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Terça-feira, 3/6/2003
O último dia de um condenado

Julio Daio Borges




Digestivo nº 136 >>> Quem pensa em Fiódor Dostoiévski logo evoca a figura do escritor de clássicos como “Crime e castigo” (1866) e “Memórias do subsolo” (1864). Acontece, porém, que, em paralelo, o autor exerceu uma efervescente atividade jornalística (nem sempre lembrada pela crítica). Foi nos seus últimos anos de vida, entre 1876 e 1881, que Dostoiévski editou o “Diário de um escritor”, publicação mensal totalmente composta por ele – e que lhe garantiu notoriedade ainda maior dentro da Rússia. São duas novelas dessa época que a Editora 34 agora lança sob o título “Duas narrativas fantásticas”, com tradução e notas de Vadim Nikitin. A importância do “Diário de um escritor” transcende o aspecto biográfico, pois, além de ter sido um registro da pena infatigável de Dostoiévski, foi, como coloca Nikitin, o “caderno de campo” de “Os irmãos Karamázov” (1880), a última e definitiva obra-prima. O volume atual, de pouco mais de 120 páginas, guarda, portanto, esboços para o grande painel em que se converteu a saga dos Karamázov (Dostoiévski, inclusive, previa uma continuação, que não teve tempo de realizar). A primeira narrativa, “A Dócil”, foi elaborada a partir de uma notícia de jornal (conta-nos o tradutor). Em primeira pessoa, reconstitui a convivência tensa de um casal infeliz, em São Petersburgo (sempre lá), que termina com o suicídio de um dos cônjuges. A segunda, “O Sonho de um Homem Ridículo”, mostra-se um tanto mais lírica, onde o sujeito “ridículo” (do título) “acorda para a vida” depois de um idílio de felicidade em que envolve toda a humanidade. Assim, estão presentes dois elementos da produção dostoievskiana: na primeira novela, o apego a tipos de baixa extração, e a suas existências miseráveis; na segunda, a evocação de um passado mítico e de um futuro profético, para a nação russa. Há ainda, no que se refere à forma, o que Nikitin mui apropriadamente chama de “estilística da repetição” – a velha mania do escritor de repetir palavras obsessivamente em períodos curtos. (Uma bobagem; mas uma bobagem tomada como importante, de uns tempos para cá.) Enfim, Dostoiévski é sempre um labirinto no qual vale a pena se perder – e a Editora 34 faz bem em seguir reeditando-o.
>>> Duas narrativas fantásticas - Fiódor Dostoiévski - 128 págs. - Editora 34
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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