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Segunda-feira, 20/11/2006
A morte das línguas
Ana Elisa Ribeiro

Eu queria ler um livro que tratasse dos temas caros a mim, mas não queria uma leitura pesada, científica, acadêmica em demasia. Na estante da livraria, a capa roxa me chamou a atenção. Quando abri o livro, o projeto gráfico arejado e a mancha pequena me deixaram aliviada. A leveza dos grafismos em retícula no canto de baixo e nas aberturas de capítulos me pareceram clean. Comprei.

Tratava-se do livro A revolução na linguagem (Jorge Zahar, 2006, 152 págs.), do lingüista David Crystal, mais conhecido entre os graduandos em Letras pelo seu dicionário de Lingüística. O professor da Universidade de Wales resolveu tratar da morte das línguas como um tema da escala dos problemas ecológicos. É até divertido ler o desespero concentrado de Crystal ao tratar as línguas moribundas. Para ele, um movimento enorme e internacional deve tratar logo de salvar as línguas, assim como se salvam as baleias jubarte.

Crystal ajuntou cinco conferências sobre língua nesta obra despretensiosa. No primeiro capítulo, ele explica por que trata a mudança lingüística deste século (e do passado) como revolução. Para ele, tudo aconteceu tão rápido e tanto que merece ser chamado de "revolucionário". Mais adiante, o lingüista se derrete pela globalização da língua inglesa. De fato, o fenômeno do inglês como primeira, segunda língua ou língua estrangeira é algo de novíssimo na história da humanidade. Impossível não perceber que temos um idioma que, ao mesmo tempo que serve para a comunicação em quase todas as partes do globo, também se diversifica a cada dia, já que britânicos e norte-americanos perdem o controle sobre ele e seus padrões gramaticais. Crystal não vê a mudança e a diversificação como ameaças, apenas como mudanças.

De vez em quando, o professor toca no caso do português e de algumas línguas indígenas. Aproxima-se de uma pequena história das línguas francas e aponta soluções divertidas (inclusive com toques de ironia) para o salvamento das línguas que morrem. Segundo Crystal, a cada duas semanas uma língua se extingue em algum canto do mundo. Um terror.

E a Internet com isso? Claro que o lingüista menciona a Internet como uma das responsáveis pela difusão da língua inglesa. E mais: como um meio de comunicação capaz, também, de ajudar a salvar o idioma dos perigos da dispersão. A Internet possibilita a comunicação pelo mundo inteiro, de maneira mais real do que muita aulinha de inglês de verdade.

No último capítulo, Crystal toca num ponto interessantíssimo para quem visitou o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. O professor menciona as tentativas, na década de 1990, de erguer "templos" para as línguas em vários países do mundo. Em nenhum lugar isso vingou. Crystal lamenta que não tenham se lembrado de cultuar a língua, qualquer que seja, numa espécie de museu vivo. Chega a descrever um projeto europeu para o que chamaria O Mundo da Língua, no Reino Unido, que seria construído num prédio de três ou quatro andares. Bingo! Está aí nosso museu do português, único no mundo a vingar e a dar tanta fila para entrar. Bacana, não? Tudo bem que as escolhas mereciam mais conversa, talvez uma pesquisadinha do lado de fora da academia. Também pode-se questionar tanto espetáculo e videoclipe no lugar dos livros. Affonso Romano de Sant'Anna, numa lindíssima crônica no Estado de Minas, questiona justamente isso: cadê os livros num museu da língua? Ah, mas deixa pra lá. Vamos convidar o prof. Crystal para uma visitinha. Quem sabe somos citados em sua próxima conferência?

Vale a pena procurar o livro da Jorge Zahar Editor e pensar nas revoluções por minuto das línguas conectadas pela Internet. Ah, também vale visitar o Museu da Língua Portuguesa, na Estação da Luz, em São Paulo.

Ana Elisa Ribeiro
20/11/2006 às 14h07

 

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