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Quarta-feira, 12/12/2001
Pedra filosofal no sapato

Julio Daio Borges




Digestivo nº 60 >>> O mercado norte-americano clama por blockbusters de fim-de-semana, que em termos de bilheteria explodem como bomba atômica – desfazendo-se, porém, em segundos, como fumaça no ar. Só assim é possível entender fenômenos como esse Harry Potter. Tanta fila, tanta aflição, tanta expectativa para nada, ou quase nada. Mesmo num esforço concentrado para tentar extrair-lhe qualquer coisa de original, terminamos frustrados. Será que ninguém se cansou da velha história do menino bonzinho, que habita um mundo mau, sendo recompensado, no fim, pela justiça divina? (Nesse aspecto, inclusive, poder-se-ia afirmar que o filme é religioso: toda uma trajetória de humilhações e padecimentos se justifica com o reconhecimento eterno por parte dos iluminados.) A primeira meia-hora é propositalmente caricata: Harry Potter cresce numa família que o ataca justamente por causa de sua sensibilidade e de seus truques mágicos. (Não diga.) Quando é chegada a hora, aos onze anos de idade, é convocado para a escola de bruxos – e aí imagina-se que o roteiro vá fazer algum esforço para inovar. Mas não faz. O cenário é o de um castelo medieval e as referências mais freqüentes estão ligadas às lendas do Rei Artur ou, mais simplificadamente, às das Brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley. O ambiente enevoado está lá. Merlin está lá. A Senhora do Lago está lá. Todo o clima de iniciação está lá. Mas tudo o que no livro (de Bradley, não de Rowling) se desenvolvia com certo lirismo e até paixão, no filme se converte em competições infantis ou esportivas, semelhantes às televisionadas ou travadas em programas de auditório. Lógico, Harry Potter foi feito para crianças. Mas então por que raios tantos adultos tendem a se encantar com essa versão à inglesa de Domingo no Parque? O problema, no entanto, não se restringe à imaturidade das platéias atuais: o longa é mal estruturado mesmo para crianças. A autora, supõe-se, usou recursos para remendar a sua história, ao escrever, mas eles permaneceram intocados quando transferidos para a tela grande. Quando, por exemplo, o “time” de Potter ameaça perder no “quadribol”, J.K. Rowling inventa um lance (uma pontuação desproporcional) que irremediavelmente inverte o placar. Sem falar na salada de duendes, elfos e gigantes que – por mais monstruosos que sejam – não merecem ser misturados assim sem qualquer critério. (Por que ela se meteu a falar de mitologia e de magia se aparentemente não entende bulhufas de nenhum dos dois assuntos?) Infelizmente, contudo, pouca gente é capaz de avaliar e detectar semelhante engodo. E pensar que o compararam a Tom Sawyer, de Mark Twain. Enfim. Pior que tudo isso, só mesmo o marketing sufocante que, não contente, continua infestando em toda parte.
>>> Harry Potter
 
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Editor
 

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