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Quarta-feira, 15/9/2004
Exemplar vitae humanae

Julio Daio Borges




Digestivo nº 192 >>> Constantemente citado por Steven Pinker, António Damásio certamente está entre os grandes neurologistas, e pensadores, de nossa época. Segue, em seus livros, uma receita que parece inevitável a quem se dispõe a pensar a mente humana à luz dos avanços da neurociência, da biologia evolutiva e da genética: Damásio finca suas bases na filosofia de outros séculos e, por meio de um estudo de comparação, empresta e reformula conceitos de filósofos célebres, como René Descartes e, mais recentemente, Baruch Espinosa. No alentado volume de mais de 350 páginas, “Em busca de Espinosa” (Companhia das Letras), o neurologista português embrenha-se por um intrincado labirinto, explorando as “emoções” conforme vistas por Espinosa e conforme os olhos da mais moderna ciência. Não é um percurso fácil de se acompanhar por um leigo, e a tentação, a cada capítulo, é saltar logo para o “epílogo”, que trata de Espinosa especificamente. Bertrand Russell, em sua “História da Filosofia Ocidental”, considera-o como o mais “amável” entre os filósofos. Espinosa, judeu de nascimento, rompeu com a tradição judaico-cristã e caiu em heresia, pois tinha uma visão de mundo que Russell considera “panteísta”: para ele, Espinosa, Deus estava em todas as coisas, animadas e inanimadas. Morreu na Holanda numa espécie de plenitude, alcançada talvez apenas por santos de outras épocas, em total comunhão com o universo – afinal pregou a busca por esse estado ideal em sua filosofia herética. Viveu, a exemplo de outros pensadores também célebres, com o mínimo necessário e chegou a diminuir seus vencimentos quando percebeu que podia viver com ainda menos. Algo que atrai a Damásio, além do arcabouço conceitual, é o fato da família de Espinosa ter raízes em Portugal e, em casa, garantir que se conversasse em português e castelhano – ainda que suas obras tenham sido publicadas em latim. Bertrand Russell encerra sua peroração sobre o filósofo herege apontando que Goethe, apesar de apreciá-lo, não chegou a entendê-lo. Mas o que pensaria Russell, hoje, se lesse António Damásio? Trataria de criticá-lo possivelmente. Ainda assim, não o condenaria à fogueira – pois Damásio, mesmo incorrendo em erro, havia resgatado o “amorável” Espinosa.
>>> Em busca de Espinosa - António Damásio - 360 págs. - Companhia das Letras
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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