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Sexta-feira, 22/9/2006
El dia que me quieras
Guilherme Conte

Termina neste final de semana a temporada do espetáculo El dia que me quieras, belíssimo trabalho do grupo Folias d'Arte. No texto, do venezuelano José Ignácio Cabrujas, o famoso cantor de tangos Carlos Gardel faz uma viagem à Venezuela. A peça foca a tradicional família Ancizar, que tem suas relações botadas em xeque com a chegada do astro.

Foto: Lígia Jardim / Divulgação

A montagem é estruturada como os próprios musicais de Gardel, com músicas executadas no decorrer da trama. Uma das irmãs Ancizar está se preparando para ir à União Soviética com o marido. A irmã mais velha reprova este desejo, ocupada com os preparativos para a chegada de Gardel. A sobrinha órfã não tem olhos para outra coisa que não seja o cantor. O irmão, um fanfarrão idealista, consegue inclusive se aproximar dele.

Com um tom cômico, a peça é uma bela reflexão sobre a morte das utopias. O marido de Maria Claudia, Pio, aparece na primeira parte com óculos escuros como um cego, que assume uma postura revisionista e bota, melancolicamente, seus valores e crenças em uma nova perspectiva. Maria Claudia é uma deslumbrada encantada pelo discurso do marido - ela sonha com a vida no campo nos kholkozes da Ucrânia -, mas que vacila ao ficar próxima de Gardel, que visita a casa.

Foto: Lígia Jardim / Divulgação

A decadência da família emerge entre discursos inócuos e uma cegueira para o mundo circundante. Os Ancizar estão presos a um tempo que passou, em uma cidade colocada a escanteio no desenvolvimento econômico e cultural. Seus horizontes não ultrapassam aquela Caracas nostálgica que endeusa Gardel.

Todos ali são no fundo figuras vazias ilhadas em um país colonizado, agarrados desesperadamente a tradições empoeiradas pelo tempo. Tanto o nome do finado General Ancizar quanto a grandeza da casa, um palacete decadente, com móveis cobertos, são evocados com freqüência.

Foto: Lígia Jardim / Divulgação

O texto alcança grandes dimensões na inteligente e sensível montagem de Marco Antonio Rodrigues, que carrega no registro expressivo de seus atores. O elenco é talentoso e celebra a alegria de se fazer teatro, com um belo trabalho musical e lindas imagens, além de interagir com o próprio entorno do galpão, quando se abrem as portas do teatro.

O Folias, responsável por alguns dos melhores espetáculos paulistanos dos últimos anos, acerta em cheio em El dia que me quieras. Teatro de discussão política sem nem sequer passar perto de ser panfletário ou leviano. Aqui, a reflexão vem do riso e da poesia.

Para ir além

El dia que me quieras - Galpão do Folias - R. Ana Cintra, 213 - Santa Cecília - Tel. (11) 3361-2223 - R$ 20 - 150 min. - Sexta e sábado, 21h; domingo, 20h - Até 24/09.

Para quem quiser conhecer melhor o trabalho do grupo, há algumas boas oportunidades. Até o dia 24 de outubro acontece o projeto "Latinitudes e Longitinidades", com uma série de debates, filmes e show com a Améria Latina em questão. No dia 13 de outubro reestréia a montagem de Otelo, de Shakespeare. E também em novembro acontece a quinta edição da Mostra do Folias, evento anual que traz outros trabalhos do grupo e peças de conjuntos convidados. Em 2006 virão os grupos As Graças, Caixa de Imagens, Farândola e Barracão Teatro.

Guilherme Conte
22/9/2006 às 15h43

 

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