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Sexta-feira, 19/1/2007
Livrarias em tempos modernos
Vitor Diel

Quando eu quero comprar uma roupa, o vendedor de roupas entende de tudo. Quando eu quero comprar um carro, o vendedor de carros também entende de tudo. Mas quando eu quero comprar um livro, o vendedor de livros nunca entende do produto que ele tem que vender. O vendedor que menos conhece seu produto é o vendedor de livros.

Entrei numa livraria para pesquisar uns preços. Perguntei por A náusea, de Sartre. O rapaz consultou o sistema - coisa que eles adoram fazer - e encontrou uma cópia em uma prateleira lá no canto. Me disse o preço, eu li a contracapa e as orelhas. Ele perguntou se eu estudava Letras, eu respondi "Jornalismo". Me indaguei o porquê da pergunta, se talvez estudantes de Letras têm desconto ou se são os únicos a lerem Sartre. Mas resolvi não esticar a conversa e segui para uma segunda livraria.

Lá, perguntei para outro rapaz pelo mesmo livro. Ele também foi consultar o sistema:

- Tem H?
Eu franzi a testa:
- Como assim?

Estiquei os olhos para ler o que ele estava digitando no computador que não A náusea e "Sartre". Estava escrito "Anausea".

- Não, é "a" espaço "náusea" - informei, acabando com seu neologismo do absurdo.

Ele se corrigiu, murmurou Jean-Paul Sartre em um falso sotaque francês e me disse "só por encomenda". Suspirei e fui embora pensando que vendedores de livros têm muito a aprender com vendedores de carros ou roupas.

Eu não quero uma aula sobre Existencialismo francês quando eu for consultar um preço numa livraria, mas eu gostaria muito de ser orientado e informado sobre a obra, onde ela se encaixa no assunto, que outros títulos poderiam me ajudar na minha pesquisa. Eu gostaria que os vendedores de livros dialogassem comigo, me instigassem, me oferecessem outros produtos, assim como faz a mocinha da loja de roupas. As livrarias são formadas não por livreiros, mas por meros funcionários que consultam o sistema e buscam o livro na prateleira: operários de uma indústria em que pensar não é necessário e conhecer o produto que vende não é importante.

Isso me lembra o filme Tempos modernos, de Charles Chaplin. O sujeito se resigna a ser um mero apertador de porcas e parafusoss e não tem idéia do resultado final que sua fábrica produz, até que é literalmente engolido por uma das máquinas. O mercado das livrarias não exige de seus vendedores entendimento do assunto ou predileção pela literatura. Para trabalhar numa livraria basta saber acessar o sistema e buscar o livro na prateleira, sem criar vínculo com o cliente e sem estimulá-lo quanto a leituras semelhantes. O conhecimento é um subproduto que se compra no escuro, ao contrário de roupas e automóveis.

O mercado das "lojas de livros" seria mais esperto se percebesse que o cliente bem orientado e bem atendido sempre volta e compra mais. As livrarias não passam de espaços bem iluminados, cheios de livros nas prateleiras, com vendedores desinteressados e computadores com acesso ao sistema. E isso é muito pior nas já comuns megastores, onde os vendedores foram trocados por terminais on-line onde você mesmo acessa o tal do sistema numa tela sensível ao toque, sob um deslumbre tecnológico que não sacia carência alguma. Revolucionário mesmo é o livreiro que conhece os livros que vende, conversa com o cliente e participa de sua ânsia por conhecimento. Afinal, conhecimento não é sistema, é diálogo; não é máquina, é homem.

Mas tudo bem, não é o fim do mundo. Para mim, o mundo acaba mesmo toda vez que eu vou numa livraria e admiro a prateleira dos mais vendidos. Ali está, diante de mim, o retrato da falência do indivíduo, uma fatia da ansiedade do homem contemporâneo e um testemunho do desespero existencial que nos faz baratas tontas num mundo de ofertas coloridas e respostas ilusórias. Curiosamente, dessas respostas os vendedores de livros sabem me informar.

Vitor Diel
19/1/2007 às 17h07

 

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