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Quarta-feira, 6/4/2005
Digestivo nº 221

Julio Daio Borges

>>> NOVAS IDENTIDADES A balbúrdia pós-moderna, de perda do referencial, parece estar se esgotando, agora no início do século XXI. Ao menos no Brasil que, com ou sem lei de incentivo, assiste a um verdadeiro boom de cursos, de conferências e de ciclos de palestras, sob o argumento de que as pessoas atualmente buscam uma complementação à sua formação, muito em moda justamente em centros extra-acadêmicos. Esse movimento tem origem no surgimento dos chamados centros culturais, a partir dos anos 2000, por conta da lei Rouanet, que permitiu a empresas como os bancos Itaú e do Brasil investir na própria imagem, por meio de ações no âmbito da cultura junto à comunidade. O lado bom é uma programação quase sempre gratuita, cobrindo as mais variadas manifestações das artes – a preencher uma imensa lacuna governamental e a fornecer trabalho a artistas e a produtores culturais, historicamente mal remunerados. O lado ruim é restringir todos os investimentos, de dinheiro público (diga-se de passagem), a subsidiárias e a empresas do próprio grupo – afinal, é o que esses centros culturais, em sua maioria, são (ainda que não visem lucro). Em paralelo a isso, comercialmente falando, ocorrem iniciativas como a da Casa do Saber – com raízes plantadas no que um determinado público quer de fato, em matéria de formação, pois, lá, está disposto a pagar. Um modelo, então, híbrido entre as palestras e eventos aparentemente “soltos” (dos primeiros centros culturais) e uma grade de cursos “amarrados” e pagos (de uma Casa do Saber) é a alentada programação do Espaço Cultural CPFL, da Companhia Paulista de Força e Luz, sediada em Campinas. Com o calendário de 2005, anunciado no início de março, a curadoria de Augusto Rodrigues é provavelmente a mais ambiciosa ação nessa área desde que o movimento dos centros culturais começou. São plataformas que correm simultaneamente, nas grandes áreas do conhecimento, com especialistas comprovados, muitos com ligação na Unicamp, como o catedrático Paulo Franchetti (em literatura), o crítico João Marcos Coelho (na música erudita), o músico Arrigo Barnabé (nas sonoridades brasileiras contemporâneas), para ficar apenas entre os coordenadores mais cotados. O programa se aproxima ao de uma universidade livre e as grandes autoridades da cultura nacional, presentes na noite de lançamento, pertinentemente perguntaram: “O que é isto? É o Ministério da Cultura?”. Os desdobramentos do Espaço Cultural CPFL em 2005 ainda estão na letra “a”, e certamente merecerão menções da imprensa especializada, pois inauguram um novo paradigma: as universidades livres serão, afinal, o futuro dos hoje centros culturais?
>>> Espaço Cultural CPFL
 
>>> YO SOY LA QUE NO BUSCAS Velho de 90 anos resolve transar com uma virgem no dia de seu redondo aniversário. Um enredo aparentemente libidinoso, e até banal numa era de sexo exacerbado, de repente pode se transformar numa pequena obra-prima, quando se trata de um dos maiores escritores da atualidade: Gabriel García Márquez. Embora tenha sido vendido assim, numa época em que os hormônios juvenis decidem tudo, Memoria de mis putas tristes, é uma narrativa sofisticada, finamente elaborada, onde as cenas de sexo, de uma delicadeza ímpar, no todo quase não importam — porque praticamente não ocorrem. O velho em questão encontra sua virgem em menos de 24 horas, mas, ao invés de deflorá-la e descartá-la de sua existência provecta, apaixona-se e passa a amá-la, ainda que, aos 90 anos, a única coisa que possa infringir-lhe na carne sejam algumas massagens nas costas, ao tocar-lhe enquanto dorme e ao enxugar-lhe o persistente suor. As meditações subjacentes sobre a velhice valem por algumas das melhores páginas de Cícero e a trilha sonora, se é que assim podemos chamar as citações aos compositores clássicos, são pura alta cultura — num tempo sufocado pela cultura (e pela música) pop. García Márquez parece enfrentar, menos sutilmente do que se pensa, a agitação e a movimentação contemporâneas, ao retratar uma existência aos nossos olhos vazia, mas, em suas manifestações mínimas, rica em tesouros espirituais. É impressionante que, em um livrinho de 100 páginas, consiga dizer tanto sobre a vida — se, em tratados volumosos de centenas de páginas, nossos intelectuais de hoje se percam, em janelas infinitas, sem atingir um todo inteiro e uniforme (a redundância, aqui, é proposital). É a obrigação de artistas e de pensadores de ontem e de hoje: fornecer uma visão de mundo, mais do que se lançar em interrogações sem rumo. E, nesse ponto, Memoria de mis putas tristes é brilhante. Quem sabe, se os nossos autores lessem, tomassem vergonha na cara e procurassem pretensões mais elevadas — e permanentes. Ou, ao menos, desistissem das suas — deixando os verdadeiros mestres com a primazia no falar, já que o público, perdido entre tantas coisas desimportantes, não os ouve mais.
>>> Memoria de mis putas tristes - Gabriel García Márquez - 109 págs. - Editorial Sudamericana
 
>>> CELEBRITY KILLER Embora o mercado de graphic novels tenha sido abandonado pelas grandes editoras na década passada, a HQ visivelmente sobreviveu – evoluiu, se diversificou e inclusive abriu espaço para autores locais. É o caso de Noite de Caça, com roteiro de Alexandre Dias e arte de Anderson Almeida, um lançamento da Brainstore Editora em 2004, dirigida por Eloyr Pacheco. Se os criadores brasileiros não estivessem em destaque na capa, e se o Brasil não estivesse tão presente nas paisagens da história, poder-se-ia dizer que Noite de Caça é uma realização de fora. A ambientação soturna, das metrópoles do futuro, e a ambigüidade dos personagens estão lá – no melhor estilo dos mestres do traço. Também a qualidade plástica, a dinâmica, fundamental, na seqüência quadro a quadro – promovendo o enlevo, o suspense e o final surpreendente. Impossível não se interessar pela heroína, de cabelos azuis; não se submeter ao charme do vilão, de uma paixão suicida; e não torcer pelo desfecho da trama, entre negociatas políticas e descaso pela individualidade. Noite de Caça mereceu o elogio de Mário Bortolotto, o dramaturgo revelação, que assina uma espécie de prefácio. Entre os autores, existe a diversificada experiência multimídia (hoje obrigatória), que evidentemente enriqueceu a narrativa com astutos pontos de contato com a realidade. Alexandre Dias, por exemplo, tem passagens pela música, como guitarrista da banda Velhas Virgens, e tem, também, o pé fincado no mercado fonográfico, por ser proprietário da Gabaju Records. Já Anderson Almeida chegou ao HQ Mix de 1999, graças a A Estranha Turma do Zé do Caixão, e passou pela publicidade através de clientes como Nike, Telefônica e Petrobrás (entre outros). É, igualmente, esse background que faz de Noite de Caça uma graphic novel de primeiro mundo – se não a primeira, uma das primeiras, nesse nível em terra brasilis. Isso sem, obviamente, mencionar a experiência de Eloyr Pacheco, o editor, que vem conduzindo a Brainstore com pulso forte, conquista atrás de conquista, buscando, além do respeito artístico, o respaldo comercial. Que a parceria perdure – pois um mercado historicamente invadido pela produção estrangeira, como o nosso, mostra que pode devolver uma resposta tão ou mais elaborada.
>>> Noite de Caça - Alexandre Dias e Anderson Almeida - 104 págs. - Brainstore Editora
 
>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA



>>> Noites de Autógrafos
* Comportamento motor - Go Tani
(Seg., 4/4, 18h30., VL)
* Parte alguma - Nelson Ascher
(Seg., 4/4, 19hrs., CN)
* Registro de imóveis - Ricardo Dip
(Ter., 5/4, 18h30., CN)
* Tocaia - Marcos Garbim
(Qua., 6/4, 18h30., CN)
* Guia do Recife - Edileusa da Rocha
(Qua., 6/4, 18h30., CN)
* Responsabilidade civil dos provedores de serviço de internet - Marcel Leonardi (Qui., 7/4, 18h30., VL)

>>> Exposições
* Exposição de Vânia Maria Vergamini Terni
(de 6 a 20 de abril de 2005, das 9 às 22hrs., CN)

>>> Shows
* Fats Waller - Traditional Jazz Band
(Sex., 8/4, 20hrs., VL)
* The Beatles and friends - Banda Liverpool
(Sáb., 9/4, 20hrs., VL)
* Espaço Aberto - Daniela Alcarpe
(Dom., 10/4, 18hrs., VL)

* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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