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Quinta-feira, 18/4/2019
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Redação
 
Weezer & Tears for Fears



Via Rafael Fernandes

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Postado por Julio Daio Borges
18/4/2019 às 11h33

 
Nem só de ilusão vive o Cinema

Nos últimos dias São Paulo e Rio de Janeiro receberam a 24º edição do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários. Durante dez dias viajamos por histórias passadas e atuais de diversos países. O festival ressalta a importância de uma dose de realidade no nosso dia a dia, nos ensinando através de relatos pessoais ou de um determinado grupo de indivíduos. Ainda mais, resgata na história fatos que parecem tão atuais, chamando nossa atenção para o que vem acontecendo no mundo.

Comecei o festival com 'Defensora', um documentário singular da diretora Rachel Leah Jones. Quando li o livro Inverno em Cabul, da escritora e jornalista Ann Jones, vi como era difícil uma mulher se posicionar no Oriente Médio. Pouco acreditava na existência de uma mulher como Lea Tsemel, personagem principal do doc. Advogada Israelense, ela defende palestinos há cinco décadas. Alguns deles são manifestantes não-violentos, militantes armados, fundamentalistas ou feministas, mas o que carregam em comum são as acusações de serem terroristas, mesmo quando não o são.

Meu desejo era assistir a todos os documentários. Mas seria impossível já que, infelizmente, não posso me dedicar ao cinema em tempo integral. Ainda assim consegui ver bons filmes, entre eles o excelentíssimo 'Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar', de Marcelo Gomes, que ganhou Menção Honrosa ao final do Festival (o prêmio de melhor longa nacional ficou para Cine Marrocos, diretor Ricardo Calil). Um documentário extremamente importante, que reflete sobre a situação econômica do país e a opção de trabalho autônomo. 'Meu Amigo Fela', de Joel Zito Araújo, também é uma grande produção. O lado político de Fela Kuti é desconhecido por muitos, no documentário Joel Zito busca a essência desse personagem tão peculiar.

Também gostei bastante de 'A Beira', de Alison Klayman. Nesse dia fui ao cinema para ver o que desse tempo, não me decepcionei. Acompanhando Steve Bannon durante as eleições de 2018, a diretora consegue nos inserir nos bastidores da política mundial, dando voz a muitos pontos de vista. Nesse filme notei uma das coisas boas de documentários. Nada ali age como uma propaganda do populismo pregado por Bannon, a diretora dá vazão a outras vozes, no deixando pontos de vistas diferentes de fatos que fizeram parte de sua produção.

Mas devo admitir que minha surpresa veio com 'Marceline. Uma Mulher. Um Século.', de Cordelia Dvorák, entrei na sessão completamente desprovido da história da cineasta e escritora, se passaram os 58 minutos de exibição e tudo o que eu queria era mais algumas horas daquilo. É uma pena não ter competido pelo troféu de melhor doc internacional, o prêmio ficou para 'O Caso Hammarskjöld', de Mads Brügger, que não consegui ver por motivo de sala lotada.

Festivais como o É Tudo Verdade são extremamente necessários, ainda mais em tempos como os que estamos passando. Nem só de ilusão vive o cinema. É Tudo Verdade vem para nos dar aquela dose de realidade, reavivando os questionamentos que mudaram parâmetros no passado, e outros que precisamos mudar para o futuro. O trabalho de Amir Labaki e sua equipe é primoroso. Em época em que a cultura corre risco, é ainda mais difícil organizar um festival que não atrai a grande massa, mas como em outros anos foi feito um trabalho excelente, e que venham muitos outros.

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Postado por A Lanterna Mágica
15/4/2019 às 22h49

 
As Expectativas de um Recrutador e um Desempregado


Nem todo mundo tem a oportunidade na vida de conhecer os 2 lados de um processo seletivo à uma vaga de emprego. Geralmente, a maioria fica no lado de entrevistado da mesa, sem perceber antes de criticar, como é difícil também para o recrutador tomar a decisão de contratação.

Pois saiba que essa é uma difícil escolha para qualquer contratante, num país que anseia em se recuperar de uma crise e possui um grande número de mão de obra parada. Atualmente, qualquer anúncio de emprego recebe centenas de currículos com os mais variados perfis que se encaixam bem ou são totalmente alheios a vaga descrita.

Surpreendentemente, esse mercado de trabalho dispõe de perfis óbvios que não são a opção certa, como também de candidatos azarões que são a resposta a suas preces, mas em outra situação, jamais estariam livres ou dispostos a se candidatar ao trabalho anunciado.

Já na seleção, existem muitos candidatos que não sabem se vender, são pessoas sem foco que agem pela compreensiva necessidade do sustento, parecendo seres automáticos que já desistiram de seus objetivos e fazem tudo maquinalmente por obrigação.

A maioria é de jovens recém ingressados no mercado que pulam de emprego rapidamente, fazendo bicos ou como temporários da crise. Há ainda os mais velhos que foram obrigados a contribuir com a renda familiar, mas estão há anos sem trabalhar.

Pelos currículos, pode-se perceber que tratam-se de indivíduos que tem esperanças e expectativas, descendem de boas histórias de vida e que lutam anonimamente para se destacar numa pilha de papel. Assim, os recrutadores têm a função de optar por alguém, meio que decidindo pelo bem-estar daquele que será selecionado.

Mas há também a percepção de que alguns precisam claramente se qualificar, se encontrar num conjunto de vagas que exigem foco e aptidões específicas. Além de enfrentar um grande número de pessoas bem instruídas na expectativa de que seja dessa vez, convivendo diariamente na ansiedade de não saber o que está acontecendo em relação a seu destino profissional.

Um empregador possui a difícil obrigação de acertar na escolha, mesmo percebendo a urgência que muitos candidatos têm de se empregar. Mesmo que doa cerceá-los em detrimento de outros mais preparados, pois ele precisa lembrar que independente de quem contrate, seu ato resultará em menos um profissional nesse mar imenso aí fora.

É preciso lembrar também que nem sempre o mais qualificado fica com a vaga, porque existe o candidato certo para a vaga certa, é preciso olho apurado e feeling. Mas ainda, nem sempre o encaixe perfeito acontece, sendo necessário voltar atrás em uma nova busca. Pois mesmo na crise, há profissionais que são valorizados, ficam entediados ou são seduzidos por outras propostas e metas de vida. Por isso, a contratação é só o começo dessa relação profissional que pode resultar em crescimento e aprendizado para ambas as partes ou tédio e insatisfação.

Buscando uma conclusão, percebemos que o mercado de trabalho atual é um desafio que mistura sorte e competência, cujo foco e preparação diferencia dos demais, mas ao mesmo tempo fecha as portas para determinadas oportunidades menores que poderiam ser brevemente aproveitadas.

Quem atira para todos os lados pode atingir alguma coisa, porém algo que deverá sofrer ajustes enquanto se espera por um futuro melhor. O importante é não ficar parado e esperar acontecer. Outra sábia conclusão fica por conta de que o profissional é seu próprio produto, vivendo no despertar de um tempo que preza por ideias e engrenagens para sobreviver, abolindo cada vez mais a carteira de trabalho e os direitos, em favor do bom e velho “te vira” do empreendedorismo.

E para você que conseguiu a tão sonhada colocação, foi porque alguém o escolheu entre tantos e confiou na sua habilidade e seriedade como profissional. Alguém que precisa tomar uma boa decisão para o andamento de seu sonho e continuidade do negócio.

Então, passado o entusiasmo de estar trabalhando, é claro que ninguém deve bancar o escravo de alguém, mas uma boa relação entre as partes deve ser construída, sem o jeitinho brasileiro nem o sofrimento por desistência ou acomodação. Lembrando que cada caso é um caso, mas preservar o que foi tão difícil de conseguir exige dedicação e sacrifício.

Entretanto, fica o desejo que tanto o profissional quanto o recrutador, nessa época difícil, possam encontrar aquilo que buscam num duradouro relacionamento de trabalho com amizade e respeito.



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Postado por Blog de Camila Oliveira Santos
15/4/2019 às 14h35

 
A Independência Angolana além de Pepetela

No mês de março o Grupo Ria apresentou uma série de peças adaptadas de obras literárias presentes na lista da FUVEST. Entre elas está Mayombe, que fechou mostra. A partir do livro de Pepetela, nove atores sobem ao palco para encenar a luta angolana em busca da liberdade. Isso me lembrou de um documentário que produzido entre 2014 e 2015. Angola nos Trilhos da Independência, produzido por Lucio Lara (da Fundação Tchiweca de Documentação) e pela Geração 80 (Mário Bastos, Jorge Cohen, Tchiloia Lara e Kamy Lara), mostra os resquícios da revolução angolana nas pessoas e lugares quase 4 décadas depois. Foram 57 meses de pesquisa e gravações, resultando em 900 horas gravadas, com 700 depoimentos.

Mayombe foi publicado pela primeira vez em 1980. Mas o livro foi ganhando seus parágrafos quando o próprio Artur Carlos Pestana dos Santos, vulgo Pepetela, participou da libertação. Narrando o cotidiano de alguns guerrilheiros do Movimento Popular de Libertação da Angola (MPLA), o autor montar um misto de conflitos internos e externos, recheado por uma tensão física e ideológica. Daí vem a importância do trabalho do Grupo Ria. Li Mayombe há alguns anos, mas assim que tive oportunidade, comecei a ler o livro novamente. Depois de ver um ótima encenação dos atores (Eudes Nascimento, Flávio Oliveira, Daniel Lima, Fabrizio Nasscioli, Gustavo Gaspar, João Angello, Jhon Honz, Vânia Bawe e Wagner Nunes) a leitura foi completamente diferente. A intenção do grupo teatral é apresentar suas peças para alunos do ensino médio, para motivar e facilitar a leitura dos livros (muitos irão agradecer essa ajuda com Iracema), com isso não utilizam cenário. Ainda assim, a tensão na apresentação é tão intensa que o cenário não faz falta.

Na tela a história é outra. Angola nos Trilhos da Independência traz um pós guerra. O documentário mostra a importância de se aprender com a história. Diante dos depoimentos de pessoas que estiveram envolvidas, direta ou indiretamente, com a libertação angolana dos colonialistas portugueses, vemos que as atrocidades que podem ser causadas por conflitos armados nunca são esquecidas. Em meio a vilarejos destruídos e pessoas que trazem marcas dos confrontos até os dias de hoje. A luta anticolonial é narrada por quem traz essas marcas dentro de si, é difícil imaginar a realidade de tudo aquilo, mas quando a câmera anda pelas vilas destruídas e abandonadas chegamos perto da destruição que tomou conta da Angola nos anos 1970. Um depoimento, um dos primeiros no documentário, conta a fuga de um jovem e sua família. É comovente ouvir a história de um ser humano que passou por aquilo e chegar a impressionar a coragem desse povo, lembrando de Sem Medo, personagem de Pepetela.

O que todas as obras trazem em comum é algo atual. As divergências de um povo, que fazem parte de tribos diferentes. Embora a luta seja a mesma, a libertação colonialista, as diferenças entre uma tribo e outra não é deixada de lado, tornando o conflito ainda mais difícil. Isso nos leva a um conceito geopolítico mais atual, sobre as guerras que deixaram de ser externas (com um país atacando o outro) e passaram a ser internas (com conflitos entre os povos). Para não fugir tanto do assunto, podemos ver em Angola nos Trilhos da Independência e em Mayombe a importância de aprender com o passado. Ambos ficam para que historiadores possam trabalhar com um material mais autêntico e expressivo.

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Postado por A Lanterna Mágica
8/4/2019 às 17h34

 
Gryphus Editora



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Postado por Julio Daio Borges
8/4/2019 às 08h16

 
O NAVEGANTE DO TEMPO

Tomou o bonde circular e embarcou para o século passado. O condutor com a destreza de um malabarista aproximou-se, equilibrando-se no estribo como se já tivesse nascido ali. Balançou para ele a mão direita onde as antigas moedas de níquel chacoalhavam unidas umas às outras, feito soldados numa parada militar, cobrando a passagem.

O passageiro enfiou os dedos no bolso da calça, onde só havia moedas atuais, mas o condutor que o conhecia de há muito disse não haver problema algum. Amanhã o senhor acerta tudo, doutor. E levou a mão direita à pala do quepe de seu uniforme azul-marinho num gesto de deferência.

Está tudo muito estranho neste trajeto, pensou o passageiro, vários são meus contemporâneos, mas voltaram todos ao tempo de criança e nem sequer me reconhecem...

São fantasmas do passado ou estou delirando? Não sabia responder à própria pergunta nem como embarcara naquele veículo elétrico anacrônico, cujos trilhos tinham sido removidos da cidade fazia mais de meio século.

Deteve-se então no exame minucioso do interior do coletivo, onde os longos bancos de ripas de madeira envernizada causaram-lhe a sensação de familiaridade de quem neles se sentara incontáveis vezes. No teto do veículo, os mesmos reclames de antigamente propalavam a excelência dos produtos anunciados, inclusive a propaganda de um famoso elixir cujo nome ele guardara na memória: Rum Creosotado.

Após essa inspeção interna, lançou o olhar para a paisagem urbana que se desenrolava ao longo do percurso como num filme antigo que resgatasse a arquitetura das desaparecidas casas de centro de terreno, com árvores frondosas e flores nos jardins, enquanto o velho bonde sacolejava e rangia na bitola estreita dos trilhos. Comparando-o a uma caravela em mar revolto, chegou a esboçar um arremedo de sorriso ao se considerar uma espécie de navegante do tempo. Nisso, um insólito lampejo de consciência, como se, de repente, emergisse de um sonho, sacudiu-o de cabeça aos pés -- diabos, como vim parar aqui?

Jamais deixamos de fazer este trajeto, doutor, mas só os escolhidos se apercebem disso, pareceu-lhe escutar a voz do motorneiro que, bem distante dele, movia a manivela de direção, concentrado no comando do bonde.

Daqui a duas paradas, vai subir no bonde aquele viúvo, que levava sempre consigo o seu violino para tocar no túmulo da esposa a mesma música, ele se surpreendeu pensando, com uma certeza premonitória, e, ao mesmo tempo, recriminando-se por ter, quando menino, seguido secretamente aquele homem até o cemitério, junto com uma malta de colegas do ginásio, para depois imitarem, entre risos e zombarias, numa mímica grotesca, um recital de violino.

Estava ainda às voltas com esses pensamentos terríveis quando o bonde parou para que o violinista subisse no estribo e se acomodasse no mesmo banco onde se encontrava o passageiro idoso, que, olhando-o de soslaio, surpreendeu-se ao ver que o viúvo não envelhecera como ele, era, sim, o menino de outrora, carregando o estojo do violino para aula de música. É preciso ter calma e ponderação: na verdade esse garoto que vejo é muito mais velho que eu, e pelos meus cálculos o garoto e futuro viúvo já deveria estar debaixo da terra. E esses outros passageiros também permanecem imunes à passagem das décadas, inclusive o condutor e o motorneiro, enquanto ele já velho a tudo assistia através das grossas lentes dos óculos de grau que agora usava como um apêndice indispensável. Engoliu a custo um silêncio amargo - o que fizera outrora, quando adolescente, tinha requintes de uma crueldade inominável. Sentiu-se tremendamente envergonhado. Sim, estava pagando por isso um alto preço. Teve que fazer um esforço sobre-humano para não confidenciar ao menino e futuro viúvo que não se casasse com a mulher que morreria na flor da idade. Não queria passar por maluco e nem poderia imaginar como seria a reação do estudante de violino, agora apenas uma criança. Seria certamente internado num hospício como um louco perigoso e de lá só sairia morto. 

Esse dilema trágico aumentou ainda mais seu sentimento de culpa, quando voltou à realidade absurda do retrocesso no tempo, quem sabe por escapismo ou talvez por um gesto desesperado de autodefesa, como algo que ficaria dentro de si sem resposta alguma, sob a forma de uma eterna interrogação. Matar-se, cometer suicídio? Era covarde demais para isso.

Buscava febrilmente outra solução, algo pragmático, que não iria decerto aplacar suas insônias que viraram uma constante em suas noites, e quando cochilava de pura exaustão era pior ainda, acordava berrando em agonia por causa dos pesadelos persecutórios.

Preciso encontrar, preciso encontrar, está aqui dentro de minha cabeça. Dizem que quem procura, acha, embora haja controvérsias.

Mas ele achou, pois essas coisas acontecem no universo ficcional, se o personagem conseguir impressionar o autor que o criou...

E foi isso que se deu, precedido dos toques de trombetas bíblicas que só o idoso escutou.

Vou consultar urgentemente o oculista, pois essas lentes estão fracas demais. Em seguida, retirou os óculos para limpar as lentes com o lenço, pensando que, além de fracas, estavam completamente embaçadas...

Ayrton Pereira da Silva



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Postado por Impressões Digitais
1/4/2019 às 16h38

 
LONDON LONDRES

A aldraba da porta,

o grifo brônzeo.


Ao lado, o Hyde Park:

sombra e assombro.


Entre névoas errantes,

o andar a esmo.


Pelas ruas de Londres,

a mão inglesa


surpreende de súbito:

salto e susto.


Fish and chips

ginger ale, pubs.


A cidade sorri,

dama discreta.


No quarto do hotel,

uma remota lembrança


é déjà-vu

e magia algo estranha


para a menina do quadro

e suas tranças.


O desconcerto chega

e toma conta


dos pobres dísticos

e sua circunstância...


Ortega ri seu riso

onde se encontra


na margem oposta

do Ebro lá de Espanha.


Esquento o chá

e seu aroma eleva


o espírito das flores:

primavera.


Enquanto sorvo

a cálida tisana,


o tempo tece

as teias das aranhas.


Ayrton Pereira da Silva



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Postado por Impressões Digitais
1/3/2019 às 09h59

 
Direções da véspera II

Do exílio, ficou o gosto das travessias.
O ermo das ruas aguardando os notívagos.
Ficou a tela da TV – mostrando guerras
e delícias – em compactos segundos.
Nosso reino pelo Cavalo de Tróia.
Nosso reino por um chope gelado.
Minha face por um castelo de festas.
Minha bolsa pelo aluguel do quarto.

Meu espelho pela minha imagem.

Nesse desajeito dos meus cabelos,
enlouquecem delírios de realidade.

(Do livro Travessias)

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Postado por Blog da Mirian
24/2/2019 às 17h23

 
Direções da véspera I

Foram-se os dourados da década travestida
de ouro. Por angústias, os dias se ressarciam
nas aventuras e músculos do Sheik de Agadir.

Nesse tempo, o anjo torto ensimesmou-se.
Nesse tempo, ser gauche tornou-se crime de guerra.
Mais tarde, disseram-me que:
saiu-de-moda. No desajeito da fala,
procuro meu verbo perdido.

Naufragando em papel, minhas palavras.

No desajeito destes versos, vagueiam
sonâmbulos da cidade prometida.

(Do livro Travessias)

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Postado por Blog da Mirian
10/2/2019 às 18h08

 
A Belém pulp, de Edyr Augusto



Edyr Augusto é hoje um dos nomes mais proeminentes da literatura contemporânea brasileira. Seus livros, editados a partir da década de 1990, pouco a pouco foram ganhando destaque da crítica e, já se pode dizer, do público leitor. Algumas de suas obras foram traduzidas para o inglês e francês. Desde então, o escritor paraense tornou-se um dos principais artistas que representam a complexa contemporaneidade da urbanidade amazônica, especialmente da capital paraense.

Longe de ser um porta voz de uma única e imutável identidade regional, sua literatura está muito mais ligada às últimas três décadas da realidade urbana da região. Essa realidade está situada principalmente em seus centros urbanos, mais especificamente, em Belém do Pará.

É com Os Éguas, de 1998, primeiro romance do autor, que essa trajetória e essa narrativa da cidade começam a se desenvolver. Nesse romance, já está presente uma caracterização da região que dista radicalmente das imagens consagradas pelos discursos regionalistas e midiáticos. A Belém que surge é povoada pela degeneração de seu ambiente.

A cidade se faz presente pela violência, pela corrupção, pelas drogas, pela simulação, pelo medo. Através do Personagem Gil, um investigador de polícia, a capital do Pará e seus “tipos” salta para fora, agônica e doente, como um instinto represado pela dor, que implode, página por página, a realidade.

Essa caracterização se seguirá nos livros posteriores, como Moscow (2001), Casa de caba (2004), Um sol para cada um (2008), Selva concreta (2013) e Pssica (2015). As imagens da caótica vida urbana que alimenta o noticiário “mundo cão” das capitais, como Belém, é um dos temas dos livros de Edyr, mas neles não está apenas uma imagem aterradora em fragmentos demonstrada, mas sim um projeto de escrita que formaliza a contemporaneidade decrépita que a todo dia cintila e obscurece nossos olhos.

Vejam, por exemplo, a abertura do conto Sujou, do livro Um sol para cada um, que integrou, em 2010, a Antologia Pan-Americana: 48 contos contemporâneos do nosso continente:


“Eu já sacava o cara. A gente fica ali na esquina e vai vendo as figuras da vizinhança. Basta qualquer barulho e eles chegam na janela dos prédios. Fica tudo lá, olhando. Mas parece que tem uma fronteira, sabe? Daqui para lá e de lá pra cá. Lá pra frente os barões. Aqui pra trás a zona. Mas é que às vezes tá roça mesmo. Ele chegou com o carrão e ficou esperando abrir o portão da garagem. Encostei, disse oi, pedi uma ponta, cigarro qualquer coisa. Disse que dava chupada, essas porras. Me deu uma banda. A Maricélia disse que podia dar merda, o cara se queixar, sei lá, segurança do edifício. Não deu. Disse que outro dia, tava de nóia, rolou discussão e mandaram chamar a polícia por causa do barulho” .



Reprodução

Na cidade de Edyr, a Belém é, ao mesmo tempo, dividida e indivisível, vigilante e vigiada, repleta de gente e solitária. A prostituição é, aqui, uma de suas marcas. Presente no centro da cidade, ao lado de suas praças, de suas ruas centenárias, de seus orgulhosos prédios históricos.

O que está em jogo é essa possibilidade de observamos essas outras faces dessa contemporaneidade da cidade, não apenas para atestar esses aspectos desoladores. Mas, fundamentalmente, compreender que não os reconhecer, ignorá-los, é também ignorar essa história, essa configuração social, essa realidade. É desconsiderar uma das mais importantes formalizações estéticas que se encarrega de representá-la.

Não é apenas negar, como reação, uma Belém idealizada veiculada ainda hoje por vários discursos (midiáticos, sociais, institucionais). Mas é – sob pena de virarmos as costas para o contemporâneo e sua decisiva importância que, gostemos ou não, transformaram parte do ethos do ser amazônico, belenense – dar visibilidade a uma representação que dialoga decisivamente com essa experiência.

Mais do que uma outra face da Amazônia, de suas cidades, essa caracterização surge como uma possibilidade de reconhecermos que, se a arte não é, obrigatoriamente, uma reprodução da realidade, ela não é apenas uma manifestação extemporânea.

No caso da literatura de Edyr Augusto isso é ainda mais revelador. Exatamente porque ela pode nos proporcionar uma representação da cidade que está, ao mesmo tempo, próxima demais do leitor e distante demais (o jornalismo a aproxima pelo fragmento, pelo fait divers) de uma representação estética que a formalize, que a reúna em um corpo discursivo que tem nessa experiência urbana seu fundamento.

Esse fundamento é esteticamente construído em estreita relação com o gênero de literatura policial. Mas ao contrário do clássico romance policial que primava por um detetive sóbrio, talentoso, genial e pela decifração lógica do crime, precisa, implacável e por uma representação da cidade onde o criminoso é ainda um elemento que se esconde na multidão, a literatura de Augusto está muito mais próxima do gênero pulp. Desse gênero no qual o crime é parte essencial da grande cidade, que nela habita como um hematoma indissolúvel, como nas cidades norte-americanas povoadas pelo crime das primeiras décadas do século XX.


Os “Éguas”/Belém, publicado em francês. Reprodução


Nesse ambiente, o detetive é alcoólatra, a violência é um de seus recursos, ele não é excepcional e a cidade que passa diante dele lhe parece como um acúmulo de seres e paisagens decaídos.

Assim surge a cidade na literatura do Augusto paraense. Sua narrativa, preenchida por essas características, adota uma série de imagens do lugar, imagens que remetem a espaços físicos, às caracterizações profundamente cênicas de situações e focalizações de seus “tipos” urbanos que, propositalmente, contrastam com um romântico discurso acostumado e atrofiado sobre a região e a “Cidade das mangueiras”.

A capital do Pará surge em sua literatura em um ritmo vertiginoso, sua escrita mimetiza o diálogo coloquial, o caos citadino, a fragmentação noticiosa dos jornais, o choque, a indiferença.

Uma representação que tem por temática o urbano e sua contemporaneidade, uma escrita que é realizada como um roteiro cinematográfico, repleta de imagens que nos levam diretamente para fisionomias imagéticas/fílmicas de Belém do Pará.

Nessa cidade pulp, nem sempre se pode lamentar o reluzente passado. Pode parecer desolador, mas, talvez, não se tenha mais tempo para essa lamentação, diante das cenas que implodem, diariamente, página por página, a realidade.


Texto publicado em Diário online. Em 12 jan. 2019. E em Relivaldo Pinho

Relivaldo Pinho é autor de, dentre outros livros, Antropologia e filosofia: experiência e estética na literatura e no cinema da Amazônia . ed.ufpa, 2015.

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Postado por Relivaldo Pinho
5/2/2019 às 12h19

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