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Segunda-feira, 4/9/2006
Castorf ousa ao reler Brecht
Guilherme Conte

Frank Castorf é um daqueles diretores sobre quem é difícil ficar indiferente. Por onde passa é amado ou odiado. Suas ousadas montagens costumam atrair narizes torcidos dos puristas e adeptos da tradição em geral. Com este Selva das cidades, texto de Bertolt Brecht, apresentado neste fim de semana em São Paulo, não foi diferente.

O trabalho de Castorf é marcado por atualizações e leituras pouco deferentes aos convencionalismos. Ele já havia causado algum barulho por aqui ano passado com o belíssimo Estação Terminal América - baseado em Um bonde chamado desejo, de Tennessee Williams - em que havia referências às lutas sociais na Polônia nos anos 80 e canções de Lou Reed embalavam o espetáculo.

Com este Brecht, Castorf e o grupo berlinense Volksbühne foram além em seus radicalismos - para o bem e para o mal. A montagem aposta no humor nonsense presente no texto do jovem dramaturgo (a peça é de 1923, quando Brecht contava 25 anos). É uma das peças de Brecht com imagens mais alegóricas, quase delirantes: narra uma luta imaginária entre um funcionário de uma biblioteca de empréstimos e um madeireiro malaio na Chicago de 1912.

A Selva de Castorf não tem lugar ou época definidos. Sua concepção é livre, carregada de sarcasmo e ironia. Aqui seus personagens não têm vontade de lutar, fazem-no por inércia. Suas vontades são aniquiladas pelo espectro de imobilidade e passividade reinantes. O vazio da cultura e da sociedade como assassinos de nossos ímpetos.

Sua direção é bruta, rústica (e até com alguns exageros). O palco vai ficando entulhado ao longo do espetáculo. E o talento de Castorf para a criação de imagens impactantes encontra poucos paralelos no teatro contemporâneo. Seu hotel chinês, com fundo de luzes vermelhas, é memorável.

Destaque para o elenco alemão, com um nível técnico apuradíssimo, sobretudo nas figuras de Milan Peschel (George Garga) e Herbert Fritsch (Shlink, o negociante de madeira malaio). Fica evidente a competente direção, para a harmonia em um espetáculo de difícil execução. Pena que haja tamanha disparidade em relação aos participantes brasileiros. Nelson Triunfo, embora não seja ator, segura o papel de John Garga com seu carisma. Já Sandra Santos decepciona com uma fraquíssima atuação no papel de C. Maynes.

O registro negativo fica por conta do ineficiente sistema de legendas, que chegou ao ponto de irritar boa parte da platéia. O descompasso para com as falas foi tamanho que quem não conhecia o texto beirou - ou atingiu - o incompreensível. E não é obrigação do público conhecer a obra. A absoluta falência das legendas contribuiu em grande parte para que fosse constante o fluxo de pessoas abandonando o espetáculo em seu decorrer.

Se não tem o mesmo brilho de Estação Terminal América, Na Selva das Cidades ainda assim é mostra do talento de um criativo e corajoso diretor. Uma visão para lá de original de uma obra de um dos grandes dramaturgos do século XX.

Guilherme Conte
4/9/2006 às 17h28

 

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