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Quarta-feira, 12/5/2004
Zero de comportamento

Julio Daio Borges




Digestivo nº 174 >>> Todo mundo que lia jornal, de algumas décadas para cá, sente saudades do tom do “Diário da Corte” de Paulo Francis. Aquele gênero irônico, assaz esnobe, fazendo pouco da nossa vidinha, aqui na colônia, a partir da perspectiva de alguém na metrópole. Fora o masoquismo de quem se alimenta do próprio complexo de inferioridade, era uma maneira divertida de rir das nossas misérias e de constatar que nós somos, mesmo, a periferia do mundo. Mas isso acabou. Muita gente quis imitar aquela indiferença olímpica, aquele deboche certeiro, a mistura de gírias rasteiras com expressões da mais alta cultura. Ficou só nisso, porém, na imitação. Com o passar dos anos, contudo, fomos descobrindo que aquela “abordagem” da realidade não era uma prerrogativa de Paulo Francis. Ela já existia antes dele; e continuou existindo depois, “in a way”. É o estilo dos correspondentes internacionais europeus, despachados para os Estados Unidos, se esmerando para reportar a jequice dos norte-americanos. Não é difícil, e os habitantes do velho continente deitam e rolam ao compor a crônica de costumes, que é mais uma comédia dos erros, “yankee”. Um exemplo típico, e que está nas livrarias para ressuscitar as intenções de “good old” Francis, são as “Crônicas de Los Angeles” (Editora Barcarolla), de Annette Lévy-Willard. Obviamente uma francesa em Hollywood. Annette não despeja cultura como o nosso Franz Paul, e não parece que tenha sido tão influente, em escala, na França. Mas teve sua cátedra. A começar pela indicação de Simone de Beauvoir, que lhe abriu as portas. A terminar pela consagração no “Libération”, que publicava suas diatribes contra o Tio Sam. Danuza Leão assina a orelha, mas bem que podia ter sido a nossa Ana Maria Bahiana, que conhece como poucos o solo californiano. Madame Lévy-Willard é, em geral, frívola, como convém aos cronistas sociais. E não tem pudores: expõe a si mesma, expõe à sua família, expõe a seus convidados. Por ser uma edição atualíssima dos seus pontos de vista, talvez fique velha logo. Apesar de alguns erros, a tradução é hábil. A pós-feminista-marxista-estudantil tem de se adaptar num mundo pós-11 de setembro, de filhos precocemente emancipados e de celebridades – falsas e verdadeiras –, todas reluzentes. Não é à toa que acabe entediada. Por esse mesmo motivo, não entedia o leitor. Como o nosso Francis, que se declarava “tecnicamente morto”, para o deleite de seus espectadores.
>>> Crônicas de Los Angeles - Annette Lévy-Willard - 218 págs. - Barcarolla
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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