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Sexta-feira, 18/6/2004
Arco da Crise

Julio Daio Borges




Digestivo nº 180 >>> Mais de dois anos e meio se passaram desde o atentado às Torres Gêmeas, no 11 de setembro, e muita gente ainda não entendeu o que houve. Talvez não entenda jamais. Ainda assim, para ajudar a entender, clarear algumas questões e desatar alguns nós, Peter Demant escreveu “O Mundo Muçulmano”, a primeira obra abrangente em português sobre o assunto, que a editora Contexto publicou. Demant tem a pretensão, louvável, de retroceder até Maomé (Muhammad, ~600 D.C.), refazer o percurso do califado (~600-1300), atravessar a era do Império Turco Otomano (~1300-1900) e desembarcar no que chama de “Idade da decadência muçulmana” (da Revolução Francesa [1789] até hoje). Passa metade do tempo (200 páginas), felizmente, contando histórias de um Oriente mítico, mágico e fascinante – muito anterior a nós, do Ocidente. E passa a outra metade (mais 200 páginas), infelizmente, explicando o tal “choque de civilizações”, de Samuel Huntington, e tentando encontrar uma solução para que, entre orientais e ocidentais, não terminemos todos dizimados. Uma tarefa inevitável, mas, ao mesmo tempo, maçante e de utilidade duvidosa (afinal, de futurologia já estamos cansados). Na verdade, “O mundo muçulmano”, para além do título, é muito mais complicado do que entender que, como para judeus e cristãos, o Alcorão tem as mesmas raízes da Torá e da Bíblia. É muito mais complexo que diferenciar árabes de turcos, de persas e de muçulmanos (atenção: não são todos a mesma coisa). É, no fundo, penetrar numa civilização que se estende, durante séculos (e não só hoje), por três continentes no mínimo. É esmiuçar a islamização da Europa; é entender os dilemas da África (com o Egito na vanguarda); é ser sensível à Indonésia (em meio aos tigres asiáticos); é perceber as disputas fatais entre Índia, Paquistão e Bangladesh; e é, no meio da revolução do Irã, chegar até Saddam Hussein. Ou seja: o buraco é muito mais embaixo do que qualquer buraco de Bin Laden. Os Talebãs, a Al-Qaeda e esses nomes que se viu a imprensa martelar há dois anos são apenas a ponta do “iceberg”. E se o atentado de 11 de setembro “serviu” para alguma coisa, foi para despertar o Ocidente (secular) de delírios de grandeza frente a um Oriente milenar. Nesse aspecto, Peter Demant cumpre o que promete. Mas não espere encontrar literatura para se ler enquanto assiste à CNN.
>>> O Mundo Muçulmano - Peter Demant - 432 págs. - Contexto
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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