busca | avançada
122 mil/dia
2,0 milhões/mês
Quarta-feira, 9/4/2003
Digestivo nº 128

Julio Daio Borges

>>> IMAGENS, IMAGENS, IMAGENS Para onde caminham as revistas? Para o mainstream? Para o mais mainstream ainda? É o que sugere a "s/nº" de Bob Wolfenson. Pense no maior ícone brasileiro do momento. Pelé? (Não.) Ronaldo? (Não.) Gisele Bündchen? (Acertou.) Pois ela está na capa. Com uma calça da Daslu. Cada publicação brasileira nova que sai parece revisitar os mesmos nomes, as mesmas caras, as mesmas grifes. A competição é por quem consegue reunir mais: mais caras, mais grifes, mais nomes. Na "s/nº" estão: Alexandre Herchcovitch, Arthur Omar e Mario Cohen. Também: Arnaldo Antunes, Ed Motta e Hélio Oiticica. Ou seja, mais uma nova revista sobre a mesma velha patota. As assinaturas importam mais que os assuntos. A forma supera, quando não extingue, o conteúdo. Uma matéria que abre grandiosa pode ocupar só duas meias páginas. Uma seqüência de fotos que se anuncia em sete variações pode acabar, de repente, em menos da metade. O consumidor está cansado. Folheia, folheia, e não lê nada. Quem mais escreve são as cartas de Oiticica de Nova York. Datam de, pelo menos, 30 anos. Tempo em que os artistas (plásticos) sabiam se expressar além de um mero slogan publicitário. As entrevistas? Não mais que uma página. O entrevistador se mistura nas respostas e os entrevistados são quase espremidos para soltar alguma coisa. Qualquer coisa. Os "contos" não chegam a meia dúzia de parágrafos. São instantâneos. Ou lapsos de memória. Mas a pauta principal, não podemos esquecer, é "limite". Inclusive com Letícia Sabatella, tentando recriar a atmosfera do filme de Mário Peixoto. (Se conseguissem, ao menos, explicar do que se trata...) Alguém descola, para variar, um "sobrevivente do rap" (ou do Carandiru, que virou moda agora). A literatura dos iletrados. Vale mais. E, claro, os "anos 80", mais uma vez. E dá-lhe Xuxa. E dá-lhe Gretchen. [Meu Deus, será que vocês não cansam...] Óbvio, líquido, certo: quem "leu" a revista assim [como eu] não entendeu nada. Não é nada isso. (Vão falar.). E a parte gráfica? E os designers? Está bem, está bem, não poderia ser mais espetacular. Mas [voltando à velha obsessão], será que não daria para variar de vez em quando? Só de vez em quando?
>>> s/nº
 
>>> CARA DE FELIZ Se a MPB se diluiu no culto a uma meia dúzia de personalidades, ou no apelo suspeitíssimo ao popularesco, a música instrumental brasileira vem despontando airosa para ouvidos inteligentes. É o caso do pianista, arranjador e compositor Marcos Nimrichter, que acaba de lançar seu primeiro CD pela Niterói Discos e que estréia nesta semana no Mistura Fina. Marcos, para quem não conhece, já percorreu o abecedário acompanhando, ao piano, os figurões da MPB: de Chico Buarque a Zé Ketti; de Djavan a Jorge Ben Jor; de Cássia Eller a Martinho da Vila. Mas o seu reino é certamente o da elaboração pormenorizada, com pitadas de música erudita e forte coloração jazzística. Não surpreende que Marcos tenha participado de "Ouro Negro" (2002), o tributo a Moacir Santos, o CD duplo que já saiu do forno antológico. Nem que tenha sido convidado para integrar o projeto "Jobim Sinfônico", ao lado da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, como solista. Nada mal para um músico brasileiro de pouco mais de 30 anos. No CD, simplesmente "Marcos Nimrichter", descobrimos a faceta criadora desse descendente de alemães, cariocas e mineiros. Acompanhado por uma turma da pesada (no melhor sentido), aproxima-se ora da tradição do jazz latino (evocando Astor Piazzolla e Eliane Elias), ora do fraseado minimalista (à maneira das "Children's Songs" de Chick Corea), ora dos ritmos brasileiros "tout court" (como no "Frevo do Frei Frívolo"). O curioso é misturar essa salada de influências da música instrumental norte-americana, e regional brasileira, com grupos como o Quinteto Villa-Lobos e o Quarteto Guerra-Peixe. Mais um mérito de Nimrichter, que soube combinar todo o seu background de experiências num primeiro álbum feliz. É, aliás, graças a essa ousadia que podemos encontrar o clarinete de Paulo Sérgio Santos embalado pela bateria de Carlos Bala; a guitarra de Alexandre Carvalho se equilibrando entre uma viola, um violoncelo e dois violinos; a flauta de Toninho Carrasqueira dialogando com o contrabaixo elétrico de Marcelo Mariano. São essas e outras paisagens que compõem o panorama da melhor música brasileira moderna – e não o que normalmente se vê por aí.
>>> Marcos Nimrichter - Niterói Discos
 
>>> AS VEIAS ABERTAS Pense globalmente, aja localmente. Uma frase de Yoko Ono que virou slogan da IBM. Do mesmo jeito, no cinema. Há filmes que nos tocam por sua universalidade e há outros que nos tocam, justamente, por seu regionalismo. "Frida", com Salma Hayek, está nessa última categoria - e talvez, por isso, seja mal compreendido por brasileiros que não mantêm quaisquer laços com a América Latina. Impressionante como a história de amor e a trajetória de vida, de Frida Kahlo e Diego Rivera, remetem a muitos dos dilemas do artista no Brasil. A cisão entre a metrópole e a colônia; e o contraponto dos Estados Unidos. O abrigo de uma arte primitiva, instintiva, e a sofisticação ameaçadora do além-mar, diluindo a identidade e os motivos. O desequilíbrio entre as "causas" e ideologias e o bafo sedutor da consagração, da glória, tão mundanas, tão burguesas e tão mesquinhas. Afinal, está no longa de Julie Taymor. As lutas de Diego e Frida pelo México e por seu povo. Os apelos da "Gringolândia" e as raízes com o comunismo e com a Rússia. O mural pintado para Rockefeller e a proteção oferecida a Trostki. A pintura como ideal supremo e a carne como fio condutor da existência. Claro: a sucessão de eventos é a mesma do videoclipe, superficial e opressiva. E claro: o cinema nunca deu conta das angústias de uma vida inteira. Mas os elementos estão lá, a caracterização é impecável, a música, deslumbrante, e o apelo, para os latino-americanos de coração mole, irresistível. Um filme não deve ser mais que uma isca para outros mergulhos intelectuais e para outras "viagens". E isso "Frida" é. Deve passar "uma idéia" do que teria sido - e nada mais. Ao mesmo tempo, deve se equilibrar entre as pressões da indústria e a desinformação do público. Portanto, Julie Taymor cumpre muito bem o seu papel. Há de haver produções mais densas, sobre os mesmos protagonistas, nesse ou naquele aspecto - no entanto, esse é o longa que poderia ter sido feito na nossa época, é do que dispomos e o que precisamos ver para entender quem somos e de onde viemos. Viva Friducha e Pánzon.
>>> Frida
 
>>> MAU HUMOR

"As mulheres estragam qualquer romance, com essa mania de querer que eles durem para sempre." (Oscar Wilde)

* do livro Mau humor: uma antologia definitiva de frases venenosas, com tradução e organização de Ruy Castro (autorizado)
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

busca | avançada
122 mil/dia
2,0 milhões/mês