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Quarta-feira, 27/3/2002
Digestivo nº 74

Julio Daio Borges

>>> A SUPREMA AMBIÇÃO É NÃO TÊ-LA Lula esteve no centro do Roda Viva. O programa, supostamente reformulado por Carlos Alberto Sardenberg, já recebeu os presidenciáveis José Serra, Anthony Garotinho e Ciro Gomes. Independentemente das perguntas feitas e das respostas dadas, a vitória de Luís Inácio Lula da Silva hoje soa tão ameaçadora quanto o possível ingresso de Paulo Coelho à Academia Brasileira de Letras. Ambos são azarões; cada qual no seu domínio. O primeiro, desmoralizado por três eleições das quais saiu perdedor. O segundo, antigamente combatido, atualmente ignorado por qualquer resquício de crítica literária séria no planeta. E isso não é querer desfazer do homem Lula: provavelmente bem intencionado (por isso ingênuo); dono de uma experiência de vida legítima (ainda que de uma ignorância administrativa plena); representante autêntico do que se convencionou chamar de “trabalhador” (embora ele próprio, efetivamente, não o seja há tempos). Acontece que a presidência do Brasil – malgrado os que já passaram por ela – é um pouco mais complexa que esse concurso de misses em que se converteu o pleito. É preciso mais que simpatia e covinhas na bochecha: é preciso saber falar português. É preciso mais que boa vontade e disposição política, para encarar artigos e incisos: é preciso conhecer a distância entre a teoria e a vida (como ela é); e saber que constituições, como leis, não “pegam”. É preciso mais que alianças de volta-ao-mundo, em que os fins não justificam os meios (nem os 50 [+1] %): é preciso saber que há outros cargos executivos, evidentemente de menor prestígio, à espera de quem tiver humildade e hombridade para assumí-los. Os verdadeiros salvadores da pátria, que erguem o Gigante todos os dias, não despacham (nem nunca despacharão) do Planalto.
>>> Eleições históricas - Luiz Inácio Lula da Silva
 
>>> BROTHERS GATHER ROUND O pop inglês tem as suas lendas – e convém à indústria do disco alimentá-las – não obstante, é certo que existe um sujeito chamado Alan McGee cujo toque está muito próximo ao de Midas. Diz a História que, de sua gravadora, a Creation, saíram nada-mais-nada-menos que: The Jesus And Mary Chain, Primal Scream, Teenage Fanclub, My Bloody Valentine e uns irmãos cabeças-redondas que emulavam Beatles... sim, o Oasis. Na verdade, foi por causa deles que a Creation se projetou; e foi por causa deles que Alan McGee achou por bem encerrar suas atividades. De repente, o planeta inteiro ficou pequeno demais para os egos dos irmãos Gallagher, e de seu descobridor. Desde 2000, porém, isso tudo é página virada. Nesse ano, McGee fundou a Poptones e voltou à atividade que o consagrou: a de caça-talentos. Agora, em 2002, a Trama desencaixota a primeira safra de rebentos: Technique, Cosmic Rough Riders, Outrageous Cherry, The Montgolfier Brothers, January e El Vez. Cada qual com uma ficha técnica, um curriculum vitae e uma proposta sonora que merecem atenção exclusiva. Não seria injustiça, no entanto, tomar por base o Cosmic Rough Riders e, pelo momento, extrapolá-lo como exemplo da “estética” Poptones. Escoceses de Glasgow, são o caso mais bem sucedido do atual empreendimento de Alan McGee. Na abertura, misturam climas orientais com gaitas de foles, sugerindo um psicodelismo que acompanha o projeto gráfico. Centram-se, contudo, nas cordas e num vocal que lembra... [R.E.M.? Neil Young? Hoodoo Gurus?], apostando na familiaridade e no inconsciente. “Baby, you’re so free”, “Sometime”, “The loser”, “You’ve got me” e “Morning sun” – provocam a sensação do eu-já-vi-isso-em-algum-lugar. Será mesmo? Ainda que seja, McGee prova com a Poptones que tem lá seus truques na manga. O futuro, de qualquer jeito, acena para ele. E a Trama põe o Brasil na rota.
>>> Cosmic Rough Riders
 
>>> AMAMOS, VIVIMOS Y ENTENDEMOS Carnaval de paulista. Assim se costuma evocar a pujança plástica que toma conta da cidade, nesta época de Bienal e da celebração dos 80 anos de Modernismo. Quem torce o nariz para a contemporaneidade (em cartaz no edifício de Oscar Niemeyer) não tem, no entanto, razões para deixar de visitar toda a arte do século XX, em cartaz no Mam. Provavelmente as duas maiores coleções privadas de obras da América Latina (e do Brasil) estão expostas nas salas do Museu de Arte Moderna de São Paulo. São elas: a Colección Cisneros (136 itens [52 artistas], de Patricia Phelps de Cisneros, que comanda a Fundação de mesmo nome, com curadoria de Ariel Jiménez) e a Coleção Nemirovsky (62 itens [26 artistas], de José e Paulina Nemirovsky, com curadoria de Maria Alice Milliet). Na primeira, denominada “Paralelos”, o sentido é o de uma escavação arqueológica: principia-se pelo fim, pela aurora do século XXI, e caminha-se para a arte do pós-guerra, da virada dos anos 40 para os 50. Destacam-se a seqüências, quase didáticas, de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape; bem como os “clássicos” Piet Mondrian, Max Bill e Jac Leierner. Na segunda (aquela constituída pelo médico e empresário José Nemirovsky), denominada “Espelho selvagem”, tem-se um conjunto que se concentra entre as décadas de 20 e de 60. Num arranjo cronológico, ressalta a transição do figurativismo para a forma geométrica, em belos quadros de Alfredo Volpi, Cândido Portinari, Emiliano Di Cavalcanti, dentre tantos outros. Horas e ares, os mais agradáveis, aguardam o visitante. A “folia” paulistana fica, portanto, à espera, também no Mam. Provando, quem sabe definitivamente, a tese de Patricia Cisneros: a América Latina tem, sim, civilização tipo exportação.
>>> Mam - Parque do Ibirapuera (portão 3) - Tel.: 5549-9688
 
>>> O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (E BEBE) “Você sabe o que é Montagu?”. Com essa pergunta enigmática, Maria Victoria de Oliveira e Rodrigo Leal convidam a clientela para uma taça de vinho em seu bistrô, de mesmo nome, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. John Montagu, ou Lord Sandwich, foi o inglês, que no século XVIII, colocou um pedaço de carne entre dois pedaços de pão (porque era jogador inveterado e não queria abandonar as rodas), e que acabou entrando para a História. Maria Victoria e Rodrigo, no Bistrô Montagu, combinaram, portanto, duas linhas aparentemente inconciliáveis: a dos pratos (à francesa e à italiana) e a dos sanduíches (à inglesa e à americana). Foram mais que bem sucedidos na iniciativa: conquistaram tanto a ala dos apreciadores da alta gastronomia, quanto a dos entusiastas da cozinha rápida (conforme atestam os jornais e revistas do Rio). O espaço se divide em dois ambientes: um interno (requintado e aconchegante, como deve ser um bistrô); e um externo (mais despojado e descontraído). O cardápio prima não só pelas especialidades da casa, mas também por aperitivos, entradas, saladas e sobremesas impecáveis. Os destaques ficam por conta das Ostras ao Prosecco, do Carpaccio de Atum e da Salada do Bistrô (para começar); dos sanduíches Montagu ou Provençal, do Magret de Pato e do Pavê de Peixe (como prato principal); da Terrine ou do Fondant de chocolate, fora as Pêras grelhadas (para terminar). Todos com a assinatura da chef Maria Victoria e de seu marido Rodrigo, que também cuida do cardápio de drinques e da bem escolhida trilha sonora. Como se vê, São Paulo não tem mesmo do que se gabar. Se o Rio de Janeiro ultimamente já vinha dando aulas de urbanidade à capital paulista, agora dá também aulas de gastronomia.
>>> Bistrô Montagu - Condado de Cascais - Av. Armando Lombardi, nº 800, lj. 100-C - Tel.: (21) 2493-5966 - Barra da Tijuca - Rio de Janeiro
 
>>> THE PERFECT SERVANT Ter Robert Altman como cineasta hoje em dia é um luxo só. O homem não dá a mínima para coisas como a “viabilidade comercial” de seus filmes; despreza solenemente o público (que majoritariamente não o entende); persiste num ideal de “independência artística” (suicida e acintosa, ante a política dos grandes estúdios). Sobrevive graças à condescendência da indústria; a mais absoluta veneração da classe artística; o deslumbrar premeditado dos críticos; a curiosidade mórbida da audiência (que não cansa de se ver ridicularizada na tela grande). Essa aparente tranqüilidade, e até uma certa bonomia (que o permite produzir), terminaram conduzindo-o ao mar da acomodação. “Gosford Park” persiste no virtuosismo estético, na máxima de que Deus está nos detalhes, e na maestria do “timing”. Mas não vai além. É um mero exercício de estilo. Uma prova de que o velho capitão ainda continua no vigor de suas habilidades. Não convence, porém, aqueles que esperavam dele um passo adiante. Sim, são boas as tiradas sobre os ingleses (esnobes) e os americanos (mundanos). Claro, o diretor espreme o “cast”, extraindo de cada qual performances memoráveis (de quinze minutos cada). E, óbvio, a trama se fecha engenhosamente (apesar de desandar do meio para o final). “Gosford Park”, enfim, não compromete. Ao mesmo tempo, não acrescenta nada à cinematografia de Robert Altman. Ironicamente – ou não – conceder-lhe-á um Oscar.
>>> Gosford Park
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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