busca | avançada
105 mil/dia
2,0 milhão/mês
Quarta-feira, 5/3/2003
Digestivo nº 123

Julio Daio Borges

>>> MONOGAMIA SERIAL KILLER Divertidíssima a reportagem de capa de Época: "Mulher solteira procura". Feriados como o carnaval são em geral pródigos em emplacar reportagens engavetadas e geladíssimas. Os semanários não fogem à regra e têm apelado para "saúde" ou "comportamento", quando não há quorum na redação. Mas Época, embora ofuscada pelas plumas e paetês, acertou em cheio ao abordar um tema que está na boca do povo: por que as mulheres acima de 30 anos não conseguem se casar e por que, na seqüência, as mulheres de 20 e tantos não conseguem arranjar namorado? Não parece haver resposta, quanto menos, solução. Os "especialistas" (sempre eles) dizem que a busca pela independência financeira postergou os desejos das mulheres: se antes, na geração de suas mães, aos 20 já estavam "encaminhadas" para o casamento, hoje só aos 30 estão "em pé de igualdade" para encarar, com o homem, uma união a dois. O contraditório, nessa história toda, é que as expectativas continuem as mesmas. Ou seja: depois de atravessar o arco-íris do mundo profissional, conquistar emprego e casa própria, a mulher descobre que o pote de ouro não é lá essas coisas. E volta a seguir os conselhos da mamãe: "Sou independente, mas preciso de homem", conforme declara uma das "bem-sucedidas" perfiladas. Agora, o irônico é que essa dita "revolução" tenha sido feita em nome das mulheres - para, 30 ou 40 anos depois, elas mesmas declararem em alto e bom som: "As pessoas acham que sou solteira porque quero, e isso me deixa boquiaberta", a exemplo de Dora Bria, a windsurfer. Talvez o único erro da reportagem, em tom de humor, tenha sido não dar vazão aos comentários dos homens - afinal, eles também fazem parte do "programa". Aliás, os poucos que apareceram reclamaram de se sentirem "embutidos" (sem consulta prévia) numa espécie de "pacote" - pois, desde que tiveram o seu poder aquisitivo aumentado, as mulheres se tornaram também "consumidoras". E as desesperadas, segundo a revista, não hesitam em enxergar o "homem de suas vidas" em cada parceiro que encontram - algo que bota 9 entre 10 homens para correr, desesperados. Ninguém sabe onde essa comédia dos erros vai dar, mas já tem muita gente faturando com livros a respeito, consultorias e até seriados. Outro dia, circulava um e-mail afirmando que a solução era arranjar um "amante". (Mesmo para quem ainda não se casou.) Espera-se que, em socorro das mulheres, venham as próprias mulheres, arrumar a bagunça, que "alguém", lá atrás, começou.
>>> Mulher solteira procura
 
>>> EXPLORADORES MAIS DO QUE INVENTORES Ernesto Sabato não foi contemplado com as loas da crítica tupiniquim, porque é mais comum conhecermos as letras da Europa e dos Estados Unidos do que a produção da nossa vizinha, América Latina. Sabato foi polígrafo na Argentina, onde trocava figurinhas com Borges, até romperem politicamente. Compartilhavam impressões sobre Heráclito, para, futuramente, Sabato enxergar em Borges um discípulo de Parmênides (ou, ao menos, da "esfera de Parmênides"). No Brasil, a Companhia das Letras vem reeditando suas obras e, justamente, abriu 2003 com "O escritor e seus fantasmas" (1963), reunião de ensaios e notas do autor sobre o seu métier. Bastam algumas páginas para saber que os nossos vizinhos, em Buenos Aires, não estavam mal informados sobre literatura - e para lamentar que não tenha havido, entre os nossos escrevinhadores, maior intercâmbio. Na introdução, Sabato evoca os dilemas do criador na periferia do mundo - mas, ao contrário dos vitimados que fazem disso uma retórica, não apela para a sua condição de "subdesenvolvido" e procura abordar os problemas em pé de igualdade com os grandes (sem complexos ou ressentimentos). Fala da idade de ouro do romance, o século XIX, com proficiência - e não hesita em apontar, no século XX, os tropeços que atravancaram os realizadores contemporâneos seus. Não aceita que a abordagem psicológica (de um Proust, por exemplo) esteja fora de moda e não perdoa as investidas (equivocadas, segundo ele) na onda cientificista e na pretensa objetividade herdada do jornalismo. Entusiasta do romantismo alemão, aposta num retorno à paixão, ao conhecimento que escapa à razão, como saída para o atual realismo frio e para a paulatina desumanização do público. Extrapolando um pouco os domínios de quem escreve, não poupa nem os literatos, nem os críticos. Os primeiros, por causarem-lhe aversão; os segundos, por puro nojo. O volume caminha aleatoriamente e, por isso, não fecha com uma única conclusão. Contudo, se houvesse uma, ela seria a da persistência - mesmo num mundo em que os homens de letras têm sofrido reveses sucessivos.
>>> O escritor e seus fantasmas - Ernesto Sabato - 202 págs. - Companhia das Letras
 
>>> A TERRA DO NUNCA Steven Spielberg não é bobo nem nada. "Prenda-me se for capaz" ("Catch me if you can", 2002), com dois estandartes do "american way", Tom "Forrest Gump" Hanks e Leonardo "Titanic" Di Caprio, poderia espantar aquela parcela de público mais crítica e desconfiada - mas terminou arrebanhando-a igualmente. É inegável a habilidade do diretor de "E.T." para soltar pacotes de entretenimento de tempos em tempos. Afinal, quantos hoje esperam "muito mais" de uma sessão de cinema? Poucos ou quase ninguém. Di Caprio é, desta vez, Frank Abagnale Jr., o típico anti-herói enrustido no espectador médio: "tudo" e "nada" ao mesmo tempo. Começa sua carreira de golpista ainda na escola, quando finge lecionar francês para os colegas. O pai (um decadente Christopher Walken) sorri condescendente e acha que o filho "leva jeito". Aparentemente, justificado pelo divórcio de seus genitores, Junior foge de casa e vai aplicar golpes de "gente grande" (no filme mostrados como se fossem de brincadeira): falsifica contracheques da Pan Am, voa de graça pela companhia, forja um currículo de medicina, supervisiona uma junta médica, fabrica um diploma de advogado em Harvard e, finalmente, passando-se por luterano e assistente de procurador, arranja uma "reputação" para casar-se e regenerar-se. Enquanto isso, no seu encalço, Tom Hanks (Carl Hanratty), o agente do FBI, que está sempre a poucos milímetros de apanhá-lo (seus encontros e desencontros endossam o gênero "comédia"). No fim, quem vencerá? O hábil transgressor que lesa o Tio Sam em milhões de dólares ou o persistente homem da lei que assume o caso como uma missão de vida? Para coroar a saga, o letreiro revela que se trata de uma história real - e os Estados Unidos reafirmam sua "generosa" capacidade em reabilitar grandes vilões de todos os tempos. Claro, há exageros nas peripécias do rapaz, mas Spielberg não nega o seu infantilismo jamais - embutindo a "psique" de uma criança travessa num bandidaço que deve ter contribuído para arruinar, ao menos, a Pan American. Resta à platéia, mergulhar nas estrepolias de Di Caprio, no bom-mocismo de Tom Hanks e na caracterização inebriante dos anos 60 e 70. Vale, nem que seja, pelo "inconsciente coletivo" reconstituído (especialidade dos norte-americanos já há algumas décadas).
>>> Catch me if you can
 
>>> MAU HUMOR

"Só fui à falência duas vezes. A primeira, quando perdi uma causa. A segunda, quando a ganhei." (Voltaire)

* do livro Mau humor: uma antologia definitiva de frases venenosas, com tradução e organização de Ruy Castro (autorizado)
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

busca | avançada
105 mil/dia
2,0 milhão/mês