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Segunda-feira, 21/4/2014
Paco de Lucía (1947-2014)

Julio Daio Borges


Digestivo nº 499 >>> Paco de Lucía foi o maior violonista da nossa época. Foi um gênio do violão e é notável que não tenha recebido formação clássica. Seu virtuosismo alçou-o de um ritmo popular da Espanha, o flamenco, aos principais templos da música no mundo. No limite, era um músico popular, mas foi respeitado por instrumentistas de todos os credos e origens, estudado por musicólogos de todas as línguas e reverenciado por eruditos em música. Paco de Lucía foi unânime. Um ídolo entre roqueiros, e guitarristas, tocou, de igual para igual, com músicos de jazz e produziu a sua própria interpretação "flamenca" do Concerto de Aranjuez, que faz parte do cânone para as seis cordas. Sem contar suas releituras de Manuel de Falla. Treinado pelo pai, como Mozart, percebeu muito cedo que não havia limite, em termos de técnica, para o que poderia tocar. O pai, igualmente músico de flamenco, retirou o filho prodígio da escola, porque não conseguia pagar, e mudou a família de Algeciras para Madrid, quando Paco contava 12 anos. Tocando com o irmão violonista, que adotou a alcunha de Ramón de Algeciras, Paco (Lucía era sua mãe, portuguesa) esgotou o cancioneiro hispano-americano já nos anos 60. Ia com seus dedos do México a Cuba, passando pela Argentina e, sim, pelo Brasil. Acelerou o "Tico-Tico", celebrizado por Carmen Miranda, de tal sorte que Zequinha de Abreu não o reconheceria. Venceu, nos EUA, e excursionou, sozinho, com seu violão, sendo um pioneiro em turnês, antes que houvesse qualquer estrutura para isso. Como descreveu um contemporâneo seu, "encantava quem não sabia de música" e "enlouquecia quem sabia": "Paco tinha tudo". Não contente em ser apenas intérprete, aventurou-se pelo reino da composição. E, igualmente, triunfou. Os anos 70 marcam sua independência como artista solo, tornando-se, mais que um embaixador, um revolucionário do flamenco, a exemplo do que fez Piazzolla pelo tango. Basta ouvir "Entre dos aguas" (1973) e "Rio Ancho" (1976) para se convencer de que Paco, como compositor, não deixava nada a dever aos mestres criadores do flamenco. Os anos 80 marcam a consagração planetária, quando se aproximou de John McLaughlin, e, com Al Di Meola, gravaram o multiplatinado Friday Night in San Francisco (1981), um clássico absoluto entre rockers, "jazzistas" e violonistas clássicos. "Era um circo", assim definiu Paco os shows daquela época. Ignorante em matéria de escalas, aprendeu a improvisar nelas com as dicas de McLaughlin e Meola. Paco de Lucía nunca havia improvisado dessa forma, porque nunca havia precisado. Reconhecia os acordes só de olhar e as melodias, só de ouvir. O flamenco, para ele, era como a própria respiração. Tão logo cansou de vender milhões de discos, lançou-se num desafio técnico de volta as raízes, o insuperável Siroco (1987), fora o supracitado Concierto de Aranjuez (1991). Ficou marcado pelo vocalista Camarón de la Isla, seu acompanhante que faleceu precocemente, e chegou a declarar que sua grande ambição era... cantar. Voltou a se reunir em família com seu Sexteto: em 1981, com Pepe de Lucía; e, em 1997, com Ramón de Algeciras. Casou-se duas vezes e deixou cinco filhos. Quando se cansava de "Paco de Lucía", Francisco Gustavo Sánchez Gomes refugiava-se no México, onde mantinha uma residência e pescava. Teve um ataque do coração na Playa del Carmen, em férias com a família. Seu espírito, contudo, foi eternizado em música. Grande música.
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Editor
 

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