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Quinta-feira, 17/10/2002
Cuénteselo

Julio Daio Borges




Digestivo nº 104 >>> Pedro Almodóvar, quem diria, fazendo drama. O fato é que, excetuando-se o mainstream hollywoodiano (e até mesmo a cena independente norte-americana), Almodóvar é um dos poucos grandes diretores que ainda nos resta. Suas premières são tão ou mais disputadas que as de Steven Spielberg; sua proximidade com o Brasil é cada vez mais explícita, e a crítica, que não é de ferro, se derrete. "Hable con Ella" ("Fale com Ela", na tradução) está nesta 26º Mostra BR de Cinema, mas também entra em circuito comercial a partir de novembro. Primeiro, os defeitos. Almodóvar faz uma porção de concessões a seus amigos. Enfia Pina Bausch logo na primeira cena, que, junto com uma de suas bailarinas, num exercício de autoflagelação, choca-se contra a parede. Os dois principais protagonistas, Benigno e Marco, assistem da platéia. Eles ainda não se conhecem, mas serão amigos para sempre. É a segunda cena. Mais para o meio, Almodóvar injeta um clipe de Caetano Veloso, bem no estilo "Fina Estampa", cantando "Cucurrucucú Paloma". Na platéia, agora estão Marisa Paredes e Cecilia Roth, duas das heroínas do cinema almodovariano. Marco, o herói atual, também participa e até comenta que "esse Caetano" o arrepia inteiro. É tudo. Pensando bem, não é muito. Então, as qualidades. Almodóvar criou um gênero novo: trata-se do drama com gags. Intercala sofrimentos terríveis, como por exemplo o de duas mulheres em coma (por isso, o título "Hable con Ella"), com seqüências hilariantes, como quando se especula acerca da sexualidade do anti-herói Benigno (homem? gay? hermafrodita? assexuado?). A diferença é que, pela primeira vez, Almodóvar, oriundo da comédia, há anos interessado no drama, consegue passar de um lado o outro sem sobressaltos. Se em "Carne Trêmula" (1997) ficou sério demais (e, por isso, não convenceu) e se em "Tudo Sobre Minha Mãe" (1999) ficou sério de menos (apesar de toda a tragédia), em "Hable con Ella" casou os dois gêneros com perfeição. Atingindo o seu objetivo; atingindo o seu ápice. Deixando de ser tragicômico. (Coisa que Woody Allen, por exemplo, com suas imitações de Bergman, tentou e não conseguiu.) Almodóvar, portanto, converte-se numa espécie de estandarte do orgulho latino-americano. A personagem central (Marco) é argentina, o cantante é brasileiro (ou baiano), a canção é mexicana, o coração é espanhol. Já a vitória é da civilização ibérica como um todo.
>>> Hable con Ella | Jornal da Mostra
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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