busca | avançada
63387 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Segunda-feira, 8/7/2002
Tempo por todos os lados

Julio Daio Borges




Digestivo nº 89 >>> Enquanto agonizava devido ao câncer que enfim o mataria, Antonio Callado concedeu uma última entrevista à Folha de S. Paulo. Nela, como um Kafka a Max Brod, desancava, uma a uma, suas obras literárias. O único romance a que talvez concedia absolvição era justamente "Reflexos do baile" (1976). A Nova Fronteira tratou de reeditá-lo com pósfacio de Davi Arrigucci Jr, e podemos finalmente conhecer essa única concessão que Callado fazia a si próprio. Não adianta: o que salta, à primeira vista, é a "dificuldade"; se naqueles politizados anos 70 ela não foi sopa, o que pensar do público (ébrio de imagens) que vai encará-lo depois de 30 anos. Acontece que a narrativa se desenvolve a partir de múltiplas vozes, múltiplos pontos de vista, e o leitor precisa montar o quebra-cabeça juntando todos os cacos. Se preferir abdicar do sentido (da história com começo, meio e fim), pode se deliciar com o estilo que, francamente (transcorrido todo esse tempo), é o que há. Antonio Callado, o mais inglês dos ingleses, a lenda que dirigiu a redação do Correio da Manhã, encontra provavelmente o apuro que tanto perseguiu nas leituras de Machado. Abandonando a couraça do homem nascido em 1917, do redator da BBC de Londres, reinventou-se no registro da realidade, varada de urgência e de sentimentos fugidios, em paralelo ao que faziam Rubem Fonseca e Raduan Nassar. A palavra vem carregada de simbolismo (o da "guerra civil" que então se instalava): seja pela oposição ao regime militar; seja pelo caos social (prenúncio da atual "violência"). O palavrão emerge das ruas e encontra seu lugar "entre capas", assim como havia encontrado na imprensa (por mais que fosse cooptado, pela censura). Para além das querelas ideológicas, eis o legado de "Reflexos do baile": o de um homem refinado, pleno em século XIX, que teve de se reinventar, atravessando o XX, e chegando até nós.
>>> Reflexos do baile - Antonio Callado - 206 págs. - Nova Fronteira
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

busca | avançada
63387 visitas/dia
2,0 milhão/mês