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Sexta-feira, 6/11/2009
Digestivo nº 439

Julio Daio Borges

>>> THE GUARDIAN CONTRATA BLOGUEIROS PARA FAZER JORNALISMO E mais um capítulo da guerra sem fim entre jornalistas e blogueiros teve lugar nas últimas semanas, com o anúncio do Guardian, um dos maiores jornais do Reino Unido (e um dos maiores na internet em língua inglesa), contratando blogueiros para produzir notícias locais a partir de algumas capitais do mundo, não exigindo mais formação, ou mesmo experiência, em jornalismo. Que a internet já vinha dando sucessivos golpes na prática do jornalismo tradicional, ninguém hoje duvida, mas que uma empresa de mídia, com sua fundação ligada a um grande jornal, reforçasse a supremacia dos blogueiros — no métier jornalístico —, ninguém imaginaria. Independente da discussão mesquinha, invariavelmente levada para o lado pessoal, o anúncio é, mesmo que simbolicamente, também um golpe sobre a afirmação de que apenas jornalistas, de papel, sabem fazer "cobertura local" — algo que, até há pouco, era, inclusive, uma justificativa para a manutenção do status quo de redações onde, como notoriamente se sabe, a maioria sequer pisa na rua, passando longas horas na frente do computador, quando não "reprocessando" press releases (para reimprimi-los no dia seguinte). E a iniciativa do Guardian vem a calhar, no Brasil, quando a poeira do fim da exigência de diploma, para a prática de jornalismo, ainda não assentou, com protestos de burocratas da profissão, que fingem não enxergar que podem estar sendo, neste momento, ultrapassados por alguém com um computador e uma conexão à internet... O Guardian vai pagar os blogueiros e uma suspeita de que estaria preparando um portal com notícias locais de grandes cidades, subitamente, está à beira da confirmação. Numa demonstração de sabedoria, a nova empresa de mídia (o "ex-jornal") deixou de competir com os impressos e se preocupa, atualmente, em garantir uma supremacia na internet (que, há anos, é mais importante que as bancas de jornal). No Brasil, contudo, ainda se lançam novos jornais de papel, e se oferecem velhos jornais a preços à la carte (quando os internautas não os querem nem de graça). Quem sabe, o Guardian ensine aos nossos jornalistas que, no lugar de ficar implicando com a blogosfera (e as mídias sociais), deveriam se aliar aos blogueiros, enquanto é tempo...
>>> Guardian Hiring Bloggers For Local News Network
 
>>> A ARTE DO ROMANCE, POR MILAN KUNDERA Philip Roth tira sarro de Milan Kundera, em A marca humana (2003), criando uma personagem que é uma típica acadêmica norte-americana, e que, entre leituras sufocantes de Hegel, idolatra o autor de A insustentável leveza do ser (como se esse livro, em seu sucesso de best-seller, transmitisse uma impressão diluída do que é a literatura). Mas Roth, igualmente, presta sua homenagem a Kundera, entrevistando-o em Entre Nós (2008), onde reúne outros escritores que obviamente respeita. A arte do romance, agora em versão de bolso, talvez sirva para mostrar que Kundera, apesar da dubiedade de Roth, entende, sim, de literatura, abrindo logo com um excelente ensaio sobre o autor do Quixote, intitulado "A herança depreciada de Cervantes". Só por esse texto, a obra já valeria a pena — na realidade, uma apaixonada defesa do gênero romance, refazendo sua trajetória desde o mestre espanhol até o século XIX, até a produção contemporânea. Kundera, por exemplo, coloca que o romance deixou de ser uma "aventura", como a do Dom Quixote que saiu pelo mundo, para se tornar um mergulho na psicologia, na intimidade, nas nossas miudezas mais profundas, a partir de Flaubert. Do épico, de quem abrangeria um império, como o espanhol, chegaríamos à atomicidade de um único dia, com o Ulisses, de Joyce, no século XX. Esse ensaio poderoso, de menos de 20 páginas, poderia ser, inclusive, desdobrado num curso, que deveria ser oferecido aos nossos romancistas pátrios, que escrevem, infelizmente, mais por intuição, e que, na maioria dos casos, não têm a menor ideia da tradição do romance nos últimos séculos. Além disso, A arte do romance reúne entrevistas de Kundera à lendária Paris Review, um discurso feito em Jerusalém, mais um ensaio sobre Os sonâmbulos, de Hermann Broch, e outro sobre Kafka, com quem divide a origem tcheca. Num tempo em que a maior defesa do romance que se pode encontrar é a de Mario Vargas Llosa, sente-se um alívio quando a evocação de velhos mestres ainda dialoga conosco...
>>> A arte do romance
 
>>> O NOVO SHOW DO U2 TRANSMITIDO PELO YOUTUBE Quem assistiu a Frost/Nixon — que basicamente trata de um entrevista com um ex-presidente "impedido" dos Estados Unidos —, deve se lembrar do quanto era difícil, há algumas décadas, vender um programa para as grandes redes de televisão. No caso, uma entrevista que se tornou histórica e que foi importante para democracia norte-americana. E quem acompanha a decadência da nossa TV abertae da nossa TV a cabo —, deve imaginar o quanto é difícil "vender" uma atração que não seja de cunho popularesco, visando culturalmente a classe "Z". Pois mesmo o U2, uma das maiores bandas de rock há algum tempo, deve ter passado por dificuldades parecidas, quando o mainstream televisivo vem ruindo e a indústria fonográfica perdeu seu poder de fogo, com as gravadoras virando pó há alguns anos. Solução: transmitir seu último show pelo YouTube. Portanto: o que inicialmente se colocou como um obstáculo, num segundo momento se converteu numa vantagem e em mais uma vitória... para a internet. Não é à toa que Bono Vox agradece, no encerramento, a Sergey Brin, um dos fundadores do Google — porque, sem essa plataforma, o U2 ficaria refém de excrescências como, no Brasil, o horário da telenovela ou do jogo de futebol. Sem contar que o espetáculo continua disponível, em altíssima qualidade, no mesmo YouTube. Graças à World Wide Web, eventos planetários aparecem em tempo real, com disponibilidade recorde, ecoando indefinidamente, para quem quiser assistir depois... Musicalmente falando, o U2 dividiu o set entre sua fraca produção na década de 2000 — Bono tem preferido fazer política (ou mesmo religião) — e os hits de outras décadas mais inspiradas, com pontos altos como "Where the Streets Have No Name" (1h49), "The Unforgettable Fire", "Until the End of the World" (1h05) e "Mysterious Ways". Enfim, como ocorre, muito frequentemente, hoje, a produção estava impecável, com o YouTube a todo o vapor e efeitos de palco impressionantes — apesar de, artisticamente, a banda parecer cansada e seu frontman se mostrar, inclusive, sem fôlego... Resumindo, o U2 pode não estar em seu auge criativo, mas, em termos de iniciativa, marcou época, como quando o Radiohead decidiu oferecer seu último disco a um preço que seus próprios fãs poderiam definir na WWW...
>>> U2 on YouTube - Live from the Rose Bowl
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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