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Quinta-feira, 12/6/2003
Clareiras Sussurantes

Julio Daio Borges




Digestivo nº 137 >>> “O ente querido” (“The Loved One”, 1948), de Evelyn Waugh, é a prova cabal de como um livro pode ser divertido. Trata-se da hilariante história de amor entre um funcionário de crematório (para animais de estimação) e uma maquiladora de cadáveres (humanos). Em plena Hollywood do pós-guerra. As ocupações são ridículas e as personagens também são. Mas se fosse no Brasil, o romance seria de mau gosto – o que, pelas mãos de Waugh, está longe de acontecer. As piadas não são gratuitas, não existe a menor possibilidade de se emitir uma grosseria. É sofisticação do começo ao fim. Monstrando, mais uma vez, que o “como” é muito mais importante do que o “o quê”. Evelyn Waugh foi considerado o maior satirista de seu tempo (o século XX) e consegue fazer, inclusive, o leitor brasileiro rolar de rir – por mais mal acostumado que este esteja às execráveis atrações televisivas. Aliás, “O ente querido” pode ser tranquilamente devorado numa noite ou duas; é o que chamam de “page turner”. A saga do jovem poeta inglês que desembarca nos Estados Unidos, não consegue ocupação na promissora indústria do cinema e acaba incinerando cães, gatos, papagaios e até bodes não se estende por mais de 150 páginas. É tragicômica no melhor sentido do termo. Principalmente depois que ele encontra seu par romântico: uma pobre orfã, desorientada, com inclinação para as artes, uma queda especial pelo consultório sentimental, eternamente dividida entre o nosso herói e um embalsamador mais velho, mais feio e ainda mais desinteressante. É natural que tipos tão comuns, em existências tão sem graça, não despertem a atenção de curiosos à primeira vista. Mas isso não é justificativa para deixar de arquirir o volume e entregar-se desbragadamente a ele numa sentada. A editora Globo, que vem desovando Waugh aos poucos (o primeiro título, “A provação de Gilbert Pinfold”, saiu no começo do ano), pode ajudar os nossos “artistas” a serem um pouco menos “sérios” e um pouco menos comprometidos com “causas” aborrecidas e ultrapassadas. A audiência, penhorada, agradece.
>>> O ente querido - Evelyn Waugh - 154 págs. - Globo
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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