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Terça-feira, 27/11/2001
Digestivo nº 58

Julio Daio Borges

>>> REBELDES SEM CAUSA Um dos aspectos mais notáveis de todo o quipróquo em torno da apresentadora Soninha – a que fumou, tragou e declarou – foi a perda da hegemonia de Veja para Época (não à toa sob a recente direção de Paulo Moreira Leite). Como dizem os gurus da administração moderna, vivemos uma intensa troca de paradigmas: aos domingos, a Rede Globo pelo SBT; no dia-a-dia, o jornalismo pelo “reality show”; a longo prazo, os valores estabelecidos pelo espírito de Macunaíma – o herói sem caráter – que irrompe no Brasil, de tempos em tempos. Lógico que é importante questionar as leis vigentes – ainda mais se essas não representam a sociedade que supostamente regem (quase regra no nosso País) –, mas a contestação pela contestação é coisa de adolescente, é aquela herança irredutível dos altamente idealizados anos 60. Approposito: é interessante observar como tantas pessoas – inteligentes – insistem em defender o que comprovadamente não presta. As drogas, por exemplo. Afora qualquer apologia ou patrulhamento, falando agora como “gente grande”, cientificamente se quiserem: alguém aponte algum benefício real que tenha conseguido obter a partir delas (as drogas). Ou então: algum uso – inerente a elas e só a elas – que justifique o seu consumo “socialmente”. A televisão, outro exemplo. Afirmam os sofistas: “Imagine, a ‘TV’ é puro entretenimento, não foi feita para ser levada a sério”. Numa nação continental, em que o voto é obrigatório até para os analfabetos, como tanta gente ainda insiste em subestimar o poder hipnótico da tevê? (Provavelmente superestimando a “força” da imprensa.) Francamente: numa terra governada pelo ibope, pela audiência, pela massa, pelo volume, como podem assistir às palhaçadas do filho do Senador e da Prefeita e achar que a vida segue normalmente? “Ah, mas no Primeiro Mundo é igual.” Igual, uma ova. Tirando a Itália e os Estados Unidos (vá lá), que outro país elege seus representantes exclusivamente por sua performance na “TV”? Pois é. Uma coisa é ser condescendente. Outra – bem diferente – é ir contra o “senso comum”, pelo simples prazer infantil da polêmica.
>>> O imbecil juvenil
 
>>> TE GANHAR OU PERDER SEM ENGANO O álbum laranja de Zizi Possi passou desapercebido pela imprensa e pela crítica especializada. Malgrado o pendor italiano (que há muitos incomoda), a cantora vem se consagrando como uma das grandes intérpretes brasileiras da atualidade. Para aqueles que estavam cansados de suas incursões por “Terra Nostra”, Bossa (apesar do título desgastado) chega como um antídoto à internacionalização. Sua intenção primordial é homenagear alguns grandes compositores de MPB, em ritmo de João Gilberto, mas amparada por uma produção instrumental digna das incursões anteriores (em italiano). Alcança, portanto, boas versões de Preciso Dizer Que Te Amo (Cazuza), Qualquer Hora (João Linhares), Capim (Djavan) e até a exaustivamente revisitada Caminhos Cruzados (Tom Jobim e Newton Mendonça). O cuidado excessivo das cordas e da voz aveludada, no entanto, resultam em visões açucaradas de Yesterday (a mais tocada do mundo), Sabrás Que Te Quiero (abolerada, sugerindo um próximo CD em espanhol?) e Eu Só Sei Amar Assim (quase um hino “teen” de Herbert Vianna). Zizi Possi atingiu a maturidade que lhe permite amarrar temas cujo único ponto em comum é a sua vontade de interpretá-los. Acontece que a autoconfiança também conduz grandes artistas a grandes enganos. “Bossa” equilibra-se delicadamente entre a originalidade de um ponto-de-vista novo e a mesmice de um irresistível clichê. O encarte preza o tom solene, com a prima-dona em trajes de femme fatale. Transpira um ar de lassidão e desprendimento que não combinam com a profissional detalhista, estruturando projetos e shows com o toque final do irmão talentoso, José Possi Neto. “Bossa”, em resumo, não é o esperado retorno ao Brasil. Nem a resposta definitiva ao cancioneiro latino. Logo logo, Zizi Possi vai ter de optar.
>>> Zizi Possi
 
>>> RESGATAR O SILÊNCIO É O PAPEL DOS OBJETOS Alberto Manguel, o homem d’A História da Leitura, voltou às livrarias com Lendo Imagens. O primeiro causou furor nos meios ditos “intelectuais”, mas não passava de bem costuradas citações sobre os livros e os hábitos de quem convive com eles. Sabiamente, Manguel, esse argentino fã de Borges, vende embalagens. Agora, novamente. E escolheu um tema ainda mais apelativo: a convivência pós-século XX com imagens (que, dizem, valem mais que mil palavras). Camille Paglia, em Personas Sexuais, costumava relacionar a era atual com a do Egito Antigo. Em ambas, segundo ela, havia a primazia do “olho” e do sentido de visão. Alberto Manguel, no entanto, não vai assim tão longe: divide sua obra em capítulos e procura compor “ensaios leves” sobre artistas (pintores, escultores, arquitetos e fotógrafos) que admira. Às vezes, se perde em digressões, às vezes, acerta e entretém o leitor com uma prosa agradável. Esses são o casos, por exemplo, dos textos sobre Picasso, Aleijadinho e Joan Mitchell. É um estilo que faz sucesso hoje em dia: a agilidade jornalística misturada a uma erudição de superfície, que impressiona mas que não vai além disso. Esperava-se que Manguel, digamos, ensinasse ou descrevesse ou estudasse um método qualquer de se ler imagens. É verdade que ele destrincha quadros, esculturas e fotos, porém, não estabelece um “procedimento” – perdendo-se nos meandros do subjetivismo puro. As grandes questões continuam irrespondidas. Num tempo em que se consome tanta propaganda e tanta televisão, por quê a Arte foi praticamente abandonada? Os grandes nomes morreram ou o futuro será apenas de andy warhols com estardalhaços de 15 minutos? Com a morte da História o que se fará dos grandes museus, que exigem verbas milionárias, dependendo da boa vontade de déspotas cada dia menos esclarecidos? Enquanto isso, homens que deram o tom de toda uma época ficam à espera de um momento nosso de maior iluminação. A Arte parece longa demais para os instantâneos da vida.
>>> A Imagem como Narrativa
 
>>> O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (E BEBE) Ruggero Fasano. Esse sobrenome, em São Paulo, é quase uma grife em termos de gastronomia. E por falar nisso, Fasano está “assinando” o novíssimo Forneria San Paolo, com um mês e meio de existência. Jantares e fins-de-semana lotados – à noite com uma hora de espera –, de segunda a segunda-feira. Esse é o retrato do sucesso do atual empreendimento. Para escapar da elevada procura, o maître sugere que se almoce (em dia de semana) ou que se chegue antes das 7 (leia-se 19 hrs.). Ele confessa que mora perto da rua Amauri, onde está o “Forneria”, para acompanhar o movimento, que segue até às 4 hrs. da manhã diariamente. Aliás, a partir da meia-noite, é possível escolher um “cardápio musical”, bastando para isso solicitar a lista de hits, montar a seleção e encaminhá-la para o DJ de plantão. Há basicamente um repertório de pop-rock: vai de Eric Clapton a Yes, passando por Madonna, Bee Gees e Police. O nosso homem conta que a intenção inicial de Rogério Fasano era montar uma pizzaria. E observando: o balcão longilíneo; a divisão entre os que servem e os que preparam os pratos; mais o branco, a madeira e o aparente despojamento – evocam inequivocamente uma pizzaria. Fasano, no entanto, decidiu desafiar a preferência paulistana, inovando. Montou uma gama de sanduíches, mas com massa de pizza. São o que ele chama de “Panini alla Forneria” e “Panini alla Napoli”. Os ingredientes são geralmente tomate, um tipo de queijo, um tipo de carne ou verdura. Os formatos são de baguete ou de pão sírio. Para os tradicionalistas, o “clássico” (tomate, mozarela e manjericão) ou o “pomodori” (tomate cereja, mozarela e rúcula). Para os inventivos, o “vegetariana” (berinjela, abobrinha, shitake e mozarela) ou o “carciofi” (alcachofra, mozarela e presunto de parma). Ainda assim, há pizzas (duas opções), saladas (quatro) e massas (cinco). A sobremesa inevitavelmente deve ser a banana ao forno: caramelada, assada, com sorvete de canela (uma variação do consagrado tema). O preço? Bem, lembre-se de que você está no Fasano. Independentemente de quanto custe, um dia vai chegar a sua hora de conhecer. E você vai pagar sem reclamar.
>>> Forneria San Paolo - Rua Amauri, 319 - Tel. 3078-0099
 
>>> OBRIGADO POR DESCONFIAR DE MIM Mater Dei é o novo filme dos Irmãos Mainardi. Não adianta muito vê-lo tendo em vista o colunista de Veja, Diogo Mainardi. Com um talento inegável para o articulismo e para a literatura, por quê se meter em cinema? É o que ficamos nos perguntando depois de sair da sala de um desses multiplex. Não que o longa seja ruim. Acontece que não chega a produzir nem um décimo do efeito de um livro ou coluna mais inspirada do escritor-cineasta. Deixando de lado as comparações entre a sétima e as demais artes, constata-se que Mater Dei é um filme bem feito, tecnicamente razoável. Surpreendente até, se for considerado o fato de que foi totalmente financiado por pessoas físicas, nenhuma empresa privada ou estatal. Conta a história dos próprios Irmãos Mainardi que, atrás de um patrocinador, acabam se metendo numa disputa de poder entre um juiz e um empresário. Em meio a mortos e feridos, sobra a mulher do último, que, grávida, deve sacrificar seu filho para apaziguar os ânimos do primeiro. Ela é Carolina Ferraz, que não aceita os termos do pacto sangrento e que, para proteger seu bebê, foge para a casa dos Irmãos Mainardi. Mater Dei se desenvolve a partir dessa confusão. Bem no estilo do Polígono das Secas (livro de Diogo), o filme é interrompido algumas vezes para inserir considerações sobre o próprio, usando de metalinguagem. Nesse aspecto, lembra os experimentos de Godard, limitando o envolvimento do espectador com a trama. Rompe com o esquema maniqueísta tradicional, ao mostrar que as vítimas (os Irmãos Mainardi) não são muito melhores que os seus algozes (o juiz e o empresário). Ou seja: os oprimidos julgam-se moralmente superiores, dada a sua condição, mas basta uma oportunidade para que se revelem tão desprezíveis quanto os seus opressores. É o tal adágio rodriguiano: o brasileiro, quando não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte. Uma conclusão interessante, mas Mater Dei poderia chegar ao mesmo resultado sendo menos caricato e mais sutil. De tão violento e agressivo, vai certamente espantar o público pagante. Por mais que posem de céticos e cínicos, acredita-se que Diogo e Vinícius não queiram fracassar desta vez.
>>> Mater Dei
 
>>> DIGA O SEU NOME E A CIDADE DE ONDE ESTÁ FALANDO
Alexandre Frota, de São Paulo: “Tô cansado quarto. Tô cansado da trocação de idéia. Tô cansado de tudo.”
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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