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Quarta-feira, 3/11/2004
Digestivo nº 199

Julio Daio Borges

>>> ONCE UPON A TIME IN AMERICA Se a cultura americana não tivesse servido para nada, teria servido ainda para produzir Quentin Tarantino. (Eu acho que já disse isso a propósito de Kill Bill 1; se disse, volto a repetir a propósito de Kill Bill 2.) Tarantino, para dizer o óbvio, é o maior cineasta americano em atividade hoje; e, para ir além, talvez seja o mais genuíno, desde as últimas décadas do último século. Pois, ao emergir da cultura (considerada subcultura) pop, propõe a maior representação da alma americana no período. Se Altman, por exemplo, sofreu injunções do cinema europeu e os Irmãos Cohen, outro exemplo, tendem a estetizar, com pinta de alta cultura, o american way, Tarantino expõe as vísceras de sua sociedade, mas ao contrário do realismo apelativo que temos visto, o faz com requintes de grande arte – e de grande artista. Kill Bill é seu épico, seu testamento e sua homenagem ao cinema. Tudo isso provavelmente já foi dito, mas de outra maneira. E a consagração, finalmente, veio, com o encerramento da saga, recentemente, nos cinemas. É estranho que a “ficha” tenha demorado tanto a “cair”, para o público e para a crítica – já que ambos permaneceram praticamente cegos para a beleza e para o poder que emanava, igualmente, de Kill Bill 1. Precisaram de Kill Bill 2, tanto para entender quanto para incensar Tarantino – sem, no entanto, notar que são duas partes de um mesmo filme, editado por imposição do estúdio, e do mercado. Tanto os enquadramentos inusitados, quanto os diálogos incrivelmente bem escritos, quanto as reviravoltas no roteiro, quanto a trilha sonora imperdível, para dizer o mínimo, já estão todos em Kill Bill 1 – mas ninguém viu ou ouviu até Kill Bill 2. (Enfim: é melhor do que se não tivesse nunca visto ou ouvido; e deixado Tarantino a ver navios...) Se já sobrava muito pouca revolução, em matéria de sétima arte, depois de Pulp Fiction (1994), agora sobra menos ainda. Seguindo esse raciocínio, é quase natural que tenham crucificado Tarantino em Jackie Brown (1997) e que o crucifiquem, também, no próximo filme. Pois, o que poderá, no sentido “tarantinesco” do termo, superar Kill Bill? Muito pouca coisa. Faltaria fôlego, a Tarantino, seu casting e sua produção, para algo “maior” que Kill Bill. Talvez, para sermos conformistas, ele nem precise. Talvez Kill Bill nos entretenha pelos próximos 10 anos, como Pulp Fiction. E isso, para quem decretava a extinção dos grandes diretores, é um alento e uma sobrevida.
>>> Kill Bill 2
 
>>> TRAVESSIA Élida Marques é o que hoje se chama de mulher-projeto. Como quase todos os artistas sem “emprego fixo” (isso ainda existe?), perambula entre uma realização e outra, entre uma idéia e outra, entre uma iniciativa e outra. Afinal, diante da crise para atores e músicos como Élida, existem duas atitudes possíveis: a criatividade ou a estagnação. Ela escolheu a primeira e, ao mesmo tempo em que permanece aberta ao teatro, toca projetos paralelos como o Tia Margarida e o Ler é uma Viagem. O Tia, como ela diz, percorre casas noturnas em São Paulo, com uma formação de grupo (duas vocalistas, incluindo Élida), e resgata a tradição perdida do samba, desde o início do século passado. Já o Ler, como ela enfatiza, é um esforço de levar a leitura a comunidades carentes e a escolas públicas, formando gerações de leitores por meio da escolha de grandes autores, em novas leituras através de performance quase cênica, com apoio percussivo e musical. Foi assim que Élida Marques e sua trupe divertiram uma platéia, há algumas semanas, na Casa das Rosas, na avenida Paulista. Entre um Lima Barreto e um Machado de Assis, um samba originalmente interpretado por Carmen Miranda ou um solo de clarineta lírico e perturbador. Isso só foi possível porque Élida, numa história que conta para quem quiser ouvir, conseguiu patrocínio da mineradora CBMM, de Araxá, e pôde elaborar cada frase, cada palavra, cada vírgula junto a seus músicos e colaboradores. Apresentou, inclusive, composições de amigos, pautadas na obra de Guimarães Rosa, enquanto encarnava o primeiro encontro entre Diadorim e Riobaldo. Seu desejo é tocar o Ler é uma Viagem também em 2005, estendendo sua abrangência (para outros pontos do Brasil que não apenas a periferia de São Paulo) e integrando ao grupo os colegas que, em edições esparsas, fizeram apenas “participações especiais”. Não é uma ambição de todo impossível, já que foi parcialmente realizada em 2004. Mas, além de admirável, é um trabalho árduo – ainda mais para quem “corre por fora”, na pele de produtora independente, como Élida Marques.
>>> Ler é uma Viagem
 
>>> LEITURA DINÂMICA Panorama Editorial é o nome da revista da CBL, a Câmara Brasileira do Livro, uma das poucas entidades de classe ativa (e reativa) neste País. A idéia, da publicação, é abrir um canal, periódico, para discussão de temas do setor livreiro – mas o veículo, em sua primeira edição (setembro de 2004), se revela interessante também para os demais envolvidos (escritores, jornalistas – enfim, a “mídia literária” tupiniquim). Um dos destaques, por exemplo, é a matéria esclarecedora sobre a trajetória e as atividades da editora Cosac & Naify. Desde a opção heróica pelos livros de arte (arte mesmo), no início, até a virada para os títulos infantis (graças ao sucesso de Arthur Nestrovski) e para as grandes traduções (Stendhal, Faulkner – e, mais recentemente, Flaubert). Um dos segredos para a vitória, neste último segmento, – além da “gestão de Augusto Massi – foi escolher obras que caíram em domínio público e oferecer, ao tradutor, os clássicos 10% que, em outros casos (herdeiros), caberiam ao autor. É uma mostra de como a Panorama Editorial vem abordar assuntos básicos, na tônica de quem publica, lê e escreve. Outro destaque, nessa linha, é a reportagem enfocando a relação entre gráficas e editoras – oferecendo revelações mercadológicas fundamentais: entre elas, o fato de que as tiragens (já consideradas minguadas) de 3 mil exemplares de antes estão caindo, em alguns casos, para menos de um milhar na atualidade. As gráficas, instigadas – como tantos outros “negócios” – pelo último boom econômico, investiram numa expansão que não veio e hoje sofrem para se readaptar (apesar da dita “retomada”). No fundo, esses dilemas, do business do livro, afetam toda a “cadeia de produção” e é saudável que a Panorama Editorial venha expô-los com realismo no mais elevado grau. Afinal, editores, escritores e público consumidor terão uma relação mais producente e mais frutífera com seu objeto de fetiche se souberem o que ocorre por trás dos bastidores. Pois, nem só de DVDs vivem os making-ofs...
>>> CBL
 
>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA



>>> Cafés Filosóficos
* Sobre a indignação e a revolta - Jean-François Mattéi, Dominique Folscheid e Georges Lomné
(Qui., 4/11, 19h30, CN)

>>> Palestras
* São Paulo 1860-1960 – A paisagem humana - Ruy Mesquita Filho, José Alfredo Vidigal Pontes, Virgínia Albertini e Vladimir Sacchetta
(Qua., 3/11, 19h30, VL)

>>> Noites de Autógrafos
* As relações Perigosas: Brasil-EUA (De Collor a Lula: 1990-2004) - Luiz Alberto Moniz-Bandeira (Qua., 3/11, 18h30, CN)
* Pobreza, exclusão e modernidade: Uma introdução ao mundo contemporâneo - Simon Schwartzman (Qua., 3/11, 18h30, CN)
* Tem alguma coisa errada comigo... - Ademir Carvalho Leite Júnior
(Qui., 4/11, 18h30, VL)
* Memórias de um Gerubal - Roberto de Mello e Souza
(Qui., 4/11, 18h30, CN)

>>> Exposições
* Exposição de Liberman Alfredo
(De 03 a 17 de novembro de 2004, CN)

>>> Shows
* Swinging the Blues - Traditional Jazz Band
(Sex., 5/11, 20hrs., VL)
* Espaço Aberto - Maria Alvim e Rick Udler
(Dom., 7/11, 18hrs., VL)

* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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