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Sexta-feira, 3/2/2006
Digestivo nº 264

Julio Daio Borges

>>> OS ALQUIMISTAS ESTÃO CHEGANDO Como disse Marcelo Maroldi, a moda não é mais literatura. Mas também não é mais filosofia. A moda agora é discutir física quântica. Pelo menos de acordo com o filme Quem Somos Nós? (What The Bleep do we Know?, 2005), um bobajol sem pé nem cabeça, do qual as pessoas saem achando que compreenderam, em minutos, conceitos que Einstein demorou anos para processar. Mas dá pra perceber porque essa abordagem – meio esotérica, meio paulo-coelheana – tem forte apelo na onda de “filosofia” que pretensamente se discute agora, e na de “física quântica”. É como se a ciência, com todo o seu rigor e exatidão, de repente abrisse as portas para todo tipo de especulação, para o “imponderável”, para a máxima do “tudo é possível (ou permitido)”. Acontece que o impossível não se torna possível apenas porque começamos a extrapolar em cima de conceitos ou teorias. Na verdade, nem a extrapolação mesma é permitida. Einstein – voltemos a ele, por favor – passou duas semanas provando sua teoria da relatividade, com séries de cálculos matemáticos, depois caiu de cama. Sua mulher, Mileva, também versada em matemática e física, passou dias revisando. Só, então, mudou-se o mundo. (É de Einstein que estamos falando.) Agora, no Brasil – e parece que no mundo –, todo aquele pessoalzinho que levava pau em matemática na escola, de repente, entra num documentário superficial e acha que entende as provas todas... Como pode? Como pode se, na vida real, é o mesmo pessoal que se atrapalha com porcentagens, com financiamentos no banco, com prestações do carro e da casa própria (que dirá de derivadas, integrais, cálculo diferencial e integral)? Seria cômico se não fosse trágico. A justificativa talvez fique por conta daquele monte de Ph.Ds num falatório interminável... Deveriam ter vergonha na cara. Deveriam ter vergonha de vender tão barato um conhecimento que custaram tanto para acumular.
>>> Quem Somos Nós?
 
>>> STREAM AS WELL AS CHAIN Como são cansativos os discos de música instrumental brasileira, principalmente anônima. Quase tão cansativos quanto os discos de “novas cantoras”, que aparecem (e somem) a cada semana. Pobre música brasileira: lá se vão quatro décadas desde o boom da MPB, e os ruins – mormente, os “jovens ruins” – ainda não desistiram dela... Por essas e por outras (tantas outras...) é que é sempre um alívio encontrar um disco “redondo” e que roda na vitrola direto desde o começo. Musicalmente falando. Disco assim, ou CD (ou o que quer que seja), é o Corrente, do trio Fabio Torres, Paulo Paulelli e Edu Ribeiro, pela Maritaca. Flui desde a primeira faixa, é gostosamente jazzístico (sem ser chatinho), é improvisado na medida (sem se estender demais), bem gravado e com repertório assaz bem escolhido. Claro, Tom Jobim, Pixinguinha, Moacir Santos... mas em versões que valem a pena serem escutadas. Você ouve o álbum todo e sente que, por trás da proposta, existe um conceito. Não é um caça-níqueis, querendo faturar em cima dos mestres; não é uma colcha de retalhos sem personalidade, querendo agradar a todos (e não agradando a ninguém). Corrente flui. O verbo é esse. E surpresa das surpresas: existem, entre as conhecidas, composições dos próprios intérpretes – que não querem soar “estranhos” ao contexto, nem subverter as regras do sistema. Composições que fluem igualmente. Outra coisa (outro vício que esse disco não tem): não são intermináveis as listas de “participações especiais”. Vinicius Dorin é o único, no sax alto, em “Triste”, e olha que não é nem “famoso”. Porque não adianta: enfileirar nomes consagrados, se o disco não é bom... – não leva ninguém a lugar nenhum. Ao bom ouvido não se engana. Feliz ou infelizmente. Parabéns, ainda, ao trio pelas inventivas fotos em meio a caixotes de legumes & verduras (supõe-se que partam do galpão para a feira, ou algo assim). Na contramão das cerebrais investidas de músicos e instrumentistas brasileiros, Corrente flui inegavelmente.
>>> Corrente - Fabio Torres, Paulo Paulelli e Edu Ribeiro - Maritaca
 
>>> DESAFINADO A voz do sujeito é meio ininteligível mesmo. Ele fala um inglês macarrônico – é italiano –, mas apresenta um dos melhores podcasts sobre jazz na internet, o Night Passage. Não dá pra entender (mesmo) as explicações que ele dá, sobre as faixas que escolhe, mas num podcast musical o que importa é a música, não é mesmo? E isso ele faz bem. Seu nome é Renato Biolcati Rinaldi, e ele “transmite” direto de Roma ou “Rome”. Às vezes põe a namorada dele pra falar (ao menos, parece que é a namorada...). Também não dá pra entender nada. Mas tudo bem, conforme dito aqui, não é o que importa. Afinal, se alguém precisar do nome dos artistas, dos discos e das “gravadoras”, pode encontrar no próprio site do Night Passage. A grande sacada do podcast, na verdade, é que, nesse caso específico, ele serve para mostrar que o jazz – ao contrário do que se pensava – não acabou, não. Não dá para saber onde o Renato se informa, quais são as suas fontes. Mas do seu podcast jorram informações musicais completamente novas, de jazzistas vivos e, não, mortos. De vez em quando, ele toca até música do Brazuca. Teve “Insensatez” outro dia. Anuncia outros podcasts, ou podcasters, também, dentro de sua “programação”. Por algum problema técnico qualquer, essas propagandas são... ininteligíveis (também). Como todo mundo que ouve sabe, a qualidade sonora de um podcast disputa diretamente com o tamanho do arquivo (quanto melhor o áudio, maior o MP3 e menos pessoas fazem download...). Enfim, vão encontrar outra fórmula. Para salvar sujeitos como Renato Biolcati Rinaldi do anonimato. Porque se depender do seu trabalho, ele vai acumular fama & fortuna – mas não vai conseguir cobrar os royalties depois. Não vai passar na prova de reconhecimento de voz.
>>> Night Passage
 
>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA



>>> Noites de Autógrafos
* Comércio Exterior - Ligia Maura Costa
(Qua., 08/02, 18h30, CN)
* O Vendedor Imbatível - Bruna Gasgon
(Qui., 09/02, 19h00, CN)

>>> Exposições
Exposição de Rosalina Lerner
(de 1º a 20 de fevereiro, das 9 às 22hs, CN)

>>> Shows
* Blues I - Traditional Jazz Band
(Sex., 10/02, 20hs., VL)

* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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