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Quarta-feira, 6/3/2002
Digestivo nº 71

Julio Daio Borges

>>> BOEMIA, AQUI ME TENS DE REGRESSO É do ser humano, desprezar a felicidade quando ela se manifesta, diagnosticando-a depois, quando os rastros de sua passagem já quase se apagaram. Aconteceu de novo. E não faz muito tempo. Foi do meio da década de 1990 para o final. No caderno Fim de Semana, da Gazeta Mercantil. Sim, nós “éramos” e não sabíamos – como na frase clássica. Líamos, às sextas-feiras, Daniel Piza, Luís Antônio Giron, Marcelo Rezende, Gabriel Priolli, Sonia Nolasco, José Onofre e até – sonho? pesadelo? alucinação? – Ivan Lessa. Todos, absolutamente todos, no auge. Aquilo era “no auge” para nós. Nós que tínhamos de varrer ratos (de verdade) do Pasquim, carunchos (e seborréia) da Senhor, mofo (e umidade) do Correio da Manhã – apenas para formar uma parca idéia do que quer que fosse “jornalismo cultural”, essa coisa. [Cenumlembra? Celembra! Cenumlembra mesmo? Celembra, claro que celembra...] A “Gazeta” já derivava, como um barco. O problema é que eles estavam fazendo Aquilo Tudo – e nós não podíamos e não queríamos acreditar. Era charme, puro charme. Pensávamos. Pior que não era. Foi-se. E o mundo ficou ruim de novo. [Mas a nota não era para ser fúnebre.] O fato é que um dos últimos super-homens, que arrastou aquele mastodonte até o seu suspiro derradeiro, Luís Antônio Giron, fazendo reportagens sobre-humanas em condições subumanas, está de volta. Não no embrulha-peixe, é lógico. Melhor, muito melhor. Está dividindo o que sabe (um pouco Daquilo Tudo) conosco. Sim, com nós. Giron está em cartaz na Eca/Usp, com “Do Diletantismo à Maioridade: a Ópera e o Teatro nos Folhetins”. Sempre às segundas-feiras. Vai percorrer as veredas da história da crítica musical do Brasil – e nos chama para se juntar ao seu bando. [Ah, agora celembrou.] A aula inaugural está marcada para o próximo dia onze. Nós temos um encontro. A inteligência será vingada.
>>> "Do Diletantismo à Maioridade: a Ópera e o Teatro nos Folhetins" - Luís Antônio Giron - 2as. feiras às 19h30 - ECA/USP - Inscrições: 3091-4089
 
>>> BROTHERS GONNA WORK IT OUT Com a desintegração do Prodigy, os Chemical Brothers reinaram praticamente soberanos, no mainstream palaciano da música eletrônica. Dado o approach mais pop do atual “Come With Us”, CD lançado no Brasil ao final do ano passado, a dupla de DJs Tom Rowlands e Ed Sinions teve de encarar a concorrência de grupos egressos – quem diria – do rock. (O Radiohead, de “Kid A” e “Amnesiac”, é um exemplo de conjunto que abandonou as palhetas e baquetas em prol de displays e potenciômetros). Essa aproximação porém era de se esperar. Ao menos pelo lado dos Chemical Brothers, que já haviam flertado com integrantes do Oasis, do New Order e, mais recentemente, do The Verve. “Come With Us” faz jus ao legado de “Exit Planet Dust” (1995), “Dig Your Own Hole” (1997) e “Surrender” (1999), embora muita gente boa já veja sinais de acomodação e uma certa queda pelas fórmulas fáceis. Num primeiro sobrevôo, é sensível que a dupla ainda pulsa, que a grandiloqüência marca presença (violinos na abertura), e que a construção se sustenta ao longo de uma dúzia de incursões sonoras. Não é pouca coisa. A decadência, se imiscuída em alguma parte, todavia não se manifesta no quadro geral. Os Chemical Brothers ainda convencem e embalam corpos e cabeças pelo mundo. Estão mais melodiosos que rítmicos, mas isso não chega a ser um pecado. Nessa linha, são emblemáticas: “Star Guitar” (o título endossa o propósito harmônico); “My Elastic Eye” (emendando fagulhas de caixinha de música); “The Test” (genuinamente uma canção, por isso, vai ver, o nome). Talvez como disc-jóqueis eles tenham se cansado de montar quebra-cabeças, e tenham partido para um negócio mais complicado chamado “composição”. Quem torceu o nariz, que ouça mais uma vez. Quem nem sabe o que é, que ouça também.
>>> Come With Us - The Chemical Brothers
 
>>> A MAN IN FULL Tom Wolfe é um homem de seu tempo. É o que atesta a coletânea de ensaios “Ficar ou não ficar”, lançada pela editora Rocco em 2001. Mas o que significa essa sintonia com a própria época, no caso de um jornalista e escritor? Significa mergulhar no que o próprio Wolfe chama de “carnaval da vida americana hoje”, sentindo “a realidade, o pulso da fera humana”. É uma lição que, na verdade, deveria se alastrar por todos os meios “intelectuais” (Wolfe detesta o termo e a classe que ele designa), como uma chama libertadora. O autor de “A fogueira das vaidades” percebeu, antes de muita gente, que foi instalada uma muralha da China entre as classes “letradas” e as “iletradas” de seu país. Isso gera um impasse: os habitantes do “mundo literário” repudiam quem está de fora, sob o argumento de que essas pessoas “não lêem” (ou não mais o fazem como faziam antes); já os considerados (ou assumidos) “illettrés” ignoram solenemente os escrevinhadores de seu tempo (o agora), pois esses afastaram-se demais da realidade vivida no século XXI. Os primeiros praguejam contra os últimos, fechando-se cada vez mais em seus gabinetes, e em masturbatórias homenagens aos seus cânones; os últimos, como era de se esperar, voltam-se para o dito “entretenimento”, que atualmente se traduz por cinema, televisão e seus derivados. A tese de Tom Wolfe (pré-11 de setembro, deve-se assinalar) é a de que: ou os escribas entram de cabeça no universo de 270 milhões de americanos, ou estarão condenados a fossilizar-se ainda em vida. Por isso, aborda – ao contrário de seus pares – assuntos como internet, semicondutores e neurociência com uma intimidade e um entusiasmo absolutamente surpreendentes para um sujeito de quase 70 anos. Usando, como sempre, sua deliciante e irresistível prosa. “Ficar ou não ficar” é simplesmente imperdível para qualquer bípede implume, no presente estágio da chamada “evolução”. O primeiro ensaio, sobre o ano 2000, é antológico e merecia circular como aquelas mensagens apócrifas pela Web. (Pagar-se-ia um tributo extremamente pertinente à sua causa, que futuramente se provará vitoriosa.)
>>> Ficar ou não ficar - Tom Wolfe - 260 págs. - Ed. Rocco
 
>>> O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (E BEBE) Alex Atala é um gênio da alta gastronomia. Ponto. Todas as demais considerações a seu respeito são meramente acessórias. Capitaneando o D.O.M. desde 1999, esse chef não tem nada a esconder e explica com palavras escolhidas o que considera a razão de seu sucesso. Atala conta que, durante a infância e juventude, nunca apresentou nenhuma aptidão especial. Até ir-se para a Europa. Lá, meteu-se a cozinhar e terminou passando 6 anos em estágios e empregos pela França, pela Bélgica e pela Itália. Os franceses lhe revelaram sua disciplina quase militar, transmitindo os rigores da técnica. Os belgas não se mostraram muito diferentes dos franceses. E os italianos, apaixonados, legaram-lhe o gosto pela experimentação e as lições de quem se dedica aos que afetivamente lhe são próximos: a família, cuja figura central é sabidamente “la mamma”. Assim, talvez, se explique a importância que Alex Atala dá às reações e aos sentimentos de seus clientes, quando eles entram em contato com os seus pratos. Não há o que dizer sobre eles, são perfeitos. E é exatamente isso que esse jovem mestre procura, tão logo lança um novo cardápio: nenhuma descrição pormenorizada, apenas o mais puro êxtase. Como bem coloca, o sabor e o cheiro são intransmissíveis por qualquer meio, requerendo presença física (paladar e olfato, mais precisamente). Portanto, aconselha: se alguém quer conhecer Alex Atala, deve provar de sua comida – que é o que ele faz melhor. Não tem a menor intenção de mudar, expandindo-se ou desdobrando-se por outras mídias – seu negócio é cozinhar mesmo. Acontece que, além dessa habilidade extraordinária que lhe permitiu tomar de assalto a cena brasileira, estabelecendo-se com a autonomia de um artista de vanguarda, Atala é carismático e possui um conhecimento enciclopédico, não só de cozinha internacional, mas de pratos genuinamente brasileiros (dentre esses, estão os mais de 300 que lançou em dois anos praticamente). Qualquer conversa com ele se transforma numa aula, dada a erupção de ingredientes, receitas e temperos. Logo, é natural que se lhe peça a transmissão urgente de uma bagagem que só ele tem. O tempo urge. Seus discípulos e admiradores também. Resumindo: a visita ao D.O.M. é eminente. Afinal, é nosso dever asseverar que Deus continue Ótimo e Máximo, sempre. Amém.
>>> D.O.M. by Alex Atala - R. Barão de Capanema, 549 - Tel.: 3891-1311
 
>>> BEAUTY DOES THAT TO ME An Affair to Remember. A capa do DVD e a tradução em português (“Tarde Demais para Esquecer”) não inspiram muita confiança. [Oh, não, mais um romance água-com-açúcar para consolar corações partidos ou para iludir moças solitárias.] E, realmente, os primeiros dez minutos do filme repetem (ou dão início) a, mais ou menos, um milhão de fórmulas que conhecemos para o gênero: era uma vez um galã namorador (Cary Grant) que, enfastiado depois de tantas conquistas, conhece, num barco, a mulher de sua vida (Deborah Kerr); ela é inteligente, desafiadora e não dá a menor bola para a sua fama de garanhão, conclamando-o ao desafio; ele apela para todas as armas que antes funcionavam (de um dom-juanismo barato) e, ao constatar que não têm nenhum efeito sobre ela, uma garota um pouco mais sofisticada, desiste, dando lugar à amizade; e, aí, então – como que por encanto – os dois se apaixonam; só resta um problema: ambos, antes de embarcar, tinham se comprometido (com outras duas pessoas) para casar. É preciso, porém, lembrar que, como disse Camus, todas as histórias já foram contadas. A única coisa que nos resta, portanto, é contá-las de uma maneira nova. Eis o grande charme de “An Affair to Remember”. Não é propriamente um ovo de Colombo hollywoodiano, mas comove, aqui e ali, graças a algumas sacadas de Leo McCarey (o diretor). Como não se deixar levar, por exemplo, pela aura miraculosa que envolve uma tarde no mediterrâneo, quando Cary Grant resolve apresentar Deborah Kerr à sua avó, sensível, sábia e arguta, a primeira a anunciar, sutilmente, que ambos haviam nascido um para o outro? Como negar inteligência, outro exemplo, à cena do primeiro beijo em que, numa escada, os dois amantes se enlaçam, mas sem que a platéia possa vê-los, deduzindo tudo pelo movimento de pernas e pés? Tudo bem que, da metade para o final, o longa perde o ritmo, e a espera entedia um pouco (afinal de contas, já sabemos de antemão como vai acabar). Mas vale à pena. O desfecho é o tal, com chave de ouro; e até com chave de lágrimas (se nos é permitida a metáfora), feito para desmontar moçoilas mais suscetíveis. Assim foram os anos 50. Os mesmos que consolaram o mundo.
>>> An Affair to Remember
 
>>> AUGUSTO SÉRGIO STRIKES AGAIN

Sérgio Augusto quer nos matar do coração antes dos 30. [Ele falou pra mim.] Desta vez, citou o Digestivo Cultural na sua coluna do Pasquim21 (edição desta semana, número 3, página 4), dizendo mais ou menos assim:



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>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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