busca | avançada
55773 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Segunda-feira, 20/1/2014
Procure Saber e o ocaso da MPB

Julio Daio Borges


Digestivo nº 496 >>> Reza a lenda que o envolvimento de Caetano Veloso com Paula Lavigne começou no aniversário dele de 40 anos. Ela tinha 13 e sua virgindade foi, supostamente, um presente para Caetano. Apesar do idílio, nos anos 90 Lavigne se orgulhava de haver multiplicado o patrimônio do baiano por dez. Gostava de dizer também que, quando o pneu do carro furava, era ela quem trocava, enquanto ele ficava tocando violão... Assim como Yoko Ono se decidiu pela santificação de John Lennon ― com a qual o filho Sean não concordou ―, Paula decidiu proteger o artista Caetano, assumindo seu lado empresarial. Tal arranjo permitiu que Caetano tivesse seus arroubos de polemista, queixando-se do jornalismo e da falta de cobertura de seus produtos, enquanto Lavigne o alçava à cerimônia do Oscar, e Fina Estampa (1994) reverberava até num filme de Pedro Almodóvar... O casamento acabou, e a última fase "roqueira" de Caetano, musicalmente mais "despojada", reflete esse momento. A década passada, entretanto, coincide com a gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, quando a MPB tomou de assalto mecanismos como a Lei Rouanet, culminando com abusos, como o do "blog de poesia" de Maria Bethânia, e promovendo a ascensão de figuras como Pablo Capilé ao primeiro escalão... Tratar a cultura como política, fomentando lobbies e acumulando poder de verdade não foi, contudo, uma invenção de Capilé. Ainda que não tenham sido acusados de fazer campanha política ― para depois nomear secretários de cultura, e aprovar projetos de interesse ―, desde a década de 80 Caetano e Gil são conhecidos por apadrinhar novos talentos ― por exemplo, na música ―, enquanto se mantêm na "vanguarda", geração após geração. Malcomparando com caciques da política brasileira, como Sarney e ACM ― que se instalaram nas estruturas de poder desde a época da ditadura ―, Caetano, Gil, Roberto Carlos e mesmo Chico Buarque se beneficiaram (uns mais, outros menos) do vácuo cultural de 64 até a redemocratização, e depois. Talvez seja ocioso procurar a razão de ser de um grupo como o Procure Saber. Dizem que a raiz da perseguição a biografias "não autorizadas" estaria na reação de Roberto Carlos ao livro de Paulo César de Araújo, onde o biógrafo registra o acidente que levou o cantor a fazer uso de uma perna mecânica. Não contente em retirar o livro de circulação, estocando os exemplares em sua casa, o "Rei" teria convencido o estado-maior da MPB a impedir novas "invasões de privacidade", submetendo biografias à pré-aprovação, controlando, enfim, o que poderia se publicar ou não. Em uma palavra: censura. Paula Lavigne entrou acreditando que, além de escritores, outros agentes do mercado editorial lucravam, indevidamente, em cima de biografados ― e o circo se armou. Tirando a reação exemplar de Benjamin Moser, o texto de Caetano passou como "mais uma polêmica" do velho baiano. Já Chico Buarque, que nunca fala nada, deveria, mais uma vez, ter ficado calado. Começou apoiando as filhas de Garrincha, nas disputas com sua própria editora (a Companhia das Letras); passou ao ataque de Paulo César de Araújo, acusando-o de nunca havê-lo entrevistado; e terminou por associar a Última Hora ― de Samuel Wainer ― à lista de apoiadores do regime militar. Luiz Schwarcz, que sofreu o processo de Estrela Solitária na pele, respondeu ― mas foi generoso com o "amigo" Chico. Já Paulo César de Araújo, não contente em passar a data em que colheu o depoimento do compositor, divulgou uma foto e um vídeo, corrigindo o artista com declarações de seu próprio site. Enquanto José Nêumanne, no Estadão, lavou a honra da Última Hora. Muita gente boa concorda que o último disco relevante de Caetano foi Estrangeiro, há 25 anos. Gil talvez tenha tido seu último momento de brilho com o Acústico, há quase 20 anos. E Chico Buarque andou pela última vez "fértil" ― para usar uma palavra de Tom Jobim ― em Paratodos, duas décadas no ano passado. Se já não falam em nome da música há muitos anos, não deveriam tentar falar em nome da cultura, nem, muito menos, da História. Na tentativa vã de preservar sua vida "privada", mancharam suas biografias, no sentido mais amplo ― e os biógrafos do futuro não serão tão condescendentes quanto nós, seus contemporâneos.
>>> Procure Saber
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

busca | avançada
55773 visitas/dia
2,0 milhão/mês