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Sexta-feira, 16/5/2003
Speak, Memory

Julio Daio Borges




Digestivo nº 134 >>> Estamos na época dos documentários. Entre os brasileiros, o mais novo “darling” da crítica é o “Nelson Freire” de João Moreira Salles. A consagração foi unânime e as platéias têm aplaudido de pé. É a vingança dos tímidos introvertidos: o diretor conseguiu extrair duas horas de performances e depoimentos de um dos pianistas mais verbalmente lacônicos de toda a História. Freire praticamente não completa nenhuma frase e – conforme o jargão – “deixa que a música fale por ele”. Não admira que fuja das entrevistas; e nem que tenha sido, na infância, um menino solitário. Com pouca idade, já garoto prodígio, “tinha o seu mundo” – no bonito dizer de uma professora. Aliás, quando o “narrador” entra, o espectador consegue encaixar algumas peças no lugar – em outras ocasiões, não. Os trechos estão embaralhados (propositalmente?) e não se sabe o que é “antes” e o que é “depois” no filme. O protagonista tampouco esclarece algumas dúvidas sobre suas ligações pessoais. Por exemplo: – O que é Martha Argerich para ele? (Uma amiga? Uma ex-amante? Uma namorada?) Claro: tudo isso desaparece diante da música – mas um pouco mais de cuidado com a cronologia e com o público médio não seria pedir demais. São muitas as reticências e muitos os subentendidos, e o leigo não tem obrigação de preenchê-los com as respostas corretas. Então o realizador se enfeza e proclama: – Não é para todo mundo. Azar de todo mundo. (Etc.) Em termos. É interessante, porém, observar como alguns sujeitos, metidos a entendidos, saem da sala com aquela cara de ter captado absolutamente tudo. Coisas de que nem um “connaisseur” daria conta. É a sina de quem freqüenta essas cadeias metidas a exibir obras-de-arte. Nélson Rodrigues (sempre ele) gostava de provocar os intelectuais que não leram nenhum livro: os cinéfilos. (Aquele tipo que sai da sessão mais “lido”.) Mas voltando a “Nelson Freire”, algumas das melhores passagens são as cômicas. Muitas evidenciando a falta de jeito do pianista, ao lidar com o que chama de “star system”, ou, por vezes, com o seu próprio instrumento. Entre as peças, fica-se com a sua temporada ao lado de Rachmaninoff, na Rússia. Não há dúvida de que Freire foi um dos maiores do século (XX), mas talvez por isso mesmo merecesse ser mais “espremido”, mais pesquisado e mais elaborado, ao menos para a posteridade.
>>> João Moreira Salles filma o Brasil delicado em Nelson Freire
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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