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Sexta-feira, 12/1/2007
Cinema em Atibaia II
Tais Laporta

Depois de um dia marcado por exibições mornas, finalmente a segunda edição do Festival de Atibaia Internacional Audiovisual começa a ferver. Ontem foi a vez de fragmentos de genialidade ganharem espaço na sala de projeção do Centro de Convenções. A seleção de curtas mostrou temáticas mais diversificadas e abriu portas para o humor inteligente. Grandes surpresas lançaram luzes, inclusive, sobre produções mais medianas, tornando a média de ontem bem superior ao dia anterior.

A mostra não competitiva dos filmes exibidos durante o Festival de Emden, na Alemanha, trouxe ficções com roteiros indiscutivelmente bem-elaborados. Seria melhor que todos fossem exibidos com legendas em português, assim como os brasileiros receberam cuidadosa tradução para o francês. A organização se desculpou pela falha, mas o detalhe não passou batido. Um festival aberto para o grande público - que, não necessariamente, entende mais de uma língua - não poderia se dar a esse luxo. Um curta alemão, recheado de diálogos, ganhou projeção sem qualquer legenda. Outro foi traduzido em inglês. Por sorte, o público captou a expressividade na dupla "forma-conteúdo" dos filmes.

Dentro da sessão, o curta Clube de Chicxu metaforizou a tragédia de um casal diante do acidente da filha. O "choque humano", sempre abordado por óticas convencionais, ganhou adequada comparação ao período em que um meteoro se chocou à Terra, há 65 milhões de anos. Transportou o horror do fim do mundo dentro de duas pessoas. Outro curta que literalmente emocionou o público foi Romance. Embora discutisse o velho estigma da solidão e da enfermidade em um quarto de hospital, transbordou em delicadeza e sensibilidade, sem cair no perigo da comoção "barata".

Ainda na mostra alemã, a animação em stop motion, Kater, alucinou o público com sua veia humorística - gênero que quebrou, em boa hora, a sequência de filmes dramáticos. O curta alcançou visibilidade no Anima Mundi e provou que a técnica em stop motion agrada tanto ou mais que o desenho em três dimensões. Para finalizar a sessão estrangeira, o curta Chinese take away foi daquelas ficções em que o conteúdo fala mais alto que a forma. Propositadamente engraçado e catártico, completou a lista dos grandes trabalhos da mostra.

Quanto aos curtas brasileiros, ontem foi o dia dos documentários e filmes de humor. Todos trouxeram um dinamismo que esteve em falta na média da mostra anterior. Os trabalhos de não-ficção Z.inema, de Carol Thomé, e Canto de cicatriz, de Laís Chaffe, exploraram lacunas inéditas em suas respectivas temáticas. O primeiro contou a história de um homem que construiu uma sala de cinema com sucatas encontradas na rua. Já o segundo discutiu um problema ainda indigesto no Brasil: a exploração sexual de crianças. Ambos redondos e bem documentados, valeram pelo conteúdo.

O esperado Alguma coisa assim, de Esmir Filho e Mariana Bastos, se salvou pela composição visual e pelo jogo de câmeras, mas se apagou perto dos outros curtas. O roteiro, cheio de mensagens subentendidas, começa e termina com uma indefinição confusa. Ontem foi mesmo o dia dos humorísticos. A começar por Santa de casa, animação inspirada em conto de Aldir Blanc que satiriza a sociedade brasileira sem agressividade. Os grandes estereótipos presentes no país do Carnaval ganharam destaque em um enredo leve e bem-humorado.

O fim do mundo - Flashback Society, classificado como documentário, é um retrato propositadamente engraçado sobre a tensão do ser humano perante o fim do mundo, durante a virada do ano de 1999 para 2000. O vídeo caseiro e sem comprometimento com a forma chamou a atenção pelas brincadeiras ilustrativas sobre a posição dos planetas no momento da "destruição final". Também captou depoimentos e cenas igualmente sarcásticos. Um tipo de humor que não estaciona na superficialidade ou nos preconceitos sociais. Alcança as bases da sociedade - fé, morte, religião e amizade.

Mas o projeto que realmente surpreendeu foi A espera da morte, de André Luís da Cunha. De longe o mais comentado, chamou a atenção quando ninguém mais esperava produções ímpares. No curta, a companhia de teatro brasiliense Os Melhores do Mundo interpreta a tripulação do submarino soviético Krushev. O cenário, o figurino e os planos de câmera convencem. E o roteiro também impressiona por intercalar, de forma apropriada, momentos de tensão e de humor. Um detalhe curioso: os diálogos são todos em russo. O elenco ensaiou por meses para satirizar as tripulações russas com mais intimidade. Outra surpresa foi a interpretação de Jovane Nunes no papel do comandante. O público ovacionou o curta, que encerrou a mostra com saldo positivo.

O Festival de Atibaia encontra, aos poucos, o seu norte. Mas ainda é cedo para tirar conclusões definitivas. Faltam mais dois dias de exibições. E o Digestivo vai cobrir os melhores momentos.

Tais Laporta
12/1/2007 às 15h16

 

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