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Segunda-feira, 20/11/2006
Bortolotto e o velho Jack
Guilherme Conte

Certos espetáculos têm a capacidade de provocar a circunspecção. Saímos do teatro pensando, avessos ao convívio social, às conversas triviais. Só vamos nos dar conta de que o celular está desligado horas depois. Kerouac é assim. Rápido, ágil, essencial.

O texto de Mauricio Arruda Mendonça consegue captar o espírito do escritor Jack Kerouac. Começa engraçado, com aquela ranzinzice toda, e vai se tornando azedo, de difícil digestão. O riso se torna constrangido. A crueza do texto toma conta. A simplicidade da direção de Fauzi Arap é a palavra de ordem - sem ornamentos desnecessários, não há elementos que dispersem.

E a chave da montagem está na cumplicidade que a excelente interpretação de Mário Bortolotto consegue estabelecer com a platéia. É Kerouac quem está ali, abrindo-se para nós. E é impressionante ver como seu discurso aparentemente desconexo guarda uma coerência essencial. Vemos um homem fiel e compromissado com seus sentimentos, angústias, vontades, princípios. Quase religioso, como chega a dizer, quando trata de Deus.

Bortolotto, talentoso dramaturgo, dá asas aqui ao seu lado ator. E o faz com maestria; é um apaixonado, devotado ao teatro. Sua interpretação de Kerouac pode ser resumida a uma palavra: honestidade.

Um trabalho preciso de um artista maduro e que acredita no que está fazendo: o resultado é de uma beleza que toca e nos faz olharmos para nós mesmos. Teatro na essência, que não subestima a inteligência do espectador. Ao contrário, aposta nela para se fazer existir. E existe.

Guilherme Conte
20/11/2006 às 16h33

 

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