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Quarta-feira, 12/3/2003
Digestivo nº 124

Julio Daio Borges

>>> O NÚMERO UM Trata-se de uma das mais importantes notícias para a literatura brasileira desde a carta de Pero Vaz Caminha. E saiu na "Veja". Desde 2000, Paulo Coelho não é o autor que mais vende no Brasil. Agora, quem mais vende no Brasil é Luis Fernando Verissimo, o autor de "As Cobras", "O Analista de Bagé" (1981) e "Comédias da Vida Privada" (1994). Não temos mais que justificar o mau-gosto, o fenômeno (antes de Ronaldinho) e a apoteose na França do Mago, de seu "Diário" e dos seus discípulos. Para quem não percebe a diferença entre Paulo Coelho e Luis Fernando Verissimo, não muda muito. A primeira e mais cabal é que Paulo Coelho nunca foi escritor e Luis Fernando Verissimo, como seu pai, Érico, sempre foi. Também como Coelho, Verissimo quis ser músico, e toca saxofone até hoje, num grupo de jazz. Já o Mago escolheu o rock e teve Raul Seixas como parceiro. Mas as comparações param por aí (se é que elas fazem algum sentido). Veríssimo foi alçado aos píncaros da glória, em termos de vendagem, por causa da editora Objetiva (ex-casa de Coelho, aliás - que, com razão, se sentiu preterido diante do autor gaúcho). Mas sua consagração (progressiva) é, provavelmente, anterior. Pelo lado do humor (até há pouco era considerado estritamente "humorista"), através das tiras de jornal (matou "As Cobras" em 1999) e do traço inconfundível, chargístico, de personagens como o Analista de Bagé, na "Playboy" (entre outras revistas). A "Veja" não afere isso, mas não seria exagero ressaltar a força de sua coluna dominical no "Estado de S. Paulo", que emplacou a Família Brasil. Ivan Lessa, defendendo o seu, costumava dizer que "país pobre escreve livro" e que "país rico escreve crônica". Verissimo, que revitalizou o gênero ultimamente, costuma se definir como "um cronista com teses". É significativo que tenha furado o eixo Rio-São Paulo, e que tenha se dedicado aos romances, com mais afinco, numa idade mais amadurecida. O pai, Érico, deve ter pesado nas duas situações. De opiniões políticas controvertidas, com o abandono de sua coluna diária, Verissimo volta a desfrutar da unanimidade perdida. E merecida. Assim como para o Brasil, que não precisa mais se justificar por causa de um certo Mago que invadiu a Academia.
>>> O autor que é uma paixão nacional
 
>>> ROCK'N'ROAD MOVIE? Alguns astros pop podem ser analisados à luz de suas mulheres. Todo mundo se lembra do exemplo mais patente: John Lennon e Yoko Ono. Há também um exemplo brasileiro, mais recente e sujeito a controvérsias: Caetano Veloso e Paula Lavigne. De qualquer modo, ninguém imaginava que Paul McCartney fosse tão suscetível aos desígnios de suas companheiras. Não, até a chegada de Heather Mills, que assumiu a dinastia depois da morte de Linda. Os efeitos se fazem sentir no DVD "Back in the U.S.", lançado no ano passado e pouco comentado no Brasil. Nele, Macca exercita o seu lado showman e rende-se à cultura americana como nunca antes: faz média com o apresentador Jay Leno; filma despudoradamente as estrelas de Hollywood que prestigiam seu show (Tom Cruise, John Cusack, Michael Douglas); e, para completar, rende-se ao culto do "middle man" - seja mostrando anônimos na fila, incentivando a luta por autógrafos ou até retratando as pessoas que "fazem tudo acontecer". O que seria uma coleção de performances do ex-Beatle, em turnê pelos Estados Unidos, se converte num "especial" cheio de "inserções dos bastidores" e cenas que, francamente, beiram o demagógico. Em realidade, ficamos sem entender se Paul quis "fazer uma média" com o Tio Sam ou se anda com a auto-estima tão baixa que quis registrar o quanto é amado e idolatrado. Qualquer das duas hipóteses beira o improvável: a primeira, simplesmente porque ele não "precisa"; a segunda, porque é óbvia demais. Repetindo: ficamos sem entender. Musicalmente, a banda da época de Linda foi desmembrada: nada daqueles senhores de meia-idade ou do clima de "coleguismo" dos Wings. Parece que depois da turnê de "Run Devil Run" (1999, também em DVD, no Cavern Club), Paul McCartney tomou gosto pelas formações enxutas e decidiu convocar as novas gerações. Com exceção do tecladista (o único remanescente da antiga formação), décadas o separam dos dois guitarristas e do baterista (este com maior grau de liberdade, sério candidato a revelação). No que diz respeito ao set list, as melhores surpresas ficam por conta de "Getting Better" e "Something". Estão corretas as versões para "Maybe I'm Amazed" e "Band On The Run". O resto se mantém na média mas é quase dispensável (principalmente a pieguice de algumas homenagens, ao 11 de setembro, by the way). Lógico que Macca é sempre Macca. Ao mesmo tempo, não podemos deixar para trás a crítica e o sarcasmo de John Lennon. Ele não teria perdoado o Mother's Eyes.
>>> Back in the U.S.
 
>>> BETWEEN THE ACTS O que sobrou dos escritores? Há agora um filme em cartaz que pode responder a essa pergunta. Ele se chama "As Horas". Na verdade, vendido como uma espécie de reconstituição de Virginia Woolf (via Nicole Kidman), está, no fundo, dividido em três partes: uma para a autora de "Mrs. Dalloway" e outras duas para suas leitoras em diferentes épocas. Aquele "um terço" dedicado exclusivamente à esposa de Leonard Woolf já vale os outros "dois". Há um foco excessivo na esquizofrenia da escritora, que, claro, levou-a ao suicídio, mas que bem poderá formar, na cabeça do espectador médio, a imagem de uma mulher, acima de tudo, atormentada. Pelo que a história conta, o casal foi se isolar no campo porque Leonard não agüentava mais resgatar Virginia de seus acessos de loucura em Londres (afinal acreditava que a cidade a perturbava). A senhora Woolf é mostrada como uma quase anoréxica, que tem medo dos serviçais e que mantém uma postura anti-social. Subitamente, porém, num estalo, tem a idéia para um romance em que a protagonista vive apenas um dia de sua vida e planeja matar-se no final. "Mrs. Dalloway" então é o modelo para as duas outras mulheres do filme, em tempos diferentes: Meryl Streep e Julianne Moore. A primeira, aparentemente, nos dias de hoje, organizando uma festa para Ed Harris, um poeta e um antigo amor, que será laureado com um prêmio literário. A segunda, algumas décadas atrás (provavelmente nos anos 50), sufocada pelo casamento, pelo filho e pelas obrigações impostas pela rotina. Ao que consta, as duas lêem "Mrs. Dalloway", enquanto a ação transcorre. Vivem tragédias particulares e vão encontrar soluções, cada uma à sua maneira. O longa é, portanto, inicialmente cheio de possibilidades, mas talvez, por isso mesmo, segue em direções tão variadas que só um final abrupto para amarrá-lo. A crítica falou muito nas atuações de Moore e Streep, mas se não fosse por Kidman seria apenas mais um drama moderno com histórias entrecruzadas. É Nicole, via Virginia Woolf, quem dá o molho, e suas meditações, suas falas em "off", mais a trilha de Philip Glass, compensam qualquer invencionice dos realizadores de "As Horas".
>>> The Hours
 
>>> MAU HUMOR

"Talento é o que você possui; o gênio possui você." (Malcolm Cowley)

* do livro Mau humor: uma antologia definitiva de frases venenosas, com tradução e organização de Ruy Castro (autorizado)
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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