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Terça-feira, 16/1/2007
Fotos e Charutos
Guga Schultze

Bar Otoni 16, Belo Horizonte, noite, 09/01/2007

Parei o carro debaixo da chuva e dei uma corrida rápida até o bar. Ia ver a exposição de fotos Fantasias de Fidel, de ´ Élcio Paraíso. Os bares às vezes são mínimos e esse não escapou, mas o essencial é o clima e, nesse, eu vi que era bom. (Deus fez o céu, a terra, os bares e também viu que era bom.)

Localizei Élcio, mesa lateral, cercado de conhecidos. Antenas ligadas, atento ao ambiente, o que dá a impressão contrária quando se conversa com ele, como se estivesse meio distraído. É uma falsa impressão. Está atento a você e a tudo mais. Imagino que é a marca do fotógrafo profissional.

Me explicou, em rápidas palavras, a idéia básica da mostra: Fidel faz um discurso de cinco, seis horas e depois vai fumar um charuto. A cabeça deve se soltar, depois do esforço. E isso deve gerar imagens... Olhei pra parede e lá estavam algumas. Nove fotos em branco e preto, o ato de empunhar um charuto em diversas situações: uma enfermeira, um cãozinho (com um charuto na boca), freiras jogando cartas, um mecânico de motonetas, a barba maior que a do El Comandante, uma moça de perfil; todos manuseando um substancial tarugo.

Notei uma do sujeito na janela de um carro; me chamou a atenção o design daquela porta. Élcio percebeu e me apontou o carro, estacionado na rua, em frente ao bar: "é aquele, meu Karman Ghia." Élcio tem um Karman Ghia(!) prateado.

Um trio alegre e ladino tocava música latina. Ou vice-versa. Violão, percussão e sopros (sax e flauta). E vozes, claro. Três elementos de uma banda maior, União Latina (acho que é isso), formada de treze ou mais hermanos del continiente. O violonista e cantor, Sinuhé, competente e seguro na marcação, quase me fez acreditar que tocariam a "Rumba Azul", pedido meu. A moça da percussão não sabia que música era. Soube depois que não era um trio cubano, apesar da infalível "Guantanamera". Tudo bem, a música tava ótima.

Conheci Liliane Pelegrini, organizadora do evento, a simpatia dela deixa a gente logo à vontade. É jornalista cultural do jornal O Tempo, há tempos o melhor caderno de cultura de Belo Horizonte. Acho eu, mas há controvérsias.

Eu sou leigo em fotografia e me interesso pela transformação da coisa em arte. Quando uma foto entra pra essa categoria? Solicitei, no dia seguinte, uma pequena entrevista (duas perguntas) com Élcio, por e-mail.

Ele respondeu tão bem, por escrito, que o melhor é mostrar na íntegra:

1. O que, na sua opinião, define uma boa foto? (Já que uma foto que esteja nítida e enquadrada, pelo menos, está ao alcance de quase qualquer pessoa...)

Uma fotografia é fruto de como o fotógrafo vê o mundo. Eu, por exemplo, tenho consciência de que uso todo o feedback (que nem é tão grande assim) que tenho de literatura, história, cinema, arte, a serviço da minha fotografia. A técnica também é utilizada a serviço dessa criação, mas é uma parte disso. A técnica fotográfica é bastante simples de aprender, não leva muito tempo, não. O mais difícil dentro da fotografia é entender, identificar e evoluir um estilo. A boa foto, para mim, tem a marca do fotógrafo e por si só diz a que veio. E para dizer a que veio o processo de preparação é essencial, captar o momento é importante, mas primeiramente acho necessário identificar o que vai ser fotografado, criar uma história, estudar as possibilidades e sentir o clima. Só depois disso posso resolver qual filme usar, temperatura de cor e iso (sensibilidade do filme ou de captura digital).

2. Em quais momentos você escolhe tirar fotos em preto-e-branco? E coloridas?

Muitas vezes faço o material colorido e quando vou tratar no computador (isso no caso do digital e mesmo da digitalização de um filme) decido que deveria ser preto-e-branco e aí converto a imagem, mas isso é raro acontecer. Gosto de decidir, na hora, a melhor forma de captar o momento. No caso de Fantasias de Fidel decidi o tema, criei o argumento e imaginei as cenas. Neste ponto de preparação decidi que seria feito com uma câmera médio formato (hasselblad 6x6) e, como não conseguia imaginar as cenas coloridas, soube que todo o trabalho teria que ser feito em preto-e-branco. Podemos dizer que a cena nos pede como gostaria de ser captada.

* * *

Élcio me explicou sua formação, jornalista que usa sua experiência em fotojornalismo para a arte no ato de fotografar. Utiliza a técnica para criar seus próprios trabalhos ou projetos, "a possibilidade de contar uma história sem palavras me fascinou completamente". Possui uma agência de fotografia, a Benditafoto. Diz ainda ter tido excelentes resultados aplicando essa técnica em fotos de casamento, por exemplo e "presto serviço para assessorias de imprensa e produtoras culturais fotografando música, comportamento e moda. E ainda toco meus projetos pessoais e trabalho como professor de fotojornalismo em uma escola de fotografia, a Techimage."

Grande Élcio. Foi um prazer conhecê-lo.

Para ir além
As fotos podem ser vistas no site Benditafoto.

Guga Schultze
16/1/2007 às 02h53

 

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