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Terça-feira, 20/3/2007
A grande final
David Donato

"De quatro em quatro anos acontece um dos maiores espetáculos da Terra. Para a maioria de nós, é fácil acompanhá-lo. Para outros, não."

Com essas palavras, o desconhecido diretor de documentários Gerardo Olivares apresenta a curiosa premissa que descobriu quando viajava pelo deserto da Mongólia e encontrou uma fila de nômades que levava uma velha TV em um dos cavalos. "Estamos indo para a Árvore", eles disseram. Na verdade, era um poste de ferro abandonado por soldados e que eles usariam como antena. "É a final da Copa do Mundo."

O fato de pessoas de rotinas tão diferentes quanto caçar raposas com águias no frio do deserto mongol, ainda assim saberem qual o número da camisa do Ronaldo e qual o último grande lance do Zidane é um exemplo claro do poder exercido pelo futebol no mundo. O próprio Pelé, ao ser perguntado sobre sua popularidade frente a Jesus Cristo, respondeu "Há lugares em que Jesus não é tão bem conhecido".

Declaração apropriada, já que o filme A grande final trata de três comunidades isoladas do mundo, mongóis nômades, beduínos do Níger e índios amazônicos, nenhuma delas cristã, que têm em comum a necessidade de assistir o maior espetáculo da Terra, a final da Copa de 2002, Brasil contra Alemanha. O filme transita entre os três povos mostrando que, apesar de a maioria de nós não precisar comprar e vender camelos para sobreviver, temos paixões parecidas, aspiramos ser parte de um grupo e queremos ser como nossos heróis. O interessante é descobrir que para o mundo inteiro esses heróis também correm atrás de uma bola.

Apesar de toda a curiosidade antropológica que o assunto desperta, o filme ainda é uma comédia, feito para deixar um sorriso no canto da boca e trazer algumas horas de entretenimento para o público.

Nada de errado com isso, a não ser que o diretor erre a mão. Infelizmente, é o que acontece em alguns momentos da projeção, que apela para efeitos sonoros e truques de edição para deixar o clima mais, digamos, pastelão. O problema é que a virtude do filme está exatamente no clima "documental", que nos faz crer que aquelas situações, apesar de inusitadas, são perfeitamente verossímeis.

Nesse caso, as situações engraçadas acontecem naturalmente, como aconteceriam em qualquer reunião de família. Assim, acelerar a câmera e brincar com barulhos de desenho animado quando uma pedra é lançada pela janela caricaturiza a história e enfraquece seu humor natural.

Mesmo assim há vários momentos interessantes no filme, como o garoto africano que está a caminho da França para tentar a sorte como jogador de futebol, e que, para sobreviver na jornada, ganha dinheiro vendendo páginas avulsas de revistas pornográficas, e a matriarca mongol, que a cada dia, quando seu filho chega da caçada, o cumprimenta com uma pérola de sabedoria indecifrável pelo resto da família.

Vale ressaltar também o fato de as equipes de filmagem de cada segmento são dos países de origem, o que torna as histórias mais autênticas. Um pôster da campanha presidencial do Lula pendurado em uma das ocas e a antena da DirecTV que é usada pelos índios como bandeja quando não está recebendo sinal são detalhes interessantes que ilustram isso.

O tom documental também se destaca no elenco de não-atores e que têm suas verdadeiras ocupações descritas nos créditos. A tribo indígena é mesmo uma tribo, e o pajé está creditado com o subtítulo "lutando pela preservação da floresta", por exemplo.

Apesar de não ser isento de falhas, A grande final é um filme interessante e divertido, que aponta que, no final das contas, a famosa aldeia global existe não pela vontade de um grupo de americanos sedentos de poder, mas pelo simples fato de que somos, sim, todos iguais. E, para o horror de alguns, todos admiramos homens de ceroulas correndo atrás de uma bola, para usar as palavras de uma sábia senhora mongol.

David Donato
20/3/2007 às 16h33

 

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