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Sexta-feira, 11/4/2003
Lei do Sexagenário

Julio Daio Borges




Digestivo nº 129 >>> "As Confissões de Schmidt" não recebeu a devida atenção da mídia, mais preocupada com a guerra no Oriente Médio e com a guerra civil brasileira. Talvez esteja certa: a esta altura dos acontecimentos, quem vai se preocupar com as ruminações de um sexagenário cansado da vida? É Jack Nicholson, que escreve seus desabafos em cartas que envia para um pobre coitado em algum lugar da África: Ndugu, uma criança de alguns anos de idade, subnutrida, que não sabe ler nem escrever e recebe a atenção da Cruz Vermelha. Mas o mais interessante não é a "preocupação social" do filme. Na verdade, ela é mero ponto de partida para a reflexão de Schmidt acerca de sua existência até ali. Os nossos críticos tiveram problemas em definir o gênero de "As Confissões de Schmidt" (em inglês, simplesmente, "About Schmidt"). Lê-se nos jornais: comédia romântica (?!). Enquanto que, conversando com pessoas que viram antes, a classificação foi "drama". Depende da perspectiva, porque a interpretação de Nicholson é cômica, enquanto que a etapa final de sua "passagem" é trágica. Há, inicialmente, um conflito entre os Estados Unidos de ontem (um país sério, desenvolvido, ambicioso) e o que se encontra hoje (caipira, excessivo, desleixado). A comparação fica mais evidente quando o sessentão encontra o futuro marido de sua filha: aquele cidadão honesto, correto, que apostara na segurança de sua família, se sente ameaçado pelo genro abobalhado, trambiqueiro e sem qualquer aspiração maior. As mulheres, para variar, amortecendo tudo. Desde a impagável Kathy Bates, como mãe do noivo, hospedando Schmidt na véspera do casório e expondo-o a situações desconcertantes, até June Squibb, a noiva, histérica e mandona, colocando o pai na linha quando este ameaça boicotar a união. As situações engraçadas se constroem a partir de observações do dia-a-dia: desde um incômodo colchão de água até as manias da Sra. Schmidt; desde a cafonice do "american way of life" até a falta de jeito e as caretas de Jack Nicholson. A estrada também aparece, como tradicional rito de passagem, uma vez que o protagonista resolve desempoeirar o seu trailer e lançar-se nas rodovias. É o aposentado típico, que atravessa uma grande perda e que se vê privado da autoridade dentro e fora de casa. Então a escrita lhe aparece como uma forma de meditar sobre essas coisas todas. Há beleza em "As Confissões de Schmidt", e na falibilidade à qual, mais dia menos dia, todos estamos expostos.
>>> About Schmidt
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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