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Segunda-feira, 5/3/2007
Revistas velhas na praia
Adriana Carvalho

Uma das coisas que eu mais gosto em casa de praia é de ler as revistas e os jornais velhos que as pessoas esquecem ou deliberadamente deixam lá, como lembranças acumuladas dos sucessivos verões. Há várias primeiras páginas de primeiros de anos. Na pilha de revistas de dezembros, janeiros e fevereiros, eventualmente há um exemplar de abril ou agosto, denotando que alguém passou ali fora da temporada.

Para mim, que sou jornalista, passar quinze dias lendo notícia vencida dá uma estranha e paradoxal sensação de poder: estou de férias, não preciso saber de nada que aconteceu hoje. Não preciso e não quero. Aliás, quero ficar bem ignorante do mundo, só pra chegar em casa e ouvir alguém comentar: "Você não sabia que fulano morreu, que o governo fez isso e aquilo, que um buraco abriu no chão e quase que o mundo se acabou? Onde você estava?". E então, responder: "Eu estava na p-r-a-i-a. De f-é-r-i-a-s".

Deitada na rede, gosto de ver quanta bobagem já foi escrita, quantos produtos foram anunciados como o estado da arte da tecnologia. Caso de um celular do modelo que eu uso hoje, aquele azulzinho, que uma propaganda de revista de anos atrás destacava por ser o mais fino (fino de espessura e não de luxo) do mercado. Hoje acho que ele se encaixa na categoria mais chulé que existe. Mas não posso deixar de pensar nele como uma espécie de fusca da telecomunicação: é rústico, mas desde que o comprei já resistiu a diversos ataques do Francisco, meu pequeno bárbaro destruidor; os números do teclado quase sumiram e está manchado de tinta de uma caneta azul que estourou na bolsa.

Em uma revista de 1999, encontro um conselho catastrófico de investimento: "aplicar em bois é uma alternativa que tem dado bom retorno". Como exemplo, a matéria citava a Fazendas Reunidas Boi Gordo, que dois anos depois iria protagonizar uma das maiores falências do País, deixando mais de 30 mil investidores na mão.

A leitura ociosa de revistas femininas, de celebridades e de novelas me divertiu muito nessa temporada. Uma delas trazia um teste para a leitora avaliar o conhecimento sobre o corpo masculino. Uma das questões era: "quantas calorias tem o sêmen masculino". Dá para acreditar??? Além do pleonasmo "sêmen masculino", nunca me passou pela cabeça que alguém pudesse pensar em questões calóricas dessa natureza! Os anoréxicos que não descubram isso! Se alguém estiver interessado, a tal revista informa que não há motivo para pânico: uma colher de chá de "sêmen masculino" só tem 5 calorias...

Outro teste, de outro janeiro, outra pergunta bizarra: "se você fosse se comparar a um molho picante, qual deles você seria? a) molho inglês - suave e exótico (?!!) b)Tabasco c) Catchup". Passo para as revistas de "personalidades". Olho um travesti que usa um vestido amarelo brilhante e procuro a legenda para saber quem é. Para minha surpresa não é um travesti. É a senhora dona Fulana, uma socialite muito importante etc. etc. Surpresas da vida.

De volta às femininas, uma enquete muito importante traz um dilema moral: "Você doaria um rim se soubesse que seria para uma rival?". Logo em seguida, um depoimento que me faz duvidar que a edição seja realmente dos anos 1990: "Porque bati na mulher que amo".

Os resumos de novelas, nas revistas fininhas em meio a receitas de torta de liquidificador, não deixam por menos: "Rosana dá ordem a Joaquim para que pegue o ácido sulfúrico".

No fundo da pilha, encontro uma edição realmente velha. Uma Planeta, da década de 1970. Na contracapa da revista, um anúncio de cigarro, do "fino que satisfaz". Na foto, um loiro com cabelo de Ronnie Von (quando o Ronnie Von tinha cabeleira), todo vestido de branco, acende o cigarro de uma morena ao lado de um moreno dono de um senhor "mullet". Na mesa uma garrafona de whisky, daquelas com tampa de vidro. Quantos sinais dos tempos: em primeiro um anúncio de cigarro, coisa que já não existe mais hoje; em segundo um anúncio de cigarro numa revista esotérica, o que parece tão absurdo como ver propaganda de cerveja em gibi infantil; em terceiro um festival de breguice nos cabelos e roupas que me leva a meditar sobre o que pensarão de nossas roupas e cabelos em um futuro não muito distante.

Ao final da temporada, novas revistas trazidas pelos visitantes deste ano colaboram para o crescimento da pilha na estante de vime. Uma delas diz que a depilação iraquiana é o que há no momento. Não posso deixar de pensar no fantasma do Saddam Hussein em uma clínica de estética subterrânea, arrancando pêlo por pêlo com uma pinça enferrujada ou derramando asfalto quente na pele, enquanto dá gargalhadas sinistras...

Adriana Carvalho
5/3/2007 às 09h20

 

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