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Terça-feira, 24/10/2000
Digestivo nº 6

Julio Daio Borges

>>> SEM MÚSICA, A EXISTÊNCIA SERIA UM ERRO "Meu Vinicius de Moraes, não consigo te esquecer. Quanto mais o tempo passa, mais me lembro de você. Cadê o meu poetinha? cadê minha letra, cadê? E morro neste piano, de saudade de você." Tom canta Vinicius é um desses discos especiais que não se deve ouvir demais, senão estraga. O projeto, sob coordenação de Ana Lontra Jobim, trata da intimidade da dupla mais afinada e fecunda da música brasileira. Apesar da homenagem duplamente póstuma, o álbum não recai em obviedades e nem em oportunismo barato. Preserva as intenções de Tom, que tencionava gravar um disco só com composições de Vinicius. Estão lá, na bela voz de Paula Morelenbaum, Valsa de Eurídice, Serenata do Adeus, Eu Não Existo sem Você, Você e Eu, Samba do Carioca e Pela Luz dos Olhos Teus, dentre outras, entremeadas pelos comentários bem-humorados e pelas citações do próprio Tom.
>>> "Tom Canta Vinícius" - Tom Jobim - Universal Music
 
>>> TOUT LE RESTE EST LITTÉRATURE Miguel Sanches Neto, crítico e ensaísta episódico de Bravo, lança Chove sobre minha infância, romance autobiográfico. Depois de demolir artistas grandes e pequenos, dentro do exercício de seu ofício, Miguel sofre todo o tipo de retaliação nesse livro de estréia. Sua história, porém, é honesta e a leitura dela, absorvente. Trata do clássico conflito entre pai e filho. No caso, padrasto e filho. Um, respectivamente, bronco, trabalhador e intolerante, e o outro, letrado, revoltado e teimoso. Embora, em entrevistas, se esconda atrás de truques literários como mudança de foco narrativo, mudança de gênero ou de registro, Miguel se expõe corajosamente no livro, como só fazem aqueles que se submetem ao olhar escrutador do analista. Não temos, contudo, a obra-prima alardeada pela editora Luciana Villas-Boas.
>>> "Chove sobre minha infância" - Miguel Sanches Neto - Ed. Record
 
>>> O FILME É UMA MERDA, MAS O DIRETOR É GENIAL A Mulher e o Atirador de Facas, La Fille sur le Pont, traz o veterano Daniel Auteuil ao lado da popstar francesa Vanessa Paradis. O filme, em preto-e-branco, lança a tese de que o azar de dois perdedores solitários pode se converter em sorte, caso eles decidam andar sempre lado a lado. A direção, de Patrice Leconte, e o roteiro, de Serge Frydman, sugerem o envolvimento do casal o tempo todo, mas ele não ocorre conforme esperado. O máximo de entrosamento a que se permitem é o da cumplicidade entre o atirador de facas e o seu alvo. Típico longa europeu, aposta no relacionamento esdrúxulo entre dois destrambelhados. Relega ao espectador belos enquadramentos da Grécia e da Itália. Também algumas situações engraçadas.
>>> http://www.mcinema.com/film/?id=9670
 
>>> VÁ AO TEATRO, MAS NÃO ME LEVE Marília Pêra, grande atriz, errou a mão em Estrela Tropical. É muito provável que se realize como cantora e como sósia de Carmen Miranda (sonho que sempre acalentou), porém açucara demais no repertório e tenta conciliar compositores tão díspares quanto Gonzaguinha, Rita Lee e Leandro & Leonardo. Escorada pelo filho, Ricardo Graça Mello, e pela nora, Maria Lúcia Priolli, dilui grandes canções em interpretações homogêneas, sem personalidade, e em arranjos que lembram aquelas bandas que animam formaturas, casamentos e bailes de debutante. Nélson Motta, ex-marido e produtor lendário, devia ter palpitado mais.
>>> Teatro Renaissance - Al. Santos, 2.233 - Tel.: 3069-2263
 
>>> O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (E BEBE) O Ritz fica na rua Jerônimo da Veiga, no Itaim Bibi. Ao contrário do nome pomposo que sugere hotéis seculares no exterior, esta filial oferece primordialmente lanches e, alternativamente, alguma refeição mais sofisticada porém rápida. Em destaque, claro, os hamburguers, em suas variantes com poivre, pimenta-do-reino, e com queijo tipo gorgonzola. Dentre os pratos quentes, sugere-se a omelete com emmenthal, o penne mediterâneo e a vegetable quiche. Todos acompanham, em geral, fresh salad e/ou batatas. A disposição dos alimentos e o colorido da composição provam que ainda há restaurantes em que se come exatamente o que se vê na foto. (Para quem quiser pagar, em média, mais que R$ 20.)
>>> Ritz - R. Jerônimo da Veiga, 141 - Tel.: 3079-2725
 
>>> ARMAZÉM DE SECOS E MOLHADOS Saiu pela editora Casa Amarela, de Caros Amigos, uma edição especial sobre o MST. Desde a capa até a contra capa, a ordem é romantizar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, despertando a simpatia dos incautos. Como em todo o panfleto desse tipo, prevalece a retórica do preto-no-branco, sem nuances: ou você é a favor deles, e está ao lado das forças do bem; ou você é contra eles, e está ao lado das forças do mal. Qualquer cidadão, ciente dos truques mais básicos do maniqueísmo, percebe que há algo de podre nessa lógica, afinal nada no mundo pode ser tão simples e imediato. Afora isso, existe a confusão proposital entre os termos "sem-terra" e "MST". Quando os sem-terra promovem invasões, saques e depredações, eles não têm nada a ver com o MST; já quando engrossam as filas do movimento, entrando na contabilidade das famílias assentadas, eles têm tudo a ver com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Como se não bastasse, surge essa história do pedágio cobrado pela cúpula do movimento às associações de famílias afiliadas a eles. Contrariando Kafka, a revolução não veio, mas a nomenklatura já está aí.
>>> Caros Amigos
 
>>> O PIOR CEGO É O QUE VÊ TEVÊ O tom professoral reinou soberano no último Roda-Vida, da TV Cultura, em que se propunha discutir os 100 anos da psicanálise. Tirando um Alberto Dines ou outro, que tentou em vão abordar questões centrais (como, por exemplo, quem foi Freud), a conversa girou em torno de temas inofensivos, mantendo sempre a distância regulamentar daqueles pontos mais obscuros e controversos. Infelizmente, no Brasil, discutir é repassar a lista das verdades consensuais, pois ninguém vai ao cerne de nada, ficam pulando de interpretação em interpretação, e nunca deixam o autor falar. Como os comentadores dos comentadores, ficamos no raso, pois temos fobia a qualquer profundidade.
>>> http://www.tvcultura.com.br/
 
>>> UM NOVO OLHAR SOBRE O COTIDIANO A Mostra Internacional de Cinema está aí, de 20 de outubro a 2 de novembro, para quem for estudante, para quem estiver com as tardes desocupadas. Divergências à parte, a exibição de Entrevista com Fellini, justifica toda e qualquer objeção (que possa haver) ao evento. Um documentário. Um encontro com o homem, não com o mito. Um encontro com Frederico Fellini, que passou boa parte de sua vida no set de filmagem, numa sucessão de obras-primas que desafia qualquer cineasta de qualquer idade: A Estrada; Noites de Cabíria; A Doce Vida; 8 1/2; Satyricon; Amacord. A câmera do documentarista entra, indiscreta, interrompendo Fellini no meio de uma cena, no meio de uma edição, no meio de um devaneio despropositado. Frederico, no entanto, recebe a todos, sempre com boa vontade, sempre com um comentário espirituoso, sempre com a paciência de quem explica a uma criança o bê-á-bá. Sozinho em suas realizações, é provavelmente assim que ele nos enxergava.
>>> http://www.uol.com.br/mostra/site24.htm
 
>>> ALÉM DO MAIS Pelé é outro desses gigantes que não cabem em nenhum lugar. Assim como não merece a bossa-nova, o Brasil também não merece o seu rei Pelé. Como um anjo negro, ele conquistou vitórias e glórias sem precedentes na nossa história. Sofreu, no entanto, aqui dentro, suas maiores derrotas: seja na política; seja na exposição de sua vida privada; seja, até mesmo, no esporte. Agora, aos sessenta anos, descobriu o elixir da juventude eterna, desafiando as ciências (no nosso tempo sempre tão incontestáveis). Moralmente deixou um legado de igual porte, dada a sua humildade, dada a sua pureza (por vezes, satirizada), dado o espírito de equipe que os colegas do Santos não cansam de lembrar.
>>> http://www.pele.net/pele60anos/index.htm
 
>>> VIVER NÃO É PRECISO Veja diz que faz a radiografia da internet brasileira. O que isso significa? Números, números e mais números. Potencialidades, possibilidades, projeções. A internet só será alguma coisa no Brasil quando deixar de ser fetiche, e cair na rotina do usuário. Como, por exemplo, a televisão, que, por pior que seja, ainda é hábito. Aliás, é comum a comparação entre os dois meios. Na reportagem, fala-se em audiência de sites, como se o monopólio das redes de televisão pudesse ser refletido ali, no mundo virtual. A internet, no entanto, tem uma vocação mais plural, permitindo a sobrevivência de iniciativas independentes (coisa que vem se extinguindo no universo dos canais de televisão). A manutenção disso tudo, todavia, permanece uma incógnita. Embora todos apostem.
>>> Veja
 
>>> MINHA PÁTRIA É MINHA LÍNGUA
"Foi depois daquela conversa, que eu pude refletir, que eu pude perceber, que a gente era, muito mais, um casal, tipo assim, pá-pum."
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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