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Sexta-feira, 29/9/2006
Genet no Satyros
Marília Almeida

Uma cela. A solidão de um homem. Expectativas que se contradizem. O que dizer diante do tribunal na manhã seguinte e quando o carcereiro chegar ordenando a saída pra tomar sol parecem duas questões desoladoras. O falar sozinho redunda no ambiente tosco composto por duas privadas e paredes sujas. Alucinações, idéias de grandeza, desejos impossíveis e incorporações onde autor se confunde com sua obra parecem ser as soluções para um cenário desesperador.

Pedro Vieira traduz os abundantes desejos do escritor francês outsider Jean Genet (1910-1986), que vivia de roubos e prostituição após ser abandonado pela mãe, com o lirismo que é próprio de sua literatura no monólogo Três Paredes e Meia, última semana em cartaz no Espaço Satyros 2. Com um jogo de cena primoroso, o cenário pobre e fidedigno à história de Frank Dezeuxis torna-se extremamente dinâmico. A luz é essencial na peça, assim como o jogo corporal do protagonista, obra de Valéria Jouse, que se desnuda e se recompõe com incrível naturalidade e leveza de gestos.

A idéia de encenar um espetáculo baseado na obra de Genet surgiu do próprio ator em uma turnê por presídios com o grupo Teatro da Vertigem, que tem mais de uma década de vida e se tornou famoso por encenar uma trilogia bíblica que discute o limite entre o sagrado e o profano, relacionando-os a temas como o massacre do Carandiru. Na ocasião, Pedro participava da peça Apocalipse 1,11 e, em um destes presídios, um polonês lia com emoção Nossa Senhora das Flores, obra de Genet na qual se inspira a livre-adaptação e que se tornou conhecida principalmente entre os próprios presidiários por seu retrato fiel e autobiográfico dos sentimentos contraditórios da "vida bandida". Pedro chamou, então, Emerson Rossini, ator da Companhia do Latão com experiências anteriores de direção, e o dramaturgo Sérgio Pires, responsável pelo texto, dentre outros espetáculos, de Cadência (2004), e produziu o espetáculo.

Ernestine e Divine são personagens da obra repetidamente clamadas pelo ator no espetáculo, sempre em estado de puro torpor. Por fim, vemos uma fusão e não a encarnação de diferentes personagens. É o autor alucinado, no fundo do poço, que conversa e confidencia com o espectador imaginário, além de se revoltar com outros presos fora de cena e cochichar consigo mesmo. Ele sente suas personagens, sofre com elas e se preocupa com o que lhe acontecerá diante do tribunal. Ao mesmo tempo, deseja o carcereiro ardentemente e se fantasia de Divine.

Genet choca não por sua crueza, mas pela intensidade de seus desejos, expressos em sua resumida carreira como escritor, que o transformou de pária a um dos maiores escritores franceses contemporâneos. E Pedro consegue mostrar estes desejos de forma eficiente em uma peça singela que merece atenção. Além do que, é bom sentir no teatro um gostinho da obra de Genet que, já foi bem dito, é uma obra mais comentada do que conhecida.

Para ir além
Espaço dos Satyros 2 - Praça Roosevelt, 124 - Tel. 11 3258-6345 - Ingresso - R$20 com meia entrada para idosos, estudantes e classe teatral - Quinta às 23h30 e Sábado às 19h

Marília Almeida
29/9/2006 às 06h30

 

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