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Quinta-feira, 19/9/2002
The City of K.

Julio Daio Borges




Digestivo nº 100 >>> Com a mesma discrição de sempre, o Museu Judaico de Nova York promoveu a exposição sobre a cidade de Kafka: Praga. Um grande portal, recoberto por uma foto imensa e serena do escritor, recebia os visitantes que chegavam num domingo, em módicas quantidades. A escuridão do primeiro corredor, preenchido apenas por uma árvore genealógica da família de Franz e apropriadamente trespassada pela imponente figura de seu pai, Hermann, dava o tom lúgubre que permearia as demais salas da mostra. Lá de dentro podia-se ouvir, de tempos em tempos, frases perdidas em alemão, entoadas com vigor e rispidez, provavelmente tiradas da "Carta ao Pai". Aliás, para mostrar a que vinha, a curadoria já exibia, logo no início, uma versão fac-similar da mesma "Carta". Faria o mesmo com os originais de "O Castelo", "Na colônia penal" e "América", entre outros, bem como de suas primeiras edições, históricas. Só por isso, o passeio pelas coisas de Kafka (mais do que pelas coisas de Praga, felizmente) já teria compensado. Uma tentativa de reconstituir os traços judeus em sua produção também teve curso; quase como uma obrigação, porém (por estar esse baú de preciosidades abrigado lá, no Museu Judaico); o que não convenceu suficientemente, no entanto. (Borges, sim, escreveu sobre as possíveis origens da escrita kafkiana, traçando paralelos com outros autores; e digamos que foi muito mais feliz na empreitada.) Tirando esse deslize (pequeno), a exposição não poderia ser mais bem montada, envolvendo o visitante por mais de uma hora no inebriante universo daquele sujeito franzino que quase morreu anônimo. Havia fotos da loja do pai; mapas e vistas do bairro em que residiram em Praga; lembranças da escola, dos bares e dos amigos de alguém com pouquíssima disposição para o contato social. Estão igualmente esmiuçadas as relações de Kafka com o teatro amador; os romances frustrantes com Felice, Milena, Julia e Dora; o conflito nunca resolvido entre literatura e trabalho (incluindo as petições do advogado); extratos dos diários e das cartas, até a morte precoce devido à tuberculose. A tecnologia não estragou o espetáculo, graças a uma iluminação adequada, à projeção de filmes e de imagens tridimensionais, mas principalmente por causa do destaque conferido ao texto, que, numa mostra dessa natureza, é o que realmente importa.
>>> The City of K. - Franz Kafka and Prague
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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