trezentas páginas, e nada do mito da caverna de Platão (que supostamente justificaria o volume). Se Saramago quis metaforicamente evocar o duo ilusão-realidade através da rotina praticada pelo Centro (espécie de cidade-shopping-center), conseguiu apenas produzir um pastiche kafkiano de utilidade duvidosa. Que ele tenha lá seus cacoetes de crítico social e de costumes, é algo compreensível e até perdoável. Acontece que não há como preferir este Saramago ao Saramago d'O Evangelho Segundo Jesus Cristo ou ao Saramago do Memorial do Convento. A Caverna, por mais bem intencionada que se pretenda, não vale a epígrafe.
>>> "A Caverna" - José Saramago - 352 págs. - Cia. das Letras
 
>>> MERCÚCIO PARLA Mino Carta, um dos últimos baluartes do jornalismo assinado no Brasil, foi ao Roda-Viva falar de Castelo de Âmbar, seu romance-biografia-reportagem. Impressiona que um homem de sua envergadura moral ainda precise reafirmar seus feitos e, pior, confirmá-los pela boca de seus colegas de profissão. O Mino dos ternos bem talhados, das idéias organizadas e das palavras escolhidas surge como uma figura espectral, como um fantasma, como uma alma penada - e perdida. Seus julgamentos são categóricos, suas colocações, irrefutáveis, seus veredictos, apocalípticos. No entanto, a muralha de silêncio à sua volta faz dele um parvo, um bobo, um naïf. Como todos os de sua geração não deixa discípulos. No máximo um Bob Fernandes ou um Paulo Henrique Amorim. Seus mandamentos, notáveis, contudo, ficam: fidelidade à verdade factual; exercício do espírito crítico; fiscalização do poder. Otimista, prevê um Brasil livre dos medalhões de Machado, daqui a 100 anos.
>>> http://www.tvcultura.com.br/
 
>>> MINHA PÁTRIA É MINHA LÍNGUA
"É tudo prédio novo, acabado de ser lançado."
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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