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Quarta-feira, 13/4/2005
Digestivo nº 222

Julio Daio Borges

>>> A LEVITAÇÃO Na exposição sexagenária de Chico Buarque, um dos mais bonitos momentos, em vídeo, é quando surgem na tela Sílvia, sua filha, e Bebel Gilberto, ambas meninas, a entoar versos de “Ciranda da Bailarina”, de O Grande Circo Místico: “Procurando bem/ Todo mundo tem pereba/ Marca de bexiga ou vacina/ E tem piriri, tem lombriga, tem ameba/ Só a bailarina que não tem (...)” Alguém poderia ter soprado maldosamente: “É daí que vem ‘O Pulso’ (ainda pulsa), criação poderosa dos Titãs...” O ano era 1983 e, seguramente por causa desse álbum (agora em CD, pela Dubas), ficaria marcado como um dos mais inspirados para a história da música brasileira – apesar da ameaça iminente do rock BR (e de suas respectivas pérolas). Nunca mais se encontraria a dupla Chico Buarque & Edu Lobo em melhor forma e o resultado, remasterizado mais de 20 anos depois, é de chorar. Mesmo para quem, na época, não pegou a coisa na infância, na adolescência ou na idade adulta. Afinal, ao contrário das produções infantis para débeis mentais de hoje, o disco é uma verdadeira obra-prima da MPB – mesmo tendo sido feito e concebido para crianças. Parece contraditório, mas não é. Basta ouvir. Só pela interpretação, das mais tocantes, de Milton Nascimento, na abertura, conferida a “Beatriz” – e pela faixa extra, contemporânea, com Tom Jobim executando a mesma canção ao piano –, O Grande Circo Místico já valeria todas as menções e todas as reedições. Mas não fica nisso, tem também: Jane Duboc (que, depois de queridinha cafona da Jovem Pan, nunca mais cantou igual); Gal Costa (irreconhecível se comparada ao seu registro atual); Simone (idem); Tim Maia (ainda inteiro e não decomposto pelo mau gosto); Gilberto Gil (nem precisa falar); e Zizi Possi (a única a manter uma certa integridade, embora poucas vezes tenha sido tão brilhante). Sem mencionar, claro, a realização primorosa dos compositores: Edu Lobo, na melhor e mais elegante tradição de Villa-Lobos e Tom Jobim, na orquestração; e Chico Buarque, quando ainda fazia letras para marcar na carne ou, então, para cravar no mármore. O Grande Circo Místico, mais do que qualquer coisa, fala por si. E qualquer adendo a respeito, que ultrapasse a sua apresentação é, decididamente, desnecessário.
>>> O Grande Circo Místico - Vários - Dubas
 
>>> MAS O QUE SÃO OS HOMENS MAUS? Quem pegasse Sergio Sá, o colunista do Correio Braziliense, de jeito, no início de março, poderia confirmar sua admiração (confessa?) pelo livro O Tolo Precário, de Wilson Rossato, lançado pela jovem editora Lamparina. E, de fato, trata-se de um bem construído romance, aparentemente policial, mas, finalmente, com uma pegada forte de crítica social. O Tolo Precário em questão é um escrevente de delegacia que, por participar, inadvertidamente, de um ato de tortura e morte de um prisioneiro da polícia, vê-se, posteriormente, enredado numa trama da qual, aparentemente, não sai. Como uma pequena mentira, pronunciada pelo canto da boca, seu envolvimento na tortura e no assassinato involuntário cresce a ponto de ele se ver, além de ameaçado de morte, vítima de disputas internas de poder – de modo que, embora tenha dividido a responsabilidade no caso com mais três colegas policiais, termina o livro sozinho, desamparado e sob o peso incriminatório da acusação. Wilson Rossato, o autor, caracteriza o tolo precário do seu livro como um personagem inexpressivo, à maneira de autômatos tão populares no século XX, como o Estrangeiro de Camus e o Winston, de 1984, de George Orwell. Não existe, portanto, grande riqueza psicológica no romance, já que os demais personagens são quase caricaturas da polícia corrupta do Brasil, e já que, pela extensão, o volume caberia no gênero novela. E, se a narrativa (razoavelmente criativa) compensa essa falha em matéria de densidade, o estilo prejudica o todo de forma considerável (ainda que não invalide a proposta). Rossato não parece decidido em termos de linguagem e adota um registro (como se diz em inglês) extremamente formal e coalhado de pronomes reflexivos, em pleno século XXI. Em algum ponto, lemos num diálogo seu: “Você o conhece?” – esse “o”, antinatural, não poderia jamais passar, de Rubem Fonseca pra cá. O Tolo Precário, enfim, é mais um esforço no sentido de se construir uma literatura brasileira nos anos 2000. Mesmo que não seja plenamente bem-sucedido, guarda méritos, como o do argumento, até que louváveis.
>>> O Tolo Precário - Wilson Rossato - 149 págs. - Lamparina
 
>>> E A BOMBA CAIU! Embora sejam abundantes no Brasil as histórias em quadrinhos, é rara a publicação que trata do gênero de forma adulta. As abordagens, em geral, quando existem, são condescendentes, no tom paternalista; ou então juvenis demais, espantando o leitor maduro; ou ainda puramente infantis, comunicando-se com crianças ou nem isso. Na contramão dessas opções tão conhecidas (ou na falta de), surgiu a Kaboom!, uma publicação da Eclipse Quadrinhos, só sobre o universo das HQs, mas, desde o primeiro número, tratando o assunto do ponto de vista histórico, respeitando o leitor e, ao mesmo tempo, não sendo demasiadamente professoral. É impressionante o que se coletou de informação para produzir um exemplar de 50 páginas, a R$ 4,90. Remetendo às primeiras manifestações, desde o homem das cavernas (literalmente), até a revolução dos mangás e dos animes, passando, claro, pelos super-heróis, pelos fanzines, pelos italianos, pelos europeus, pela contracultura e pelos brasileiros. Involuntariamente ou não, os editores Daniel Camerini e Leonardo Passos, com sua equipe, acabaram produzindo um verdadeiro guia para quem procura se orientar no mundo das histórias em quadrinhos, desde o século XIX pelo menos, e seus atuais desdobramentos, em videogame, no cinema e na computação gráfica. Desde Mandrake e Spirit até Capitão América; desde Osamu Tezuka, e sua princesa Safiri, até Sergio Bonelli, e seu popularíssimo Ken Parker; desde Betty Boop até Sandman; desde a Marvel até a Vertigo; desde Crumb até Schulz; desde Henfil até Allan Sieber. É até questionável o futuro da Kaboom!, já que ela praticamente esgotou o tema na primeira edição. O que virá depois? Cobertura do mercado atual? Discussão dos títulos em banca? Análise da evolução presente, tomando por base a forte perspectiva histórica? A reportagem de uma cena tupiniquim? A interação entre mídias? O público leitor? Daniel Camerini, Leonardo Passos e sua trupe, graças à realização muito além das expectativas, têm uma grande responsabilidade, em termos de continuidade, agora. Se for possível permanecer com essa equipe que produziu textos exemplares, logo na primeira oportunidade, o futuro da Kaboom! está assegurado – e a educação de geração de HQ-maníacos atinge novo patamar.
>>> Kaboom! (contato)
 
>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA



>>> Cafés Filosóficos
* A expansão do Universo e suas conseqüências cosmológicas
Ronaldo Eustáquio de Souza
(Qui., 14/4, 19hs., VL)

>>> Palestras
* Meus grandes predecessores - Giovanni Vescovi
(Seg., 11/4, 19h30, VL)
* A prática da Gestão do Conhecimento no Brasil e no exterior
José Claudio Cyrineu Terra
(Ter., 12/4, 19h30, VL)

>>> Noites de Autógrafos
* Turbulência cultural em cenários de transição
Neide Marcondes e Manoel Bellotto
(Seg., 11/4, 18h30., CN)
* O que é dramaturgia? - Renata Pallottini
(Ter., 12/4, 18h30, CN)
* Recantos & Requintes
(Qua., 13/4, 19hs., VL)
* Âncoras de emoções - Maria Izilda S. de Matos
(Qui., 14/4, 19hs., CN)
* Acorda, Alice! - Regina Pundek
(Sex., 15/4, 19hs., VL)

>>> Shows
* Standards - Traditional Jazz Band
(Sex., 15/4, 20hrs., VL)
* Espaço Aberto - Paulo Frugis
(Dom., 17/4, 18hrs., VL)

* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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