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Quarta-feira, 19/6/2002
Digestivo nº 86

Julio Daio Borges

>>> VIVENDO E NÃO APRENDENDO Existe uma turma que não se cura nunca da nostalgia dos anos 80. É um pessoal que continua ouvindo rock, apesar das injunções do gosto popular (no Brasil) e da música eletrônica (no exterior); gente que prega a hegemonia da “cultura pop”, desde que circunscrita aos estreitos limites do Nevermind (do Nirvana) e do Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (dos Beatles); pessoas muito capazes – é bom que se diga – mas que repetem modelos de, no mínimo, 10 anos atrás, fixando suas bases na subliteratura de Nick Hornby (Alta Fidelidade), no jornalismo teenager da Bizz (Celso Pucci et alii), e no público videota da MTV (VJs incluídos). Essas coisas fazem todo o sentido quando se tem 15 anos; mas nenhum sentido quando se tem 30. Nada disso implica em dizer que a revista Zero não seja um projeto bem realizado e até legítimo. Mas – lamentamos informar – não vai mudar o mundo. A “cena” que Luiz Cesar Pimentel e Alexandre Petillo pretendem ressuscitar faz parte de uma época – por definição – morta e esquecida. Foi doce viver aqueles anos, entre 1979 e 1990, mas o máximo que se pode empenhar, em termos de homenagem, é o tempo de um testemunho ou o registro pontual de aventuras púberes. Não adianta, duas décadas depois, embarcar numa sessão de Capital Inicial, John Lennon, Metallica e Ira! (apenas para ficar nas reportagens, entrevistas e críticas do número dois da revista). Claro, os textos são muito acima da média (superando até os temas escolhidos), a palavra não é concedida a amadores e sim a especialistas e, para completar, a programação visual é moderna e “competitiva”. Acontece que ignorar a internet, a pirataria e o terrorismo, hoje em dia, para sucumbir a uma alienada cápsula do tempo, pode até render algum dinheiro, mas não acrescenta nada ao que já foi feito e visto. As frentes de batalha agora são outras.
>>> Revista Zero - Editora Lester
 
>>> TENHO MAIS DE 20 ANOS Quem viu Pedro Camargo Mariano cantando More Than Words e Samurai, no colégio, ou então quem acompanhou sua trajetória por festivais universitários, como o Fest Valda, ou ainda quem o assistiu em aparições pela mídia, sempre à beira do estrelado, agora pode confirmar todos esses presságios. A sua hora, enfim, chegou, e se chama “Intuição”. Trata-se do segundo CD de Pedro Mariano pela Trama (o primeiro foi “Voz no Ouvido”). Todos esses anos de preparação e cuidados, para construir um artista sólido e refinado, finalmente, estão rendendo frutos. Agora não é mais o filho de Elis Regina e de César Camargo Mariano; agora não é mais o irmão de João Marcelo Bôscoli, o dono da gravadora. Agora, pela primeira vez quem sabe, é o intérprete digno de toda essa linhagem, que aflora, em trajetória própria, apesar da produção sempre indefectível e impecável. Além do pai (que figura como arranjador e produtor) e além do irmão (que figura como produtor executivo), Pedro conta com o parceiro Otavio de Moraes (também produtor, compositor da faixa título e tecladista), uma base sólida de instrumentistas (Chico Pinheiro, na guitarra, Marcelo Mariano, no baixo, Marco da Costa, na bateria, e Laércio da Costa, na percussão, dentre outros), alguns convidados especialíssimos, como Zélia Duncan (dividindo “Você Vai Ver”, de Tom Jobim) e Marcos Suzano, e até os multiplatinados Mike Stern, Dennis Chambers e Lincoln Goines, referendados pelo jazz de Miles Davis. Mas o ouvinte não deve se impressionar pela “entourage”, pois quem dá unidade ao disco é, definitivamente, Pedro Mariano; partidário do funk e do soul, muito antes da estética Trama. Se ele não estourou na primeira leva, que tinha Max de Castro, certamente o fará agora, junto a Jair de Oliveira, pois de “Intuição” sopra também o frescor do novo.
>>> Intuição - Pedro Mariano - Trama
 
>>> UM PARALELEPÍPEDO Heidegger afirma que Nietzsche só pode ser entendido a partir dos escritos que deixou inacabados. Se alguém quiser compreender o método de Kafka, tem de inevitavelmente passar pelos capítulos que ele escreveu mas não quis acrescentar (a O Processo, por exemplo). O mesmo se dá em relação a Nélson Rodrigues. Diante do lançamento de “A Mentira” (romance) e “Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo” (consultório sentimental), a crítica tem sido unânime em considerar o acontecimento desimportante, por se tratar de obras “menores” do autor. Acontece, porém, que nenhum escritor será devidamente assimilado se não estiver representado em todos os seus momentos: os bons e os não tão bons. Na verdade, a ausência de Ruy Castro (estóico organizador da obra do Anjo Pornográfico) no prefácio, já dava sinais de que os resenhistas refugariam, em conjunto, o material inédito. De qualquer jeito, e isso ninguém tasca, o “pior” Nélson Rodrigues é sempre largamente superior ao melhor nome que se puder evocar nas prateleiras das livrarias do tempo presente. “A Mentira”, para que se tenha uma idéia, é um primor de realização folhetinesca; obviamente desestruturada, afinal não foi pensada para sair em livro, mas, de qualquer jeito, plena em requintes verbais e achados do falar carioca dos anos 40. Fora que: ora reflete as obsessões rodrigueanas (as taras no núcleo familiar, as tensões que explodem tragicamente, o mundo pequeno-burguês das aparências); ora antecipa elementos que surgiriam posteriormente nas peças do grande dramaturgo. Já em “Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo”, Nélson Rodrigues põe em prática a sua filosofia do amor; disfarçado sob o pseudônimo de Myrna, aconselha as leitoras inconsoláveis que escrevem para o Diário da Noite. Desfila conceitos como o da eternidade no amor, a irracionalidade (e o descontrole) do sentimento, a necessidade de se anular (como personalidade) para alcançar a felicidade conjugal, etc. Não é, logicamente, uma novidade para quem já conhece; mas certamente uma recompensa, para quem quiser descobrir algumas das páginas mais profundas publicadas pelo embrulha-peixe.
>>> A Mentira | Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo - Nélson Rodrigues - Companhia das Letras
 
>>> SHOO-RÁS-KO A gastronomia brasileira já tem os seus embaixadores nos Estados Unidos. Concorrendo de igual para igual. Os irmãos Coser e Ongaratto, da churrascaria Fogo de Chão, estão fazendo a América desde 1997, com filiais em Dallas, Houston e Atlanta. Na terra do Tio Sam, já estão entre as dez principais “steak houses” do país, embora no Brasil mantenham a discrição e modéstia dos quatro gaúchos que chegaram a São Paulo, em 1984, para vencer. E venceram. Quem diria que um projeto inaugurado em 1979, no bairro Cavalhada, de Porto Alegre, a partir da tradição dos tropeiros do Sul (que armavam a fogueira num buraco, assando as peças em volta), de repente, se espalharia por todo o continente (com a ambição de se expandir também pela Europa)? Arri Coser, um dos quatro cavaleiros do Fogo de Chão, credita esse sucesso à qualidade dos alimentos comercializados (eles possuem acordos diferenciados com fornecedores e frigoríficos) e à persistência num mesmo tipo negócio, justo numa época em que a diversificação, imposta goela abaixo, fez com que a concorrência perdesse o foco. De fato, na capital paulistana, o Fogo de Chão virou sinônimo de rodízio, e de churrasco; apesar dos arrivistas de sempre, e até de outras casas anteriores a eles, a consagração ainda é unânime. Coser não sente, tampouco, que a “abertura”, para a importação, tenha atrapalhado os seus negócios (alegação bastante comum entre os donos de restaurante); pelo contrário: esse movimento foi responsável pelas bases hoje fixadas nos EUA (se a globalização ocorreria de qualquer modo, por que não tirar dela o maior proveito?). Além dos cortes conhecidos por todos (picanha, alcatra, maminha, fraldinha, filé mignon, bife ancho e ponta de agulha), o Fogo de Chão oferece um completo buffet de saladas, uma grande variedade de bebidas e uma boa gama de sobremesas. Sem contar a atenção e a educação excepcional de maîtres e garçons. É natural escutar o portunhol, de argentinos e sul-americanos entusiasmados, e o inglês, de turistas os mais diversos. A diferença está em saber que o português também está sendo levado para lá, para outras paragens, por Coser e Ongaratto. Nem só de Itamaraty vivem as nossas embaixadas.
>>> Fogo de Chão (Brasil) | Fogo de Chão (fo-go dèe shown, EUA)
 
>>> WONDERFULLY-MAINTAINED Infidelidade. Com Richard Gere. Ato contínuo, pensamos no galã de Pretty Woman (1990) fazendo das suas, pulando a cerca no casamento. Caímos do cavalo, no entanto, porque o traído, dessa vez, é ele; e a “traidora”, Diane Lane, uma loira enxutona que fez, dentre o que podemos lembrar, Chaplin (1992) e The Cotton Club (1984). A idéia é a seguinte: mulher atrasada para o trabalho, num dia de extrema ventania, tromba com um livreiro, em plena Nova York, machuca o joelho, sobe para fazer um curativo e – como diria Machado – ... O dono do apê é um francesinho de menos de trinta anos, o sonho de consumo das quarentonas que freqüentam o Soho. Para completar, tem um apelo irresistível, trocando de namorada a cada semana. Tudo às mil maravilhas nos primeiros encontros: mentirinhas esparsas, longas horas de prazer, sentimento à flor da pele, cabeça nas nuvens, perdição no tempo e no espaço. De repente, porém, a realidade chega para prestar contas; a vida cobra o seu preço. Alto demais no caso do filme, tornando-o desnecessariamente trágico e jogando fora todo o “appeal” inicial. Para resumir a ópera: o marido, Richard Gere, resolve seguir os passos da esposa, acaba descobrindo o que já estava óbvio e... termina num duelo de vida e morte com o sedutor da França. Basta ter em mente que Adrian Lyne, o diretor, foi o mesmo que se consagrou com Atração Fatal (1987) e Nove e Meia Semanas de Amor (1986). O homem sabe registrar cenas de pura irresponsabilidade e, em seguida, de arrependimento amargoso. Tudo bem que a originalidade passe longe, no que se refere a Infidelidade, e que ele não pareça muito disposto a inventar uma nova fórmula. Vale, contudo, para quem quer se abanar – de calor – ainda no embalo do Dia dos Namorados.
>>> Infidelidade
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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