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Quinta-feira, 26/6/2003
Il duello

Julio Daio Borges




Digestivo nº 138 >>> Guimarães Rosa não era de falar de literatura. Quanto mais da sua. Por isso, sua correspondência é tão fundamental. Nela, o escritor se esparrama em preferências e em descrições do próprio ofício. Assim, no trato com seus tradutores (ele próprio assessorou os mais importantes), descobrimos a chave para alguns de seus métodos e temos mais claras algumas de suas intenções. A Nova Fronteira, aproveitando a homenagem que o Brasil prestou à Itália (na última Bienal do Livro do Rio), recuperou as cartas entre João Guimarães Rosa, autor de “Grande sertão: veredas” (1956), e seu tradutor italiano, Edoardo Bizzarri. E tão encantadora quanto as minúcias estilísticas, pelas quais os dois homens se desdobram (ao tentar verter “Corpo de baile” [ainda num único volume] para o idioma de Dante), é a troca de gentilezas, a cordialidade e a relação afetuosa que se desenvolve graças à admiração mútua. Guimarães Rosa afirmaria, muitas vezes, ser Bizzarri seu maior tradutor (para qualquer língua); e Bizzarri, por sua vez, reafirmaria a força poética e a riqueza verbal do universo rosiano. Nós, leitores, como espectadores, ficamos torcendo para que Bizzarri, depois de “Corpo de baile” (1956), assuma o desafio de encarar o “Grande sertão” (como ansiava Rosa, sem meias palavras); ao mesmo tempo, desejamos vivamente que Rosa aceite o convite de Bizzarri e venha até São Paulo proferir uma palestra sobre o autor da “Divina Comédia”. Um desejo se realiza; o outro, não. E os dois amantes das letras, embora transbordem na forma epistolar, nunca chegam a se encontrar. Em 8 anos. Guimarães Rosa vivia seus derradeiros dias, de autor consagrado (cheio de viagens e compromissos), enquanto mantinha seu posto no Itamaraty e gozava de uma saúde frágil. O enfarte o fulminaria em 1967, e a correspondência se interromperia para nunca mais. Mas ainda é tempo de ler as cartas – com todas as explicações para aquelas palavras e para aqueles termos difíceis, às vezes, impossíveis; os quais Guimarães Rosa jurava ter inventado sob uma espécie de transe mediúnico. Detestava a prosa cerebral. São páginas e mais páginas de um glossário composto ao sabor do momento, misturando umas quantas línguas, nomes científicos e rememorações mil. O volume é fino mas denso. De uma densidade que nos obriga a parar, e respirar. A saudade, no entanto, dos amigos, ao final, é grande. Terminamos contaminados pelos belos sentimentos dos dois.
>>> João Guimarães Rosa: correspondência com seu tradutor Edoardo Bizzarri - 207 págs. - Nova Fronteira
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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