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Quarta-feira, 7/8/2002
Digestivo nº 93

Julio Daio Borges

>>> DIDI, DEDÉ, MUSSUM E ZACARIAS Começou oficialmente, no último domingo, a segunda Copa do Mundo de 2002. Trata-se da campanha política para a presidência da república e seus desdobramentos, em debates e propaganda eleitoral gratuita. Ainda que a maioria embarque cegamente nas armadilhas do marketing eleitoreiro, urdidas por um Nizan Guanaes ou por um Duda Mendonça, uma minoria suficientemente esclarecida sintoniza sôfrega os enfrentamentos eletrônicos via televisão. Apesar da maquiagem e do discurso decorado, o debate televisivo proporciona escorregões memoráveis em que os candidatos revelam o que resta de sua humanidade, nem que seja por alguns míseros segundos. Nesse domingo, por exemplo, transbordou a emoção de Ciro Gomes, quando - espumando de raiva - viu seu salário mínimo de ministro da Fazenda reduzido de 100 para 80 dólares, sua participação na fundação do PSDB convertida em "lenda urbana" e sua decantada educação, no fino trato com empresários e consumidores, sendo trazida novamente à tona. E por quem mais senão José Serra (candidato que todos os institutos de pesquisa juraram ter sido ultrapassado pelo ex-governador do Ceará)? Já Anthony Garotinho, adotando a estratégia típica dos francos perdedores, dos lanterninhas que atingiram o fundo do poço das intenções de voto, optou pelo lema do palhaço: quis ver o circo pegar fogo. Parcialmente bem sucedido, divertiu a platéia e provocou o senso de humor de Luiz Inácio Lula da Silva, para quem o delicado tema das alianças se resume ao princípio escandaloso do "quanto mais, melhor". Ciro Gomes se viu então novamente achincalhado por José Serra, quando o último lembrou que o primeiro classificou (em tempos pretéritos) Antonio Carlos Magalhães de "mais sujo do que pau de galinheiro", enquanto (em tempos presentes) andou beijando nacionalmente a sua mão. Lamentavelmente, esses mesmos candidatos, tão adequados que estavam ao dia e ao horário dos extintos Trapalhões, pretendem governar um país de mais de 170 milhões de pessoas; pior que isso: graças a um sistema eleitoral perverso e à aridez intelectualmente crescente nos quadros políticos, um desses sujeitos será fatalmente eleito até o final do ano. Mais grave que votar com convicção e ser enganado por um presidente enfaixado e posto, é ter de votar sem nenhuma convicção.
>>> Eleições 2002
 
>>> THE JOURNALIST CRITIC AS HERO No Brasil, além de informar, o jornalismo também assume uma função pedagógica. Quando os cidadãos de um país não têm uma formação mínima necessária, e nem meios para obtê-la, cabe ao jornalista ensinar o caminho das pedras. Alguns se aproveitam dessa prerrogativa para se impor como mestres de saberes muito duvidosos; outros, porém, estendem a vocação, naturalmente, até a sala de aula, com a autoridade que só o verdadeiro conhecimento confere. Dentre os últimos, está Luís Antônio Giron. Crítico com passagens pelo Estadão, pela Folha, pela Gazeta Mercantil, tendo consolidado um trabalho de renovação na revista Cult, colaborador de Bravo! e do jornal Valor Econômico, assumiu a cátedra sem sobressaltos - como conseqüência de uma obra que se afirma para além das contingências do dia-a-dia, tendo efetivamente formado gerações de leitores, músicos e melômanos. Num esforço que começou já em sua tese de mestrado (na década de 1990), Giron vem mapeando a trajetória da crítica no Brasil, desde as primeiras manifestações do folhetim até o que denominou "a maioridade crítica". Tese defendida e concluída, com respectivo livro já no prelo, nada mais natural que dividir o resultado da pesquisa com o público interessado, estendendo o alcance do debate a toda a sociedade. É o que tem feito Giron, na Escola de Comunicação e Artes da USP, desde os primeiros meses de 2002: uma investigação séria que remonta ao cânone europeu (Hoffmann, Stendhal, Steiner), colhendo referências também no americano (Mencken, Rosen), e que, neste segundo semestre, pretende atravessar desde o Modernismo até as últimas décadas do século XX. Enquanto se assiste ao desmantelamento da grande mídia e dos segundos cadernos (de cultura e variedades), Giron segue em sua busca pela identidade nacional, apontando caminhos para a música do futuro - como queria Wagner.
>>> "A crítica, do diletantismo à maioridade" por Luís Antônio Giron - Inscrições pelos telefones: 3091-4064 (com Kátia) ou 3091-4089 (com Suely)
 
>>> ARENA SANGRENTA Se o século XX foi do "performer", do intérprete, o XXI será do diretor musical, do disc-jóquei, do VJ. A execução de peças vai cedendo aos apelos da edição de sons, da masterização e da mixagem. A amostragem, ou o "sample", que no início foi uma prática tão inovadora quanto condenável - permitindo que se construísse novos "opus" a partir de obras acabadas -, nos anos 2000, terminou se afirmando legitimamente, elevando os DJs à condição de criadores e consagrando estilos como o da "lounge music". O Brasil, como país jovem e com uma certa tradição em casas noturnas, não ficou atrás e até exportou profissionais do "scratch" e da decupagem. Enquanto isso, uma metrópole como São Paulo sedia festivais como o "Cesta Eletrônica", cuja estréia aconteceu na primeira sexta-feira de agosto (e que está programado para se estender pelas próximas, do mesmo mês), num dos espaços mais musicais e camaleônicos da cidade: o Blen Blen. Foi uma iniciativa da recém-nascida empresa de eventos "Mood", que tem, entre seus sócios, profissionais experimentados da "night" paulistana. O "Cesta Eletrônica", um projeto com muitos conceitos por trás, é também uma oportunidade para "alfabetizar" leigos nessa música feita por homens e não por máquinas (como tantos detratores quiseram insinuar). O bar está reservado para o "drum'n'bass", o salão principal, para o "tecno" e o subsolo (antiga garagem), para o "laboratório": uma maneira inventiva de dialogar com bases pré-gravadas, voltando à Idade da Pedra em que se tocavam... instrumentos (!). É interessante notar como toda a cena do rock e do pop nacionais está mais ou menos envolvida com esse "hype" - e como a nossa produção musical vai se desenvolvendo a partir dessa ocorrência. Já somos protagonistas desses novos tempos; quem for ao Blen Blen verá.
>>> Cesta Eletrônica - Blen Blen Brasil - Mood Eventos
 
>>> CULTURA, TÉCNICA E UMA BOA IDÉIA Nélson Rodrigues vivia se ressentindo por ser, em sua própria definição, um "analfabeto plástico". Ainda assim, costumava propagar a informação aos quatro ventos, como que para exorcizá-la e, às vezes, era até capaz de reconhecer um gênio da raça, como Michelangelo (ou Miguel Ângelo, segundo a grafia da época). Hoje ninguém se ressente mais disso. As pessoas desistiram de tentar entender o que vem a ser "arte" - e a própria palavra se transformou num simulacro. Também há muito charlatanismo envolvido: tanto nas escolas onde se pretende ensinar "arte", quanto nos livros que se propõem a discuti-la. E mais grave ainda: o público não mais consegue identificar um verdadeiro artista e uma autêntica obra-prima; as referências foram todas perdidas. Por isso, cursos sérios como os promovidos pelo Ponto de Integração da Arte adquirem uma importância ainda maior, nestes tempos de total ignorância e desorientação. Entende-se que o estudo da arte deve acontecer a partir de quatro pontos de vista: o da linguagem visual (o desenho, por exemplo); o das técnicas; o da criatividade; e o da cultura e história da arte. Tendo isso como base, organizam-se workshops (mais específicos) e cursos propriamente ditos (menos intensivos e de formação). Dentre os mestres que lecionam no Ponto de Integração da Arte, está o nosso crítico e jornalista Alberto Beutenmüller, que nessa segunda-feira dá início a mais um de seus já legendários cursos de história da arte. Aborda, dessa vez, o que chamamos de "arte contemporânea" e o seu enigma permanente: o artista Marcel Duchamp; passa pelas definições fundamentais, atravessa o modernismo e o pós-modernismo, aterrissando na atualidade. Quem já teve a chance de privar da companhia de Alberto Beutenmüller sabe o que isso significa; e quem não teve deveria saber. A arte ainda sobrevive, no Brasil, graças a homens e espaços como esses.
>>> "A Arte Contemporânea e o enigma Marcel Duchamp" por Alberto Beuttenmüller - Aula inaugural: dia 5 de agosto, das 15 às 17 horas - Inscrições até o dia 19 de agosto (vagas limitadas): rua Cotoxó, 110 - Telefone: 11-3873-0099
 
>>> EVERYBODY RUNS Com a morte de Stanley Kubrick, ninguém melhor para falar do futuro que Steven Spielberg. A comparação não surge à toa: desde "Inteligência Artificial" (uma parceria post-mortem entre ambos) que Spielberg vem se apresentando como discípulo do diretor de "2001 - Uma Odisséia no Espaço". Depois dos fiascos de George Lucas (em suas tentativas desastradas de retomar "Star Wars"), o autor de "E.T." conquistou a supremacia no cinema premonitório. Ainda mais agora, com esse "Minority Report" ("A Nova Lei", na versão brasileira). Além de todo o aparato tecnológico, o filme é também uma resposta a "Matrix" (1999), em termos filosóficos (se é que isso se pode afirmar em matéria de sétima arte). Tom Cruise, ou John Anderton, é o novo Keanu Reeves, o novo Neo. Antes de salvar o mundo, porém, ele tem de provar a sua inocência - à maneira do "Fugitivo" (1993) de Harrison Ford. Ano 2054: foi inventado um sistema que prevê homicídios, graças ao uso de "precognitivos" (médiuns); Cruise, ou Anderton, é um dos policiais envolvidos no experimento (ele e sua equipe impedem que os crimes aconteçam, localizando o potencial homicida e prendendo-o por antecipação); tudo vai infalivelmente bem até que o próprio Anderton é incriminado - então tem de correr contra o tempo. São mais de duas horas de uma trama intrincada e de uma das melhores perseguições dos últimos tempos. Ficamos aliviados em saber que daqui a cinqüenta anos, a Sinfonia Patética (nš 6) de Tchaikovsky ainda será ouvida em alto e bom som. Para além da seriedade e do cientificismo (habitual), Spielberg introduz cenas engraçadas, onde o herói é ridicularizado, apenas para lembrar ao espectador que se trata de ficção. Apesar dos milhões de dólares gastos, da moral da história e do americanismo (também habitual), é inegável que o homem evoluiu desde "Inteligência Artificial" (2001). Não custa conferir, portanto.
>>> Minority Report
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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